quarta-feira, junho 27, 2007

Concentração contra o RJiES: em frente da Assembleia da República, amanhã às 13h!!!!

Estudantes de Lisboa manifestam-se amanhã em frente à Assembleia da República

Estudantes do Ensino Superior público de Lisboa manifestam-se quinta-feira [amanhã, dia 28] frente à Assembleia da República contra o novo Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior, que nesse dia será debatido no Parlamento, disse fonte estudantil.
No dia anterior, quarta-feira [hoje], uma delegação da Associação Académica da Universidade do Algarve e representantes dos estudantes do Ensino Superior do Porto vão juntar-se a um grupo de alunos de Universidades e Politécnicos públicos de Lisboa para, em conjunto, entregarem na Assembleia da República um documento de contestação ao RJiES.

Os três grupos vão encontrar-se às 13 horas em frente ao Parlamento, disse à Lusa André Solha, porta-voz das Associações de Estudantes do Ensino Superior Público de Lisboa.

As Associações de Estudantes do Ensino Superior de todo o país estão ainda «a debater» outras acções de protesto contra o RJiES, pelo que poderá haver mais iniciativas nesta semana, disse André Solha.

As Associações de Estudantes do Ensino Superior Público de Lisboa, a Federação Académica do Porto e a Associação Académica da Universidade do Algarve contestaram [na passada sexta-feira], através de vários comunicados, o novo RJiES, aprovado na semana anterior em Conselho de Ministros.

Também alunos da Associação Académica de Coimbra entregaram [na passada sexta-feira] na Assembleia da República - local onde finalizaram um marcha estudantil que começou em Coimbra - um documento de protesto contra o RJiES com 5.000 assinaturas.

Entre outros pontos, os estudantes consideram que o diploma levará à privatização e elitização do Ensino Superior, retirando poder aos alunos e dificultando a sua participação na vida académica.

O Governo aprovou na quinta-feira [dia 14], em Conselho de Ministros a versão final da proposta de lei de Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior, um documento único que vem substituir os vários diplomas que até aqui regulavam o sector.

Esta nova Proposta de Lei regulará a constituição, as atribuições, a organização, o funcionamento, a competência e a fiscalização pública das instituições de Ensino Superior, substituindo e revogando as Leis de Autonomia das Universidades e dos Institutos Politécnicos, o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo e o Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior.

Esta proposta de lei introduz um modelo inovador que consiste na possibilidade de transformar instituições de Ensino Superior públicas em Fundações de direito privado, bem como a possibilidade de criação de consórcios entre instituições.

O diploma cria um Conselho Geral, o órgão de topo das Universidades e Politécnicos, maioritariamente composto por representantes eleitos de professores e investigadores.

Este organismo vai incluir obrigatoriamente representantes de estudantes e ainda um conjunto significativo de personalidades «de reconhecido mérito» externas à instituição, que estimulem e garantam a sua abertura à vida social, cultural e económica exterior, em percentagem não inferior a 30%, cujo parecer é obrigatório em «matérias fundamentais».

Os Conselhos Pedagógicos, compostos por igual número de estudantes e professores, são órgãos de consulta prévia obrigatória em matérias de organização pedagógica e de métodos de avaliação de desempenho do corpo docente e discente.

A proposta de Lei prevê também a criação da figura do Provedor do Estudante e o reconhecimento do papel das Associações de Estudantes e das Associações de Antigos Alunos.

Esta proposta segue as recomendações da OCDE num relatório encomendado pelo Governo e tornado público em Dezembro de 2006.

Estudantes colocam faixas negras no Marquês de Pombal

Estudantes do Ensino Superior colocaram esta terça-feira faixas negras na estátua do Marquês de Pombal, em Lisboa, em sinal de protesto contra o Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior que o Governo aprovou e enviou para o Parlamento.
Além das faixas negras, os estudantes encerraram simbolicamente a porta da Universidade de Coimbra que se encontra naquela estátua e colocaram um cartaz numa outra imagem com a inscrição «Menos democracia=pior Ensino Superior».

Jean Barroca, coordenador de Política Educativa da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, disse à Agência Lusa que os estudantes vão agora colocar imagens de enforcados nas principais estações do Metro de Lisboa, numa referência ao que consideram ser a morte do Ensino Superior.

Ao mesmo tempo vão distribuir panfletos explicando os motivos por que lutam contra o Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior (RJiES), aprovado pelo Governo a 14 de Junho e enviado para a Assembleia da República.

O RJiES tem provocado reacções negativas tanto de alunos como professores, que contestam, entre outros pontos, a nova forma prevista de eleição do