quinta-feira, maio 31, 2007

«Privatização de Universidades», artigo de opinião de Catarina Martins no "Jornal de Notícias"

O anúncio, por parte da tutela, da retirada de interesse público à Universidade Internacional (Lisboa e Figueira da Foz) acentua a discussão que o processo da [Universidade] Independente havia desencadeado em torno das Universidades privadas e do descalabro que se vive nestas instituições [de Ensino Superior].

Não há como escamotear a responsabilidade dos sucessivos Governos PS e PSD numa verdadeira bandalheira, criada a reboque de interesses privados, aos quais repetidamente estão associados nomes de responsáveis destes partidos políticos. Paradoxalmente, porém, as palmadas que o ministro do Ensino Superior, tardiamente, parece disposto a aplicar às Universidades privadas não escondem o objectivo maior do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, projecto de Proposta de Lei do Governo que já mereceu contestação alargada na Universidade de Coimbra, quer da parte do Senado, quer dos estudantes a privatização do sector.

Desde a apresentação do relatório da OCDE sobre o Ensino Superior em Portugal - um preceituário neoliberal elaborado à medida de um Governo cegamente obediente aos imperativos comunitários do PEC - que esta privatização se anunciava, surgindo agora sob a forma "mitigada" de um modelo fundacional.

Os argumentos em favor do novo regime - o acesso a financiamento privado e a flexibilização da gestão - são falsos, já que os mesmos objectivos poderiam ser alcançados dentro do actual quadro legal, desde que a autonomia universitária fosse respeitada de uma forma alargada pela tutela e desde que o Governo garantisse um financiamento adequado.

As consequências do novo modelo, porém, terão profunda gravidade Em primeiro lugar, na precarização dos laços contratuais dos funcionários das instituições do Ensino Superior - isto, num cenário caracterizado já pela precariedade alargada e por situações de desemprego cada vez mais numerosas, em relação às quais o Governo se mantém cego, surdo e mudo, persistindo na recusa do devido subsídio.

As bolsas de investigação com que [o ministro da Ciência e Ensino Superior] Mariano Gago quer mascarar este estado de coisas dificilmente respondem aos problemas dos docentes desempregados, mais não fazendo do que multiplicar as situações de falta de vínculo às instituições, de falta de direitos laborais e sociais, e de vida a prazo da maior parte dos investigadores portugueses, reduzidos ao estatuto de bolseiros.

Em segundo lugar, o novo modelo é um forte golpe na democraticidade interna das instituições do Ensino Superior, ao abolir órgãos colegiais (como o Senado) e a eleição do Reitor pela comunidade universitária, e ao restringir o direito de professores e alunos de participar na gestão das escolas, com profundas consequências na qualidade científica e pedagógica das mesmas.

Para além disso, é inaceitável a tentativa absurda de retirar a investigação do seio das Universidades, que corresponde a tirar-lhes a sua própria razão de ser.

Finalmente, a tecnocratização da gestão de Universidades e Politécnicos será sinónimo de mercantilização e terá efeitos graves sobre o país que somos e que queremos ser um país de "nerds" especializados em domínios que o mercado se dispõe a adquirir (o que torna previsível a extinção das Humanidades), ou uma sociedade de cidadãos bem formados, no sentido mais amplo da palavra, no qual se destaca o espírito crítico e a liberdade de pensamento, peças basilares de um estado democrático.

A base desta proposta do Governo é, na realidade, um profundo desprezo pela democracia e pela cidadania.
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Catarina Martins é docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo o seu presente artigo de opinião sido publicado no «Jornal de Notícias» de hoje.

quarta-feira, maio 30, 2007

Polémica(s) no Ensino Superior particular: cerca de 30 mil alunos "perdidos" nos últimos dez anos...

Entre 1997 e 2006 o Ensino Superior privado perdeu cerca de 30 mil alunos: de 110 mil inscritos há dez anos passaram a ser 80 mil no início do presente ano lectivo. Só a Universidade Internacional (UI) ficou sem 2.600 alunos desde 1997 e é uma das instituições do [Ensino] Superior privado envoltas em polémica. Os responsáveis da UI vão agir criminalmente contra o Estado português.
Na última semana, o ministro Mariano Gago emitiu dois despachos onde determina o fim de interesse público da UI de Lisboa e da Figueira da Foz. Em resposta, o presidente do Conselho de Administração da entidade instituidora da Universidade, Javier Mendez de Vigo, garantiu ontem que a SIPEC – Sociedade Internacional de Promoção de Ensino e Cultura – accionará “criminalmente quem, abusando dos seus poderes, tenha como objectivo lesar os interesses dos alunos, professores e funcionários das duas Universidades”. Isto depois de afirmar que o Ministério do Ensino Superior “não pode abusar das suas competências legais para prosseguir objectivos ilícitos”.

Em conferência de imprensa, na qual esteve [presente] mais de uma centena de alunos, Javier Mendez de Vigo garantiu que apresentará os planos de cada curso, com a identificação dos docentes e respectivas provas das qualificações académicas. Desta forma a sociedade responde aos pressupostos enumerados pela Inspecção-Geral da Ciência e do Ensino Superior [DGES] que serviram de justificação para o ministro [Mariano Gago] retirar o reconhecimento de interesse público à instituição.

O administrador da SIPEC revelou ainda o conteúdo da notificação enviada pela DGES, na qual é referido, por engano, o nome da Universidade Independente. Perante este erro Javier Mendez de Vigo afirmou: “Por que nos querem confundir? Não temos lutas de sócios, não há distribuição de dividendos, não existe duplicação de Reitores nem de Conselhos de Administração.”

As últimas decisões de Mariano Gago relançaram dúvidas sobre o funcionamento das instituições de Ensino Superior privado. “Não é negativo que instituições sejam punidas pelas infracções que cometem. Até é bom para esclarecer a comunidade, de uma vez por todas, de quais [instituições de Ensino Superior privado] é que cumprem”, diz João Redondo, director executivo da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP). O dirigente recorda que o [Ensino] Superior privado envolve perto de 90 instituições e que apenas algumas têm tido situações mais complicadas. “As [Universidades] privadas têm sido sistematicamente inspeccionadas. Não vejo que as últimas decisões sejam uma investida [contra as instituições de Ensino Superior privado].”

[Universidade Independente] À ESPERA

A Universidade Independente entrega amanhã [ontem] a contestação ao despacho do ministro [Mariano Gago] que lhe retirou o estatuto de interesse público, após meses conturbados. O processo de encerramento compulsivo ainda decorre.

SALÁRIOS [em atraso na Universidade Moderna]

Após o caso Moderna, relativo a 1999, a Universidade volta agora a ser motivo de polémica. Os professores reclamam salários em atraso. O DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal] investiga irregularidades no funcionamento e dívidas ao Fisco.

POLÍTICOS PARA ATRAIR ALUNOS

As Universidades privadas têm apostado na contratação de políticos para dar nome e atrair alunos. Pedro Santana Lopes tem dedicado parte da sua vida académica a dar aulas em [Universidades] privadas. Esteve na [já extinta Universidade] Livre, passou pela [Universidade] Lusíada e pela [Universidade] Moderna e depois de ter dado aulas na Universidade de Lisboa voltou às [Universidades] privadas, à [Universidade] Internacional, para ensinar Direito Constitucional e Direito Internacional Público. “As aulas fazem bem ao espírito, puxam por nós”, diz.

O ex-primeiro-ministro assume que as [Universidades] privadas “estão num momento difícil, mas fazem muita falta”. Ao contrário da maior parte das [Universidades] privadas, a [Universidade] Fernando Pessoa não contrata docentes com actividade política.

DIFERENÇAS ENTRE [Ensino Superior] PÚBLICO E PRIVADO

TRÊS QUARTOS

No presente ano lectivo 75 por cento dos alunos do Ensino Superior estão inscritos em instituições públicas.

DIPLOMADOS

Segundo o Observatório do Ensino Superior, 70 por cento dos diplomas em 2006 foram concedidos no [Ensino Superior] público.

CALOIROS

Mais alunos inscritos pela 1ª vez no 1º ano no Ensino Superior público (74 por cento) do que no [Ensino Superior] privado.

SAIBA MAIS

80.637 alunos inscritos no Ensino Superior privado no início do ano lectivo 2006/07, de acordo com o Observatório do Ensino Superior.

1986 é o ano-chave do Ensino Superior privado em Portugal: com o fim da Universidade Livre (criada em 1979) nascem as Universidades Lusíada, Autónoma e Portucalense.

ENCERRAMENTO

A tutela pode decidir o encerramento compulsivo ou a retirada de estatuto de interesse público de uma instituição [de Ensino Superior particular].

MOTIVOS

Para o encerramento compulsivo [de uma instituição de Ensino Superior particular] tem de haver instabilidade académica. A acontecer, a instituição fecha, mas os proprietários mantêm os alvarás dos cursos e podem reabrir outra instituição; a retirada de estatuto de interesse público resulta quando a instituição não cumpre os objectivos (falta de cursos e de corpo docente com formação). O fim do interesse público termina com os cursos.


NOTAS

PROBLEMA É A GESTÃO

Ângelo Correia foi consultor da [Universidade] Moderna entre 1999 e 2001. “Faltam corpos autónomos e a gestão é o principal problema das [Univesidades] privadas”, diz o ex-ministro.

ECONOMIA UNE POLÍTICOS

Manuela Ferreira Leite e [Joaquim] Pina Moura são de campos políticos opostos, mas leccionam juntos no Instituto Superior de Gestão desde 2005.

CASAL ILUSTRE [licenciou-se] NA [Universidade] LIVRE

O presidente do Millennium BCP, Paulo Teixeira Pinto, e a mulher, Paula Teixeira da Cruz, tiraram o curso de Direito na [já extinta] Universidade Livre.

EVOLUÇÃO DO ENSINO SUPERIOR [nos últimos 10 anos]

1997: 224.091 (Público) / 110.450 (Privado)

1998: 236.487 (Público) / 107.335 (Privado)

1999: 252.252 (Público) / 108.271 (Privado)

2000: 270.312 (Público) / 103.450 (Privado)

2001: 286.380 (Público) / 101.517 (Privado)

2002: 285.362 (Público) / 99.704 (Privado)

2003: 282.215 (Público) / 95.868 (Privado)

2004: 278.756 (Público) / 84.922 (Privado)

2005: 280.419 (Público) / 83.389 (Privado)

2006: 286.092 (Público) / 80.637 (Privado)

terça-feira, maio 29, 2007

Em Maio e Junho haverá iniciativas de Luta pelo Ensino Superior público e pela Carreira Docente

Em conferência de imprensa realizada em Lisboa na manhã de 17 de Maio, a FENPROF e o SNESup anunciaram o arranque da iniciativa «Mês de Luta pelo Ensino Superior e pela Carreira». Esta acção tem como objectivo central informar e mobilizar os docentes do Ensino Superior e os investigadores, para as respostas que se impôem face às reformas em curso (propostas de Lei do Regime Jurídico das instituições e da avaliação) e, em especial, face às alterações às carreiras, cuja negociação arrancará em breve, segundo o Ministério [Ciência e Ensino Superior] dirigido por Mariano Gago.
Participaram nesta conferência de imprensa os dirigentes sindicais João Cunha Serra e Mário Carvalho, pela FENPROF; e Paulo Peixoto e Infante Barbosa, pelo SNESup, organizações que "intensificam a cooperação" na defesa do Ensino Superior, da investigação, dos docentes e investigadores e que alertam para a necessidade de "passar das palavras aos actos" em termos de valorização destes sectores, fundamentais para o futuro do País.

Esta acção de luta e de esclarecimento, de amplitude nacional, prolonga-se pelo mês de Junho e incluirá reuniões nas instituições de Ensino Superior: Universidades e Politécnicos.

Como sublinharam os dirigentes sindicais presentes no encontro com os jornalistas, estão em causa matérias fundamentais como a afirmação dos valores do primado do interesse público deste sector de ensino, a responsabilidade do Estado pelo financiamento do Ensino Superior público, a democratização do acesso e da frequência, a qualidade e a relevância social das formações, a participação na gestão democrática, a liberdade académica, incluindo as liberdades de criação e de opinião; a estabilidade de emprego e a protecção social no desemprego; e ainda o incentivo à obtenção de qualificações e à melhoria dos desempenhos.

"Nestas reuniões procurar-se-ão constituir comissões representativas de docentes e de investigadores que permitam uma eficaz ligação das organizações sindicais à generalidade dos docentes e dos investigadores de cada uma das instituições, por forma a que estes acompanhem e participem activamente no processo de discussão e de negociação das propostas legislativas e das alterações aos estatutos das carreiras", como foi salientado na conferência de imprensa, realizada na sede da FENPROF.

No diálogo com os jornalistas foi salientada uma vez mais a grave situação de precariedade laboral que se vive no Ensino Superior, nomeadamente no Politécnico. Os responsáveis sindicais chamaram também a atenção para "as tendências de centralismo" que se vislubram na política do Governo para o sector, de que é exemplo expressivo a tentativa de esvaziamento da autonomia científica das instituições

Carta dirigida a Mariano Gago

A Federação Nacional dos Professores [FENPROF] e o SNESup [Sindicato Nacional do Ensino Superior] enviaram já ao Ministro [Mariano Gago] uma carta onde apresentam as condições que consideram necessárias para que se processem efectivas negociações. Assim, quanto às negociações sobre carreiras, reclamam, por um lado, o seu início ainda em Maio, evitando o período de férias, e, por outro, a discussão, numa primeira fase, dos princípios orientadores das alterações a introduzir nas carreiras e, só depois, dos articulados.

As duas organizações sindicais solicitam ainda que "as formulações que venham a ser acordadas não sejam postas em causa pelo novo sistema de Vínculos, Carreiras e Remunerações da Administração Pública".

Entretanto, foi revelado que as reuniões inseridas no plano de luta em defesa do Ensino Superior e da Carreira começa[ra]m já no sábado, 19 de Maio, com um encontro de docentes do Ensino Superior Particular e Cooperativo, a partir das 15 horas, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, "por dificuldades em realizar esta iniciativa numa escola privada".
Entretanto, também já houve reuniões no Instituto Politécnico de Bragança (a 24 de Maio) e no Instituto Politécnico de Beja (a 25 de Maio).

Estão também já marcadas outras reuniões:

Universidade de Coimbra - 30 de Maio

Instituto Politécnico de Viana do Castelo - 4 de Junho

Universidade do Porto - 5 de Junho

Instituto Politécnico do Porto - 12 de Junho

Universidade de Aveiro - 13 de Junho

segunda-feira, maio 28, 2007

domingo, maio 27, 2007

Politécnicos acusam Mariano Gago de ruptura

"Ruptura", e não "revisão ou reforma da legislação", é a palavra escolhida pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) para caracterizar a proposta de Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior. Ainda segundo o CCISP, o Ministério da Ciência e Ensino Superior (MCTES) mantém, de forma velada, o poder discricionário de criar fundações, uma vez que a fusão de instituições ou transformação resulta sempre na criação de uma nova entidade. A questão parece ser de pormenor, mas é de largo alcance. Na versão 4, lia-se o seguinte "A transformação de Universidade ou Instituto Politécnico em Fundação pode também ser decidida por iniciativa do Ministro da tutela, por motivo de interesse público, ouvida a instituição". Na última versão, a redacção é quase igual, mas acrescenta "quando se trata da criação de nova instituição". Luciano de Almeida, presidente do CCISP, lembra que qualquer processo que crie uma Fundação equivale sempre ao surgimento de uma nova instituição. Ou seja, "o Ministro quis moderar a redacção de alguns artigos para conter a polémica instalada".

Ainda em relação às Fundações, Luciano de Almeida considera que o desaparecimento do Conselho de Curadores nesta última proposta não significa nada, uma vez que, à luz da Lei portuguesa, qualquer instituição fundacional necessita de um conselho geral ou de curadores. "Ao retirar da versão anterior qualquer referência aos curadores, Mariano Gago sabe que a composição dos órgãos terá de ser regulada noutro diploma, eventualmente em decreto-lei a negociar com o sector". Aliás, no parecer do CCISP pedido por Mariano Gago numa base de consulta informal, os presidentes dos Politécnicos "entendem que o diploma devia prever quais os órgãos das Fundações, sua composição e forma de eleição ou designação, afastando assim os receios de governamentalização".

O CCISP considera ainda que as exigências de corpo docente são maiores para o Politécnico do que para o Universitário, sendo que este último subsistema é o único referido no texto como sendo de "alto nível", facto que contribui para a "desvalorização da representação social do Ensino Politécnico". O CCISP alerta para o facto de o Reitor ou Presidente ficarem sem condições para o exercício de funções.

sábado, maio 26, 2007

«Novas [Universidades] Independentes nos esperam», artigo de opinião de Paulo Peixoto

Reza uma inaplicada Constituição da República que as Universidades gozam de autonomia em diversos planos, o que, no Ensino Superior particular e cooperativo, deveria ter expressão no princípio da separação entre a administração pelas entidades proprietárias e a direcção académica.

No Ensino [Superior] público a intervenção (e responsabilização) da entidade proprietária - o Estado - é praticamente inexistente, como o mostra a circunstância de o Instituto Politécnico de Beja ter deixado de pagar os vencimentos por inteiro a parte do seu pessoal docente e de a tutela virar a cara para nada ver, nada ouvir, nada dizer. No Ensino [Superior] particular, pelo contrário, a intervenção e a intimidade são excessivas, como o mostra a confusão entre sócios, administradores, Reitores e vice-Reitores que sempre existiu na Universidade Independente [UnI], e que leva a que a perda de idoneidade da entidade proprietária acarrete a perda de viabilidade do estabelecimento de ensino.

Primeira lição: é preciso avaliar a idoneidade das entidades proprietárias e acompanhar com regularidade o cumprimento das suas obrigações em relação às instituições de Ensino Superior particular.

A esforçada Direcção-Geral do Ensino Superior constitui impecáveis "dossiers" para instruir processos de reconhecimento da utilidade pública de novas instituições do Ensino Superior particular e processos de autorização de funcionamento dos próprios cursos mas só por ingenuidade pode acreditar que tudo vai funcionar como está no papel. E o facto é que a tutela, até agora, só parece mexer-se quando o irreparável já está nas páginas dos jornais.

Segunda lição: é preciso observar, e avaliar, com regularidade o funcionamento das instituições de Ensino Superior, quer das públicas quer das particulares, por forma a verificar se os pressupostos de qualidade se mantêm.

No Ensino [Superior] público e no Ensino [Superior] particular, as instituições devem ter corpos docentes estáveis e, consequentemente, responsáveis, o que sucede cada vez menos no [Ensino Superior] público e praticamente nunca sucedeu no [Ensino Superior] particular. Governos e Inspecções-Gerais fecham deliberadamente os olhos a contratos de aquisição de serviços e a "contratos de docência" que relevam de verdadeira ficção científica. É por isso que nos dias finais da [Universidade] Independente cada facção anunciou livremente o seu próprio corpo docente como se não existissem normas sobre celebração e cessação de contratos. É por isso que vimos no terreno a Inspectora-Geral e o Director-Geral do Ensino Superior, a confrontar os tais "dossiers" impecavelmente organizados sobre a UnI com os escombros da instituição, mas não o Inspector-Geral do Trabalho a qualificar os contratos do pessoal docente como contratos de trabalho e a apurar quando se deve de salários aos interessados e a quanto terão direito de indemnização por despedimento.

Terceira lição: é preciso avaliar a qualidade das relações laborais, encarada como uma garantia da qualidade global das instituições e de uma efectiva autonomia em relação a interesses ilegítimos.

A proposta de Lei de Avaliação que o MCTES acaba de anunciar mostra que nenhuma destas lições foi apreendida. Designadamente, o cumprimento da legislação laboral fica fora do campo da avaliação e os Sindicatos de Professores não são considerados interlocutores do processo de avaliação.

Novas [Universidades] Independentes nos esperam.
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Paulo Peixoto é presidente da Direcção do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) e escreveu o presente artigo de opinião na edição de 4 de Abril do jornal «Público». Anteriormente já havíamos transcrito outros seus textos: «A corrosão da Universidade», «Do Minho ao Algarve: flexi-segurança [está a ser implementada] sem demora [nas Universidades]» e «Carta Aberta [do Presidente da Direcção do SNESup] a Augusto Santos Silva e a Alberto Martins».

Este "aviso" de Paulo Peixoto [relembre-se, datado de 4 de Abril passado] veio a ser plenamente comprovado por duas notícias de ontem: «[Universidade] Moderna: ministro [Mariano Gago] solicita "acção urgente" à Direcção-Geral do Ensino Superior» e «Ministério [da Ciência e Ensino Superior] retira reconhecimento de interesse público à Universidade Internacional».

sexta-feira, maio 25, 2007

Prédio da Reitoria da Universidade de São Paulo recebe abraço simbólico de alun@s e funcionári@s

Alunos e servidores [funcionários] da USP [Universidade de São Paulo] deram, no início da tarde desta quinta-feira [ontem], um abraço simbólico no prédio da Reitoria da Universidade, ocupado desde o dia 3 deste mês [foto ao lado]. Cerca de mil pessoas deram as mãos e conseguiram contornar o prédio.

Os manifestantes disseram, por várias vezes, que a USP é um património público e deve ser preservado. Os manifestantes referiam-se às medidas do governador José Serra (PSDB) para o Ensino Superior que, para eles, tiram a autonomia das Universidades.

O "totem" que aponta a localização da Reitoria recebeu uma pequena faixa e, onde antes era lido "Gabinete da Reitoria", agora informa "Gabinete da ocupação".

Ocupação

Cerca de mil alunos e servidores [funcionários] da USP permanecem no prédio da Reitoria, apesar da reintegração de posse determinada pela Justiça.

Pela manhã, o juiz Edson Ferreira da Silva, da 13ª Vara da Fazenda Pública, negou o pedido do SinTUSP (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo) para adiar a reintegração. Ele também concedeu liminar que proíbe actos ou protestos que causem transtornos e perturbações no campus.
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Para além do nosso anterior texto «Alunos decidem manter ocupação na Universidade de São Paulo, mesmo após reintegração de posse», também devem ser lidas as seguintes notícias do jornal brasileiro "A Folha (de São Paulo)": «Professores da USP fazem assembleia e decidem entrar em greve» e «25 anos depois, estudante leva a mãe para a invasão» e todos os acontecimentos devem ser seguidos no «Blog da Ocupação Estudantil da USP de Maio de 2007 - Blog de luta da ocupação pacífica, diálogo aberto!».

Funcionários das Universidades públicas estão contra o Regime Jurídico para o Ensino Superior

A Associação Nacional dos Funcionários das Universidades Portuguesas (ANFUP) afirma que o novo Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior [RJiES] afecta o sistema democrático.
Após a Proposta de Lei [do RJiES] ter sido aprovada na generalidade em Conselho de Ministros no passado dia 5 de Maio, a ANFUP diz que a nova lei ameaça os “direitos fundamentais dos trabalhadores”.

A associação [dos funcionários universitários] argumenta que a eventual aprovação do diploma na Assembleia da República põe em causa “a democraticidade do sistema, nomeadamente a representatividade do pessoal não docente”, afirmando ainda que a Proposta de Lei exerce um “tratamento discriminatório” sobre os trabalhadores.

Outra queixa dos funcionários das Universidades portuguesas prende-se com a inexistência de diálogo com os órgãos de gestão das instituições de Ensino [Superior].

A discussão do tema pela ANFUP ainda está restringida à Direcção Nacional da associação. Porém, o organismo considera alargar o debate a todos os trabalhadores das Universidades, para que a ANFUP possa assumir uma posição oficial.

Sindicato da Função Pública também contesta diploma

O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Centro também já manifestou o descontentamento com a aprovação do novo Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior.

Em nota de imprensa, o sindicato afirma que, a ser aprovado, o projecto do Governo “poria em causa, quer a autonomia das Universidades e Institutos Politécnicos (consagrada na Constituição da República), quer a Democracia Participativa”.

A Proposta de Lei é apresentada pelo sindicato como uma das razões para os trabalhadores da Função Pública fazerem greve na próxima quarta-feira, dia 30.

Tod@s na Greve Geral: 30 de Maio!!!!

quinta-feira, maio 24, 2007

SNESup: «A Lei que salvará o Ensino Superior?»

Chegou com inteira previsibilidade: anunciada seis meses antes, e após incubação das sugestões colocadas no relatório da OCDE, vem aí a «Lei que "salvará" o Ensino Superior», retirando-lhe controlo social e abrindo caminho para a privatização dos segmentos mais apetecidos, reduzindo a participação organizada dos corpos a favor da eternização das máfias que controlam certas instituições, agora dispensadas de uma relegitimação eleitoral periódica, valorizando aparentemente a qualificação mas reintegrando nos Conselhos Científicos do Politécnico, em nome do horror ao "academic drift", licenciados e bacharéis e deles afastando doutores e mestres.

Previsibilidade até na manobra, aliás anunciada por Vital Moreira em Fevereiro (ver no número 23 de «Ensino Superior - Revista do SNESup», Janeiro/Março de 2007, o artigo "Novo modelo institucional para as Universidades"), para vender o modelo fundacional: ameaçar com a passagem das instituições de Ensino Superior a Entidades Públicas Empresariais, para fazer aceitar a figura da Fundação como "terceira via", como se viu na comunicação social das semanas anteriores ao Conselho de Ministros Extraordinário onde mais esta "grande reforma" foi oficializada.

Previsibilidade também no desprezo pelos parceiros educativos que tem sido timbre de Mariano Gago: o Conselho de Ministros realizado simbolicamente(?) na Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, é marcado para [dia 5] o sábado anterior a uma importante reunião do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), realizada na Madeira a partir da segunda-feira seguinte [dia 7], e que acaba por se debruçar, na falta de uma versão oficial, sobre um texto, ostensivamente incompleto, qualificado de "fuga de informação". O Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) e a Associação do Ensino Superior Particular e Cooperativo (APESP) divulgam também este texto entre os seus membros, à falta de melhor informação, tal como o fará a Federação Nacional de Professores (FENPROF), cujo Sindicato de Professores da Zona Sul (SPZS) em comunicado difundido na Universidade de Évora afirmou mesmo que se tratava de versão entregue aos Sindicatos. Mais tarde o CRUP, o CCISP e a APESP receberiam uma versão oficial, que não foi também facultada aos Sindicatos.

Onde é que, na forma e no fundo, a nova Lei, apesar do que já se sabia sobre a sua orientação, traz algo de novo?

Em primeiro lugar, na circunstância de se ter substituído o anunciado pacote de diplomas (Leis de Autonomia, Estatuto do Ensino Superior particular e cooperativo, Estatutos de Carreira Docente e da Carreira de Investigação Científica) por um Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior, que, Conselho de Ministros dixit , concretiza por si só a prevista "reforma legislativa do Ensino Superior", revogando e substituindo o actual Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior, aprovado pela Lei nº 1/2003, de 6 de Janeiro, as actuais Leis de Autonomia das Universidades e Lei de Autonomia e Estatuto do Ensino Superior Politécnico, e o actual Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.

Deste modo, a nova Lei funcionará como uma "mãe de todas as leis" que condicionará toda uma série de legislação futura, a começar pelos Estatutos de Carreira Docente - se é que terão ainda esse nome - cuja negociação com os Sindicatos se encontrava prometida e ficará agora irremediavelmente circunscrita.

Também a nova lei confere ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o poder de, por simples despacho e não por decreto-lei, promover movimentos de reestruturação do Ensino Superior e, mesmo contra vontade das Universidades e Institutos Politécnicos públicos, impor o modelo fundacional a toda a instituição ou a algum dos seus estabelecimentos.

Em segundo lugar, na evidente subalternização dos Reitores e Presidentes de Institutos Politécnicos a Conselhos de Administração nomeados pelos titulares, sejam estes privados, no caso do Ensino Superior particular e cooperativo, onde as Universidades deixam de ter a personalidade jurídica que a actual lei teoricamente lhes reconhece, ou pelo próprio Governo, no caso das instituições que passem a regime de Fundação, cujos Conselhos de Administração seriam na "versão-destinada-a-fuga-de-informação" designados não por um Conselho de Curadores representativo do conjunto dos "stakeholders", mas pela própria tutela. Esta formulação ficou camuflada na "versão oficial".

É de supor aliás que o regime excepcional de Fundação passe rapidamente a regime geral, ou mesmo único, dada a submissão das Universidades e Politécnicos não-fundacionalizados ao regime actualmente muito restritivo dos Institutos Públicos, e a falta de "panache" da "avaliação curricular" em Conselho Geral (o próprio nome de Senado é proscrito).

De notar ainda que embora a nova "lei" admita que existam órgãos de coordenação das Universidades e Institutos Politécnicos, reserva-se o direito de (re)regular a sua criação, o que não é muito auspicioso para o CRUP, verdadeira bête-noire de Mariano Gago, e para o CCISP, órgãos em que aliás se passarão a sentar Reitores e Presidentes nomeados ao lado de Reitores e Presidentes eleitos.

É concedida aos Reitores e Presidentes em funções que tenham interesse em servir sob o novo modelo a possibilidade de condicionarem a formação dos Conselhos Gerais que redigirão os Estatutos a partir dos quais continuarão a exercer o poder.

Em terceiro lugar, no esvaziamento de poderes dos Conselhos Científicos, que deixam de poder deliberar sobre a atribuição de serviço docente, e na mudança da sua composição a favor de um cenário de eleição que havia sido há anos já equacionado por Pedro Lourtie e os seus colegas do CRISES [Colectivo para a Reflexão e Intervenção Sobre o Ensino Superior] (ver «Ensino Superior - Revista do SNESup» nº 9, Março/Abril de 2003, "CRISES - Acesso, Financiamento e Governo das Instituições [de Ensino Superior]"), e que o Partido Socialista havia levado à Assembleia da República na anterior legislatura, mas do qual se não havia voltado a falar.

Perante as perspectivas de mudança da lei, que pensarão os docentes do Ensino Superior sobre os cenários em vias de materialização? As respostas ao inquérito por questionário on-line reproduzido no nº 23 da «Ensino Superior - Revista do SNESup» "Inquérito aos modelos de governação das instituições de Ensino Superior", e cujo tratamento será publicado no nº 24:
  • revelam um descrédito generalizado do modelo de eleição de Reitores e Presidentes por colégio eleitoral, descrédito esse que se verifica tanto no Universitário como no Politécnico, tanto entre professores como entre assistentes, tanto entre docentes com experiência de participação como entre os que não a têm;
  • são no entanto favoráveis a um modelo mais participativo - a eleição directa com voto ponderado - para o qual a maioria dos respondentes se inclina, sendo que o modelo que aí vem desperta pouco entusiasmo;
  • mostram que a alteração do processo de formação dos Conselhos Científicos para um modelo electivo, que, sem qualquer inside information ou especial presciência legislativa, incluímos no questionário, colhe, ela própria, poucos apoios e que a passagem dos Conselhos a órgãos meramente consultivos não é bem vista.
Esperemos que os reformadores não confundam a ausência de um levantamento em massa contra o novo Regime Jurídico [das instituições do Ensino Superior] - quase ninguém está disposto a combater pelo actual modelo - com um consenso a favor das soluções encontradas.

21-5-2007

quarta-feira, maio 23, 2007

Reitores querem uma lei só para as Universidades

[Ensino Superior] Politécnico e Universitário juntos numa mesma proposta de lei de Regime Jurídico é um erro. O Conselho dos Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) também considera inaceitável que uma unidade orgânica de uma Universidade possa negociar directamente com o Governo a sua autonomização e separação, sem qualquer intervenção dos órgãos da instituição (e eventualmente contra a sua vontade). As Fundações de direito privado do Estado não têm quadro legal específico e, por esse motivo, os Reitores apelidam a iniciativa de "imprudente".

O Conselho [de Reitores] entende que a integração num único documento dos subsistemas universitário e politécnico "desvaloriza o princípio da autonomia universitária constitucionalmente consagrado". No geral, o CRUP reprova a proposta de lei do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) que lhe foi entregue na terça-feira [no passado dia 15]. "O CRUP aproveita a oportunidade para reafirmar a sua vontade de contribuir para uma reforma efectiva e não apenas para a preparação e publicação de uma lei", lê-se no comunicado.

O CRUP não considera aceitável que as unidades orgânicas de investigação se possam tornar independentes das Universidades, desligando assim as componentes Ciência e Ensino Superior. "Deve ser corrigida a actual tendência de dissociação entre Universidades e unidades de investigação científica, entre Ciência e Ensino Superior, justamente após terem sido integradas num mesmo Ministério, e quando é do envolvimento das duas partes que pode resultar o desenvolvimento da Ciência e a qualidade do Ensino", lê-se na Carta de Princípios do CRUP, de 13 de Março.

Os Reitores mostram-se ainda contrários às competências de gestão académica atribuídas ao Conselho Geral, um órgão que poderá ter entre 10 a 25 membros, tudo dependendo da dimensão da instituição, devendo integrar membros eleitos pelos professores/investigadores e pelos estudantes. Pelo menos 30% dos membros do Conselho devem ser personalidades de reconhecido mérito e exteriores à instituição. Trata-se de um órgão que pode tanto aprovar as linhas de orientação pedagógicas e científicas como aprovar propinas ou designar o Reitor. O CRUP advoga o princípio da eleição do Reitor por um colégio eleitoral alargado e sugere ainda a criação de um Conselho Universitário.

terça-feira, maio 22, 2007

Call for Summit «Non Aligned Initiatives in Education Culture», before this year G-8 meeting

Two weeks before this years G-8 meeting in Heiligendamm near Rostock various projects, initiatives and protagonists from the fields of art, culture and political activism are going to gather in Berlin for SUMMIT -- Non Aligned Initiatives in Education Culture.

SUMMIT is a proposal to question and to change some of the fundamental terms of the debate around education, knowledge production and information society.

SUMMIT seeks to bring together various approaches from different genres and calls to come forth and unalign. Unalign from both, the tendencies of bureaucratization and privatization of knowledge and education. The four-day event focusses on four thematic tracks: "Knowledge and Migrancy", "Self-authorization, -organization, -valorization", "Creative Practices" and "Education unrealized and ongoing".

SUMMIT -- Non Aligned Initiatives in Education Culture
May 24 to 28, 2007, Berlin (DE)


The debates around education are shifting. In Europe, questions of coordinated systems with comparable outcomes seem to dominate the concerned discussion around the forthcoming "Bologna" accord. While much critical opposition focuses on the loss of local traditions and fears of global homogenization -- both sets of responses serve only to fetishize knowledge within a commodity economy of education.

In actuality numerous non-aligned initiatives are converging around "education", recognizing that it is equally a platform for cultural actualisation and self organization. Within self organised educational forums that range from free academies, to exhibitions as educational modes to ad-hoc initiatives within social, political and economic organisations, it is becoming clear that beyond knowledge transfer, education is one of our most important tools for the transformation of subjects towards a participatory mode. Equally many initiatives to articulate contemporary subjects and forge new methods, to see education as itself a creative cultural practice, are taking place within established and recognised institutions of higher learning.
While these two efforts might be perceived as separate due to their institutional and structural status, they share a desire to reclaim education for present needs.

The crisis in education offers us potential modes of critical engagement: drawing on activist practices and processes of participation which circulate in the wider culture, it allows us to
claim the power to shape and define the terms of the debate. It is clear from the many exhibition, art practice and research projects which have recently converged on the notion of 'education', that there is much potential for seeing it as far more than the transmission of knowledge within dedicated institutions.

SUMMIT is a proposal to change the terms of the debate away from a purely bureaucratic engagement with quantitative and administrative demands and from the ongoing tendency to privatize knowledge as socalled "intellectual property". Instead of concerns with its purely organisational dimensions we would hope to steer it towards some of the important questions faced by our cultures today:

KNOWLEDGE AND MIGRANCY:

How does migration affect canonised knowledge? Can we conceive of a non-linear projection of learning? Whom do notions of fluidity and precarity serve? How do emergent subjectivities, produced out of current mobilities, produce newly situate knowledges?

SELF-ORGANIZATION, -AUTHORIZATION, -VALORIZATION:

What are the gestures of "un"-organizing education? If to define was to own, where do we encounter emergent possibilities of mutuality and collaboration within education? How can we envision new configurations of multiple ownership of knowledge? Is self-organization a mode of
education beyond the patterns of identification?

CREATIVE PRACTICES:

The model of education has become central to a range of creative artistic practices and to a renewed interest in radical pedagogy. As a mode of thinking an alternative to the immense dominance of art as commodity and display as spectacle, education as a creative practice
that involves process, experimentation, fallibility and potentiality by definition, offers a non-conflictual model for a rethinking of the cultural field.

EDUCATION, UNREALIZED AND ONGOING:

There are principles within learning and teaching that extend far beyond the years spent within the institutions of education. What models are emerging for an understanding of both an expanded duration of education as well as for our need to redefine what needs to be know within a contemporary civic landscape?

We call on all those interested and engaged in the debates around education to come forth and unalign.

SUMMIT offers the following formats:

- A public program with "keynote-lectures" by prominent thinkers, "curated conversations" between actors in the field, and 'history lessons' which locate previous moments of radical aspirations or transformations in the field.

- Working groups, caucuses and concept labs: A series of meetings and sessions on burning questions of education

- Open space: Forum for initiating proposals, highlighting practices and making theory urgent

- Collaborative drafting of a declaration

DATES: May 24 to 28, 2007

VENUES: Hebbel Am Ufer (HAU), Stresemannstr. 29, 10963 Berlin
unitednationsplaza, Platz der Vereinten Nationen 14a, 10249 Berlin
bootlab, Tucholskystrasse 6, 10117 Berlin

REGISTRATION: summit.kein.org
email: info[at]summit.kein.org

FACILITATING COMITTEE: Kodwo Eshun, Susanne Lang, Irit Rogoff, Florian Schneider, Nicolas Siepen, Nora Sternfeld

SUMMMIT is organized by Multitude e.V., in collaboration with Goldsmiths College, London University and Witte de With, Rotterdam.
SUMMIT is supported by the Federal Culture Foundation, Germany.

segunda-feira, maio 21, 2007

«Novas oportunidades?», opinião de José Soeiro

A recente campanha das "novas oportunidades" promovida pelo Governo é de uma enorme ironia. Mas é mais do que isso: ela exprime uma ideologia da formação que acentua a desvalorização de certas funções e que subordina a educação ao mercado; assenta numa profecia relativamente às qualificações que é desmentida pela realidade; e constitui um verdadeiro mecanismo de dissimulação do problema mais grave com que o país se defronta, que é a ausência de emprego e a destruição do trabalho com direitos, nomeadamente para os jovens. Analisemos então com mais detalhe cada uma destas três questões.
A desvalorização de certos ofícios e a divisão social do trabalho, em que umas funções são consideradas menores do que outras, é o que sustenta a ideia de que ser técnico de uma sala de cinema é menos digno do que se ser cantor: é esse o significado da foto do Pedro Abrunhosa no cartaz do Governo. A consequência desta lógica conhecêmo-la há muito. Ela traduz-se na dualização educativa, uma espécie de apartheid de classe que opera através da criação de duas vias com diferentes valorizações sociais: a via profissionalizante, para os filhos das classes populares, em que se produz mão-de-obra barata destinada aos segmentos mais instáveis do mercado de trabalho e, no outro pólo, as vias de prosseguimento de estudos, que desenvolvem competências destinadas a formar a mão-de-obra dos sectores estáveis e qualificados do mercado.

Mas o problema não é só esse: é que se pensarmos a relação entre o sistema formativo e o sistema produtivo partindo do pressuposto de que o primeiro é a antecâmara que prepara os indivíduos para o segundo, não só estamos a subordinar a educação às lógicas do mercado, como evitamos reflectir criticamente sobre a própria organização do mundo do trabalho. E isto leva-nos ao segundo ponto.

A ideologia da formação profissional não passa de uma profecia. O sociólogo [José] Machado Pais, num livro premiado sobre as trajectórias profissionais dos jovens [«Ganchos, Tachos e Biscates. Jovens, Trabalho e Futuro»], desmonta muito bem o discurso que faz da formação profissional a solução para o problema do desemprego juvenil, mostrando que a ideia de que este problema derivaria da inadequação das qualificações escolares em relação às necessidades do mercado de trabalho é apenas uma crença. Comparando jovens com e sem formação profissional, os dados concretos mostram que esta não é afinal determinante na ocorrência do desemprego, uma vez que "a probabilidade de um desempregado ficar desempregado após a frequência de uma formação profissional é elevada", sendo portanto "ridículos" os ganhos que a formação profissional proporciona ao nível do combate ao desemprego (Machado Pais, 2001, pp.51-60). Porquê? Porque o verdadeiro problema está noutro lado: no continuismo das políticas económicas liberais que vêm sendo aplicadas.

De facto, os problemas de inserção no mercado de trabalho não derivam da inadequação dos sistemas educativo e formativo ao sistema produtivo, mas da falta de empregos, da existência de um sistema produtivo que necessita de taxas de desemprego estrutural para manter determinadas taxas de lucro e de exploração da mão-de-obra, através, nomeadamente, da existência do "exército de reserva" de que falava [Karl] Marx. Mais ainda: os actuais modos de organização do trabalho são muitas vezes causadores de verdadeiras regressões culturais, desvalorizando-se no mundo do trabalho competências e práticas de autonomia e expressividade que, apesar de tudo, vão tendo lugar no mundo da escola. O problema crucial não é, portanto, como "adaptar o ensino ao mercado de trabalho", mas o contrário, isto é, como combater uma estrutura de relações de produção que bloqueia as forças potencialmente produtivas geradas no sistema de ensino e como criar postos de trabalho que absorvam as qualificações produzidas. E isto mesmo nos conduz à terceira questão.

A elevação do nível de qualificações não passa de uma pseudo-solução para o problema do desemprego, pois ela consiste, na feliz expressão do francês Robert Castel "mais do que numa redução do desemprego, numa elevação do nível de qualificações dos desempregados". Ou seja, quando as políticas de combate ao desemprego são substituídas por políticas de formação, não só não se ataca o problema principal como se cria um eficaz mecanismo de mistificação da realidade, individualizando-se um problema que é social: "se és desempregado é porque tens défices de qualificação". Os efeitos ideológicos são evidentes.

Uma advertência final, contudo: a consciência sobre esta mistificação não pretende ocultar que as baixas qualificações são um factor de vulnerabilização dos jovens perante o mercado de trabalho, nem abandonar o propósito democrático de tornar acessível o saber a toda a gente. De facto, não é desqualificando a formação que se qualifica o trabalho, antes pelo contrário. Mas a análise que se fez permite recolocar a questão do emprego no terreno a que pertence.

Na realidade, uma campanha como esta vinda de um Governo que dificulta o acesso ao ensino, estrangula financeiramente as instituições do Ensino Superior e que generaliza a condição precária para os jovens (a disseminação dos falsos recibos verdes passados pelo próprio Estado, inclusive nos Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, é apenas um exemplo), é mais que irónica. É, para mim, insultuosa.
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José Soeiro é dirigente d@s Jovens do Bloco de Esquerda e membro da Mesa Nacional do mesmo partido.
O presente artigo de opinião de José Soeiro foi publicado no portal Esquerda.net no passado dia 10, anteriormente já havíamos publicado um outro artigo do mesmo autor: «Educação, S.A.».

domingo, maio 20, 2007

Alunos decidem manter ocupação na Universidade de São Paulo, mesmo após reintegração de posse

Os alunos da USP (Universidade de São Paulo), que ocupam o prédio da Reitoria desde o último dia 3 [de Maio], decidiram continuar no local mesmo após a Justiça ter determinado na tarde desta quarta-feira [dia 16] a reintegração de posse imediata.

A Reitoria da Universidade entrou com o pedido de reintegração na manhã de dia 16 [passada quarta-feira] e, por volta das 18 horas, a Justiça enviou aos alunos um ofício determinando a saída.

Os ocupantes da Reitoria decidiram que vão manter-se no prédio após a realização de uma assembleia na noite desta quarta [dia 16].

Os universitários também decidiram pela greve estudantil na quinta-feira (dia 17) e a realização de um acto [manifestação], juntamente com sindicatos de servidores de Universidades de São Paulo, do vão livre do MASP (Museu de Arte de São Paulo) até à Assembleia Legislativa.

Os alunos ocuparam o local por não terem sido recebidos pela Direcção da Universidade para entregar uma carta com várias reivindicações, entre elas mais moradias estudantis, reformas em prédios da Universidade e um posicionamento oficial da Reitoria a respeito dos decretos do Governador José Serra (PSDB), entre eles o que criou a Secretaria de Ensino Superior.

Na terça-feira (dia 15), a USP informou que entraria com medidas judiciais contra o grupo de alunos que invadiu o prédio da Reitoria.

Greve dos funcionários

Além da manifestação dos universitários, funcionários da USP iniciaram um protesto nesta quarta [dia 16]. Eles entraram em greve para reivindicar a contratação de professores, o reajuste salarial e a manutenção dos prédios. O movimento também repudia o processo de terceirização na Universidade.

Segundo a ADUSP (Associação dos Docentes da USP), os professores farão no próximo dia 23 [próxima quarta-feira] uma paralisação e uma assembleia para discutir a adesão à greve.

Ocupação Estudantil da USP - Um Blog de Luta!

sábado, maio 19, 2007

Processo de Bolonha ainda tem muito para fazer

O Processo de Bolonha avançou desde 1999, mas há ainda muito a fazer para aumentar a mobilidade de estudantes e académicos na Europa, constataram hoje em Londres os participantes no encontro ministerial dos 45 países que aderiram ao projecto.
«Participei em todas as reuniões e devo dizer que houve um progresso inesperado desde 1999», afirmou a representante alemã, Ute Erdsiek-Rave, ministra da Educação da região germânica de Schleswig-Holstein.

«Mas ainda há muito para fazer», avisou, durante a conferência de imprensa que concluiu um encontro de dois dias na capital inglesa, onde foi feito um balanço da aplicação do Processo de Bolonha.

No documento final [«Bologna Process Stocktaking London 2007»], governantes de 45 países europeus congratularam-se com os desenvolvimentos dos últimos anos, que qualificam como um «passo significativo para a concretização de um Espaço Europeu de Ensino Superior» [EHEA, na sigla inglesa].

O EHEA será criado em 2010, depois de terminado o prazo de implementação do Processo de Bolonha, que visa harmonizar os graus e diplomas atribuídos e facilitar a mobilidade e empregabilidade dos estudantes na Europa.

No entanto, também foi constatado que é preciso trabalhar continuamente «para adaptar os sistemas de Ensino Superior para assegurar que a EHEA se mantenha competitiva e possa responder aos desafios da globalização», diz a mesma nota.

Garantir a qualidade do ensino, promover a mobilidade dos estudantes e pessoal académico, motivar as Universidades a criarem cursos mais flexíveis e adaptar os conhecimentos ao mercado de trabalho foram alguns dos objectivos enumerados.

No domínio do controlo da qualidade, foi impulsionada a criação de um Registo das Agências de Avaliação da Qualidade do Ensino Superior Europeias, ao qual a adesão será voluntária.

Além de certificar a qualidade dos cursos, o Registo é um instrumento para a credibilidade e promoção internacional das Universidades e evitar, por exemplo, os logros hoje frequentes com a publicidade de diplomas falsos na internet.

Os ministros pretendem ainda remover os obstáculos à mobilidade de estudantes, como a insuficiência de bolsas de estudo ou a dificuldade em obter vistos de entrada nos países.

Todavia, o ministro da Educação britânico, Bill Rammell, rejeitou a sugestão da Associação Europeia de Estudantes [ESIB] de eliminar a necessidade de vistos para estudantes, alegando que essa era uma questão de Administração Interna de cada Estado.

Durante esta conferência foi formalizada a entrada da República do Montenegro para o grupo dos países membros do Processo de Bolonha [antes signatária em conjunto com a Sérvia], havendo ainda acordos de colaboração com o Canadá e a Austrália.

«Existem vários países que manifestaram interesse no processo de Bolonha e estão a tentar compatibilizar-se com os critérios», revelou o comissário Europeu da Educação, Formação, Cultura e Multilinguismo, Ján Figel.

A próxima reunião ministerial dos países participantes no Processo de Bolonha terá lugar a 28 e 29 de Abril de 2009 em Leuven-Louvain-la-Neuve (Bélgica), organizada conjuntamente pelos países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).

O Processo de Bolonha é um compromisso assumido em 1999 pelos países europeus que visa harmonizar os graus e diplomas atribuídos, de modo a criar até 2010 um «Espaço Europeu do Ensino Superior», que facilite a mobilidade e empregabilidade dos estudantes na Europa.

De acordo com os dados que o Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior apresentou em Londres, no próximo ano lectivo quase 90 por cento das licenciaturas e mestrados estarão a funcionar em Portugal adaptados às regras de Bolonha.

No ano lectivo em curso, 2006/07, cerca de 38 por cento da oferta de 1º e 2º ciclo de estudos (licenciaturas e mestrados respectivamente) estão a ser oferecidos de acordo com as regras introduzidas no âmbito do Processo de Bolonha, estando previsto que mais cerca de 50 por cento dessa oferta esteja disponível no próximo ano lectivo (2007-2008).

Além disso, cerca de 70 por cento dos programas oferecidos em Universidades públicas já aplica o regime europeu de créditos (ECTS), assim como 60 por cento dos Institutos Politécnicos públicos.

Entre os privados, esse regime é aplicado por 99 por cento das Universidades e 70 por cento dos Politécnicos.
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Sobre esta reunião ministerial em Londres, com a temática da adequação do Ensino Superior ao Processo de Bolonha, há alguma informação adicional no "site" do MCTES.

sexta-feira, maio 18, 2007

Ministros europeus debatem Processo de Bolonha

Ministros europeus do ensino superior debatem hoje e sexta-feira em Londres a aplicação do Processo de Bolonha, um novo modelo que o Governo português considera estar a concretizar com êxito, apesar das críticas de alguns sectores.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) afirma que «Portugal registou durante o último ano progressos significativos na concretização do processo de Bolonha», mostrando um «desempenho considerável face ao processo em curso em toda a Europa para a modernização da oferta educativa e dos padrões de mobilidade de estudantes no espaço europeu».

Contudo, a ESIB (National Unions of Students in Europe), uma estrutura representativa dos estudantes europeus, vai apresentar nesse mesmo encontro um relatório que aponta falhas na aplicação do Processo de Bolonha e critica os governos europeus de apenas implementarem alguns aspectos, ignorando outros.

Segundo esta organização, «todos os países estão a implementar a estrutura comum de três ciclos de ensino, mas apenas alguns tiveram realmente em atenção a situação social dos estudantes nos seus países, embora a dimensão social tenha sido apontada como uma prioridade do Processo de Bolonha».

No entender dos estudantes, esta situação pode pôr em risco o êxito de Bolonha, uma vez que este modelo só poderá funcionar se for aplicado igualmente, como um todo.


Os autores do estudo, que para o efeito passaram o último ano a colectar dados, consideram que muitas das reformas estão a ser levadas a cabo de forma superficial.

Como exemplo, Bruno Carapinha, do Comité do Processo de Bolonha da ESIB, afirma que «o sistema de créditos europeu ECTS deveria facilitar a mobilidade e colocar o aluno no centro, mas não está a ser aplicado adequadamente».

«Os créditos não são totalmente equiparáveis dentro da Europa», acrescenta.

O mesmo responsável considera que apesar de ser um dos objectivos chave de Bolonha, a mobilidade dos estudantes continua a deparar-se com diversos obstáculos.

«Os subsídios e empréstimos aos alunos não são suficientes para estudar lá fora e há falta de apoios financeiros adicionais. Nem todos os estudantes podem custear a sua mobilidade»
, afirma Bruno Carapinha.

Também o Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou críticas à aplicação do Processo de Bolonha em Portugal, considerando que o mesmo foi realizado «de modo apressado e superficial», com riscos muito elevados para a qualidade do ensino superior.

As conclusões do CNE constam de uma análise ao sistema educativo pedida pelo Governo e pelo Parlamento, baseada em cerca de 150 seminários regionais.

De acordo com o documento, a aplicação de Bolonha traduziu-se numa redução substancial do número de horas de aulas, sem o devido apoio tutorial por parte dos professores e sem o desenvolvimento das capacidades de trabalho autónomo por parte dos alunos, o que pode conduzir a «um caminho de perda de qualidade e de aprofundamento das desigualdades sociais».

Para assegurar a qualidade do ensino universitário e politécnico, a iniciativa que envolveu mais de 10 mil portugueses por via electrónica, defendeu a necessidade de racionalizar a rede, através de «entendimentos mútuos» entre as instituições, ao contrário do que tem acontecido: «frequentes manifestações do isolamento e do salve-se quem puder».

O próprio modelo institucional de organização e gestão do ensino superior é posto em causa neste documento, que advoga a necessidade de «evoluir para um novo ordenamento institucional», que consagre às instituições de ensino superior mais autonomia.

De acordo com os dados que o MCTES vai apresentar em Londres, no próximo ano lectivo quase 90 por cento das licenciaturas e mestrados estarão a funcionar em Portugal adaptados às regras de Bolonha.

No ano lectivo em curso, 2006/07, cerca de 38 por cento da oferta de 1º e 2º ciclo de estudos (licenciaturas e mestrados respectivamente) estão a ser oferecidos de acordo com as regras introduzidas no âmbito do Processo de Bolonha, estando previsto que mais cerca de 50 por cento dessa oferta esteja disponível no próximo ano lectivo (2007-2008).

Além disso, cerca de 70 por cento dos programas oferecidos em universidades públicas já aplica o regime europeu de créditos (ECTS), assim como 60 por cento dos institutos politécnicos públicos.

Entre os privados, esse regime é aplicado por 99 por cento das universidades e 70 por cento dos politécnicos.

O Processo de Bolonha é um compromisso assumido em 1999 pelos países europeus que visa harmonizar os graus e diplomas atribuídos, de modo a criar até 2010 um «espaço europeu do ensino superior», que facilite a mobilidade e empregabilidade dos estudantes na Europa.

«Universidades privadas: ascensão e queda de um negócio muito nebuloso», artigo de Miguel Reis

Quinze anos depois do "boom" das Universidades privadas, os alunos escasseiam e a qualidade também. A busca dos lucros fáceis conseguidos à custa dos estudantes que não conseguiam lugar nas Universidades públicas foi acompanhada da promiscuidade com o poder político de cada ocasião. A inspecção denunciou tudo mas não puniu ninguém.
Acredite-se ou não em José Sócrates, indesmentível é o facto de apressadamente ter tentado concluir o seu curso numa Universidade privada, a única hipótese que lhe garantia a celeridade e simplicidade desejadas para ser Engenheiro à força. E fê-lo porque era preciso, num país em que os títulos contam muito, não para encontrar um posto de trabalho seguro e estável (para isso o título não é suficiente, ao contrário das ilusões presentes na campanha “Novas Oportunidades”) mas porque parecia mal a um “promissor político” a ausência de tal epíteto.

Toda a tinta que correu em torno do curso do primeiro-ministro teve o mérito de deslindar (para quem andasse distraído) o sinistro papel das Universidades privadas na sociedade. O escândalo em que mergulhou a Universidade Independente [UnI], com acusações de crimes de fraude fiscal – abuso de confiança, burla agravada, falsificação de documentos, constituição de arguidos entre membros da direcção e accionistas – não é único. [Ver dados mais abaixo, em «Escândalos e peripécias das Universidades privadas».] E nada disto surpreende quando estamos perante máquinas de fazer dinheiro, habilmente protegidas pelos nomes de inúmeros políticos que vão adornando o seu corpo docente. A competição instalada no mundo das [Universidades] privadas não se rege tanto pela bitola da qualidade oferecida mas mais pelas facilidades concedidas na obtenção dos valiosos canudos (a troco, obviamente, de avultadas prestações mensais) que valem mais o estatuto do que o futuro. Não surpreendeu por isso que, no momento em que rebentou este escândalo, rebentou também uma verdadeira caça aos alunos da UnI, vítimas de todo o processo. Várias instituições [de Ensino Superior] privadas apressaram-se a dispensar estes alunos do pagamento da matrícula inicial, ou não valessem no seu conjunto cerca de 8 milhões de euros por ano, segundo cálculos feitos pelo «Diário de Notícias».

Escândalos e peripécias das Universidades privadas

A história das Universidades privadas em Portugal é uma densa teia de interesses, zangas, irregularidades, branqueamento de capitais e favorecimentos diversos.

1986: UNIVERSIDADE LIVRE

Por entre enormes lutas internas na Universidade Livre (UL), a primeira [Universidade] privada do País (criada em 1979), o Governo deixou de reconhecer a instituição. A partir das cisões desta Universidade foram criadas três instituições privadas, a Lusíada, a Autónoma [UAL] e a Portucalense, cujas cisões também deram origem a outras Universidades [privadas]. J. J. Gonçalves, Martins da Cruz, Gonçalves Proença e Braga Nunes fundaram a Universidade Lusíada. Luís Arouca, Rui Verde e Justino Mendes de Almeida estiveram na criação da UAL (fundada em 1986). Uma nova ruptura, desta feita na [Universidade] Lusíada, fez sair J. J. Gonçalves para criar a [Universidade] Moderna, envolvida nas malhas da justiça. Em 1992, Luís Arouca sai também da [Universidade] Autónoma em rota de colisão e funda a Universidade Independente.

1992: UNIVERSIDADE AUTÓNOMA [UAL]

Neste ano, esta Universidade chegou a ter dois Reitores (Luís Arouca e Justino Mendes de Almeida), numa disputa interna semelhante à verificada agora na UnI. Um ano depois, após episódios a fazer lembrar o que agora se passou na Universidade Independente – como a contratação de seguranças e o impedimento da entrada de professores nas instalações –, Luís Arouca cria a UnI, em conjunto com Rui Verde, e Amadeu Lima de Carvalho. Já em 2007, um escândalo de favorecimento claro a um aluno, que teve acesso à correcção do exame antes de o fazer, levou à demissão de um professor.

1999: UNIVERSIDADE MODERNA

Entre 1997 e 1999 foram gastos com cartões de crédito da Universidade Moderna mais de 173 mil contos (862.920 euros), 58 mil dos quais pela mão de José Braga Gonçalves, Reitor na época. O caso [Universidade] Moderna, que “rebentou” em 1999, sentou no banco dos réus 13 arguidos acusados de associação criminosa, gestão danosa, apropriação ilícita, burla, falsificação de documentos e corrupção. No final, José Braga Gonçalves, filho do Reitor e secretário­-geral adjunto da instituição, foi condenado a uma pena de dez anos de prisão, tendo já saído em liberdade condicional. Hoje continuam as irregularidades, tendo vários professores denunciado a ausência de livros de termo, obrigatórios por lei. Neste momento, está a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DIAP) por irregularidades no seu funcionamento e dívidas a professores e ao Fisco, tendo já sido penhorados 14 automóveis.

2002: UNIVERSIDADE LUSÓFONA

Em 2002, a credibilidade da instituição ficou fortemente abalada, quando um grupo onde se incluía Teresa Costa Macedo, uma das fundadoras, acusou o presidente, Manuel Damásio, que a tinha afastado, de várias ilegalidades. O escândalo já tinha rebentado em 1996 com denúncias de gestão danosa, fraudes, tráfico de armas, desvio de dinheiro das propinas e venda de diplomas falsos. Tudo acabou em 2004 com o acordo das partes e o pagamento de indemnizações.

2004: UNIVERSIDADE PORTUCALENSE

Uma crise financeira iniciada em 1999 agudizou-se em 2004, quando um grupo de docentes apresentou ao Ministério Público uma denúncia de alegada gestão danosa e utilização indevida de dinheiros, levando a Polícia Judiciária a efectuar buscas na Universidade e nas residências dos directores. Em causa estava um passivo de 17 milhões de euros e o empenhamento de grande parte do património como garantia bancária. O caso foi entregue ao Tribunal de Gaia que no dia 14 de Dezembro de 2005 decidiu nomear uma nova direcção.

2007: UNIVERSIDADE INDEPENDENTE

Investigação de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais, abuso de confiança, burla agravada, falsificação de documentos, constituição de arguidos entre membros da direcção e accionistas. O Ministério da Ciência e do Ensino Superior anunciou a intenção se encerrar esta Universidade.

2007: UNIVERSIDADE INTERNACIONAL

Revelou ter sido agora notificada pelo Ministério por não cumprir os critérios exigidos por lei, «nem no número de docentes, nem no número de cursos».

CHEGOU A HORA DA RESSACA DAS [UNIVERSIDADES] PRIVADAS

O "boom" das Universidades privadas deu-se essencialmente entre 1985 e 1995. A falta de investimento na criação de vagas e novas instituições no Ensino Superior público, responsabilidade directa dos Governos da altura, permitiu que as Universidades privadas em Portugal crescessem por excesso de procura, com os milhares de estudantes que não conseguiram colocação nos estabelecimentos públicos [de Ensino Superior].

Outra consequência deste aumento exponencial do Ensino Superior privado foi precisamente «uma transferência maciça de recursos da Universidade pública para as novas Universidades privadas, uma transferência de tal montante e tão selvagem que é legítimo concebê-la como um processo de acumulação primitiva por parte do capital universitário com a consequente descapitalização e desarticulação da Universidade pública» [Boaventura Sousa Santos, «A Universidade no séc. XXI: Para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade”» (pdf), 2004].

Ao contrário do que sucedeu noutros países, em Portugal as Universidades Privadas não fixaram o seu próprio corpo docente (até porque se destacam em matéria de violação de direitos laborais dos professores) nem apostaram na qualidade: cresceram com os alunos que não conseguiram lugar nas Universidades públicas, parasitando os recursos humanos do sistema público e tendo apenas como objectivo o lucro fácil. O prestígio resumia-se à inclusão de algumas figuras famosas no seu corpo docente, muitas vezes só para enfeitar.

Apoiado nesta permissividade e promiscuidade com o poder político, o sector do Ensino Superior privado cresceu vertiginosamente até 1996-97, passando os 110 mil alunos. Mas, a partir daí, a quebra foi constante.

Esta quebra está ligada a uma redução geral da procura, dado que o número de candidatos tem vindo a diminuir e as próprias vagas no Ensino [Superior] público vão ficando por preencher. A redução demográfica e a multiplicação de cursos demasiado específicos explica esta situação, embora ainda haja uma grande fatia significativa de alunos que recorre às Universidades privadas por questões geográficas ou porque simplesmente não conseguiram entrar no curso pretendido no Ensino [Superior] público.

Dados do Observatório de Ciência e Ensino Superior mostram que houve uma perda de pelo menos 15 mil alunos entre os anos de 1997/98 e 2005/06 nas nove instituições [de Ensino Superior] privadas que ostentam o título de “Universidade”. Mesmo assim, em 2005, ainda representavam 30% do total de diplomados.

INSPECÇÕES DETECTARAM FALHAS... E NINGUÉM AGIU

No início do mês de Abril, o Ministro da Ciência e Ensino Superior, Mariano Gago, anunciou que estava em curso uma inspecção a todas as Universidades privadas. Foi um anúncio pomposo para uma medida que está prevista ser realizada todos os anos, mas que não tem poderes para investigar as contas das entidades instituidoras das Universidades privadas. Segundo uma investigação do «Jornal de Notícias», os critérios legais que orientam estas inspecções (número de docentes doutorados por aluno, número de docentes em tempo integral, medidas de controle dos “turbo-professores”, etc.), apenas apanhariam na ilegalidade a Universidade Internacional. Avaliação bem diferente e mais rigorosa fez o CNAVES (Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior), que nos últimos quatro anos identificou mais de duas dezenas de cursos com «graves deficiências, algumas de natureza estrutural, com reduzidas perspectivas de recuperação imediata», quase todos nas Universidades privadas (ver dados mais abaixo). Nas conclusões, a comissão avaliadora avisava que «em caso de persistência desta avaliação, merecerá consequências negativas por parte da tutela». O que não aconteceu. O Ministério argumenta que os relatórios não recomendam o encerramento dos cursos nem das instituições.

Sabemos que apesar das vagas que vão ficando por preencher e da redução do número de candidatos no Ensino Superior, Portugal continua a ser dos países da União Europeia com a mais baixa taxa de licenciados. A origem do problema está na taxa de abandono escolar no Ensino Secundário, cerca de 40%, das maiores da Europa, e que reduz o número potencial de candidatos ao Ensino Superior. São por isso necessárias verdadeiras políticas de combate ao insucesso escolar no Ensino Secundário a par de um investimento no Ensino Superior público, para que as qualificações da população portuguesa possam dar o salto necessário.

NÚMERO DE GRAVES DEFICIÊNCIAS REGISTADAS NOS CURSOS DE DIVERSAS UNIVERSIDADES *

Universidade Moderna (privada): 50

Universidade Internacional (privada): 30

Universidade Lusófona (privada): 12

Universidade Independente (privada): 11

ISCSP (pública): 9

Instituto Superior Miguel Torga (privada): 8

Universidade Autónoma (privada): 6

Universidade Lusíada (privada): 5

Universidade Nova de Lisboa (pública): 5

* Dados do CNAVES, publicados no «Diário Económico» em 24/04/2007. As deficiências referem-se a organização institucional, alunos, corpo docente, instalações, relações externas, gestão de qualidade, empregabilidade, sustentabilidade e investigação.

ESTÁ EM CURSO UMA PRIVATIZAÇÃO CAMUFLADA

Mas o caminho escolhido pelos Governos (com especial destaque para o [Governo] de [José] Sócrates) não deixa dúvidas. As despesas com o Ensino Superior têm diminuído desde 2003 e estão agora abaixo dos 1% do PIB, destacando­‑se o maior corte orçamental de sempre no presente ano. É que não são apenas as portas escancaradas às Universidades privadas que mostram que para o neoliberalismo o Ensino público, ao serviço de toda a sociedade, é uma realidade incómoda (veja-se como, mesmo hoje, o mercado privado do ensino nocturno é a única saída para centenas de trabalhadores-estudantes). Para lá dos cortes orçamentais, a lógica do capitalismo impõe ainda a submissão da Universidade aos seus interesses, impondo modelos de gestão autoritários e “profissionalizados” que façam das instituições de Ensino verdadeiras empresas, com professores proletarizados, sendo os alunos a matéria-prima que engrossará as necessidades do mercado ou a bolsa de desempregados. Como Boaventura Sousa Santos, podemos dizer que a estratégia «consiste em tendencialmente eliminar a distinção entre Universidade pública e privada, transformando a Universidade, no seu conjunto, numa empresa, uma entidade que não produz apenas para o mercado mas que se produz a si mesma como mercado, como mercado de gestão universitária, de planos de estudo, de certificação, de formação de docentes, de avaliação de docentes e de estudantes» [1]. A intenção deste Governo em transformar as Universidades em Fundações de direito privado confirma esta ideia. Combater a vampirização dos alunos pelas instituições [de Ensino Superior] privadas e a privatização camuflada das Universidades públicas é um dos principais desafios que se colocam a uma esquerda transformadora, que aspira a uma sociedade do conhecimento de todos e para todos.
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Miguel Reis é dirigente d@s Jovens do Bloco de Esquerda e membro da Mesa Nacional do mesmo partido, tendo escrito o presente artigo para a edição de Maio [e nº 20] do «Esquerda», tendo este artigo também sido disponibilizado no "sítio" «Informação Alternativa».

quarta-feira, maio 16, 2007

terça-feira, maio 15, 2007

90% de cursos reciclados já no próximo ano lectivo

No arranque do próximo ano lectivo, 88% dos cursos oferecidos pelas instituições do Ensino Superior portuguesas estarão adaptados ao sistema de graus e diplomas definido pelo Processo de Bolonha.

A estimativa é do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). O ministro da tutela, Mariano Gago, estará em Londres entre amanhã e sexta-feira, 18 de Maio, para participar numa reunião de balanço dos 45 países europeus que aderiram à reforma no [Ensino] Superior.

De acordo com dados recolhidos pela Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES), e agora tornados públicos, cerca de 38% da oferta de cursos de 1º e 2º ciclo (correspondentes às actuais licenciaturas e mestrados) estão este ano lectivo a ser oferecidos dentro das novas regras.

No total, foram adaptados 895 cursos, tendo ainda sido criados outros 282 de acordo com as novas normas. Para o próximo ano lectivo, espera-se que mais 50% da oferta seja assegurada, somando-se cerca de 1.800 programas adaptados, e ficando apenas por consolidar 12% dos cursos em 2008/2009, um ano antes do fim do prazo estabelecido no acordo internacional.

O sistema terá por referência um modelo com um primeiro ciclo de três anos, correspondente à licenciatura, complementado por um mestrado de dois (3+2 anos de estudos superiores).

A progressão dos estudantes será contabilizada de acordo com um sistema europeu de créditos (denominado ECTS), reconhecido por todos os países signatários, em que uma licenciatura implica, em média, a obtenção pelo estudante de 180 unidades de crédito.

Em comunicado, o Ministério da Ciência e Ensino Superior sublinhou a "mobilização considerável das instituições portuguesas e da comunidade académica" em torno desta revolução, que visa facilitar o reconhecimento de competências académicas entre países europeus.

O Processo de Bolonha começou a ser introduzido em Portugal no início de 2006, com a aprovação de um conjunto de diplomas que alteraram a anterior Lei de Bases do Sistema Educativo.

Processo de Bolonha criou chuva de mestrados

Em dois anos, 648 cursos de Ensino Superior surgirão em Portugal já com o formato [previsto pelo Processo] de Bolonha, sendo que 282 daqueles já foram registados para funcionamento em 2006/07, arrancando os restantes no próximo ano lectivo. No entanto, muitos mais poderão surgir, uma vez que havia 1.030 pedidos na Direcção-Geral de Ensino Superior (DGES) para 2007/08 (366 foram já aceites) e 636 pedidos para o ano corrente.

Estes são apenas alguns dos dados contidos no relatório nacional que, na próxima quinta-feira [dia 17], irá ser debatido em Londres, na reunião bianual dos ministros com a tutela do Ensino Superior dos 45 países que aderiram ao Processo de Bolonha.

Contas feitas, houve, no espaço de dois anos, 1.666 pedidos para novos cursos, tendo sido respondidos positivamente 648. Exactamente 1.114 pedidos diziam respeito a mestrados, 456 dos quais foram já registados. Discriminando as licenciaturas por sector, constata-se que houve 150 pedidos do [Ensino Superior] público, 33 dos quais já registados, e 179 do [Ensino Superior] privado, estando já 30 aprovados, de acordo com dados oficiais fornecidos ao «Jornal de Notícias» por Manuel Heitor, secretário de Estado do Ensino Superior.

Ao nível das adequações de licenciaturas já existentes, houve 1.250 pedidos e 1.078 registos. Se acrescentarmos mestrados (72 registos já feitos para integrados e 440 para "normais") e doutoramentos (72 registos), a conta total de adequações dá 2.088 pedidos e 1.662 registos em 2006/07 e 2007/08. Manuel Heitor refere que o balanço da participação de Portugal no Processo de Bolonha "é particularmente positivo, nomeadamente quando comparado com países como a Espanha ou a França". Os dados comparativos serão apresentados no chamado «Stocktaking Report 2007» (comparativo dos países), documento ainda não divulgado. No entanto, no relatório nacional estão dados como o número de estudantes que entraram neste ano lectivo pela via dos maiores de 23 anos. Foram 14.500, quando o total de ingressos pela via normal foi de aproximadamente 48.600, número que não bate certo nem com o total de entradas nas Universidades públicas (44.496) nem com o total do Ensino Superior, de acordo com os dados do Observatório de Ciência e Ensino Superior.

Manuel Heitor esclarece que foram cerca de 11 mil os alunos entrados, pela primeira vez no primeiro ano, pela via dos maiores de 23 anos para um total de cerca de 75 mil ingressos, sem contar com o Ensino Militar e Policial. No total do Ensino Superior (público, privado, Universitário e Politécnico, sem excluir o Militar e Policial), o número total de novos alunos no 1º ano dos cursos ascendeu este ano a 95.341 contra os 82.720 do ano transacto, um ganho de 12.621 alunos. Ou seja, os maiores de 23 anos (sem [deterem as habilitações d]o [Ensino] Secundário) tiveram um papel essencial ao impedir a paralisia dos ingressos no [Ensino] Superior.

No ano lectivo em curso, cerca de 38% da oferta de 1º e 2º ciclos de estudos (respectivamente licenciaturas e mestrados) estão a ser oferecidos de acordo com as regras introduzidas no âmbito do Processo de Bolonha, estando previsto que mais cerca de 50% dessa oferta seja oferecida no próximo ano lectivo de 2007-2008, somando um total de 1.600 programas de Ensino Superior adaptados ao Processo [de Bolonha]. Ficarão, assim, apenas cerca de 12% da oferta de 1º e 2º ciclo para adaptação em 2008/09. Adicionalmente, todos os estudantes graduados em 2007 já receberão um Suplemento de Diploma de acordo com as regras [do Processo] de Bolonha, emitido em português e em inglês e correspondendo ao formato europeu. Também já em 2007, cerca de 70% dos programas oferecidos em Universidades públicas aplicam o regime europeu de créditos, ECTS, sendo essa percentagem de cerca de 60% nos Institutos Politécnicos públicos, 99% nas Universidades privadas e de cerca de 70% nos Politécnicos privados.

segunda-feira, maio 14, 2007

«De regresso à barbárie?», por São José Almeida

Também em Portugal há uma nova casta de privilegiados que gerem o poder económico e que têm direito a benesses.
Em todas as épocas, as classes dominantes tiveram as suas aristocracias que geriram a sociedade e, de forma mais extensa ou mais diminuta, exerceram o poder em seu nome. Eram castas de servidores que, pelo facto de serem escolhidos para exercer o poder, recebiam, em retribuição pelos serviços que prestavam, privilégios e benesses. Do Império Romano ao Império Otomano, das monarquias feudais às monarquias liberais, sempre houve uma casta de funcionários do poder que geriam a sociedade e a economia, em troca de privilégios e de benesses e, nalguns casos, até eram nobilitados em título, por geração ou vitalícios, o que os equiparava socialmente à nobreza. Um dos objectivos das revoluções democráticas e dos regimes democráticos é acabar com a existência de castas privilegiadas, com a existência de aristocracias, e a consequente criação de sistemas de gestão da sociedade em que os cidadãos estejam em igualdade de tratamento e de acesso aos bens. Ou seja, em que quem gere a sociedade, com mais ou menos poder, o faça sem se tornar numa casta privilegiada com direito a benesses e a um tratamento que o comum cidadão não tem.
Ora, esta semana, o país ficou a conhecer a confirmação de um facto que já era intuído a partir de informações e sinais dispersos. Também em Portugal há uma nova casta de privilegiados que gerem o poder económico e que têm direito a benesses remuneratórias que os colocam acima do comum cidadão. São os gestores ou administradores. Os gestores ou administradores de topo que, segundo um estudo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, mais que duplicaram os seus salários entre 2000 e 2005, auferindo um total de 3,5 milhões de euros em 2005. Sendo que as vinte empresas mais cotadas na bolsa aumentaram ainda mais os seus gestores ou administradores, um aumento que neste caso é de 3,2 vezes, ou seja, de 220 por cento.
Isto num país onde para o mesmo período o aumento salarial médio dos trabalhadores foi de 15,7 por cento.
Isto no país onde, em 2006, os salários baixaram 0,9 por cento em valores reais. Isto no país em que os trabalhadores perderam, em 2006, poder de compra como não acontecia há 22 anos. Isto num país que, segundo um estudo da Comissão Europeia, foi o país da zona euro com menor crescimento na sua economia. É neste país que há uma nova casta, à semelhança do que acontece nas outras sociedades capitalistas em mutação, uma casta de gestores ou administradores económicos, os novos serventuários do poder real, o poder económico e logo político, onde se destacam os gestores ou administradores das empresas que vivem da especulação financeira, a nova ordem de valores do capitalismo, e que lideram a bolsa.
Esta criação de uma casta de gestores ou administradores é, também ela, uma forma de manifestação da revolução em curso nas sociedades capitalistas e consequência da nova luta de classes que se desenrola a partir de cima, a partir do poder, para retirar direitos sociais e económicos aos cidadãos comuns, em nome do interesse e da liberdade do mercado, uma liberdade que mais não é do que a liberdade do mais forte, a qual põe em causa e desrespeita o princípio da igualdade de tratamento a que todos os cidadãos têm direito nas democracias. E põe de forma frontal em causa os conceitos que têm gerido a redistribuição da riqueza nas sociedades democráticas da Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
O que é curioso é que esta criação de casta de gestores ou administradores, da nova aristocracia do dinheiro, tem sido muitíssimo interpretada como tratando-se de uma nova elite. E é curiosa esta interpretação pelo que ela significa do ponto de vista da ideologia que a suporta. É que equiparar a elite de uma sociedade aos que exercem o poder, económico ou outro, é também uma forma de involução histórica, de regresso ao passado. O regresso a um mundo pré-iluminista, pré-Revolução Francesa, pré-moderno. E o abandono do conceito de elite tal como ele se sedimentou na segunda metade do século XX, a ideia do 'escol', do que há de melhor na sociedade, de mais prestigiado, o que, como é cristalino, não se reduz às aristocracias reinantes, antes está muitas vezes contra elas.
Daí que esta constatação da criação também em Portugal de uma casta de gestores ou administradores seja também um sintoma de nostalgia de uma barbárie social em que os mais fortes exploram e usufruem a riqueza produzida também pelos mais fracos, sem que haja factores de equilíbrio e de correcção que introduzam a igualdade de tratamento e de direitos entre cidadãos.
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São José Almeida é jornalista e escreveu este artigo de opinião no diário «Público» deste sábado (dia 12).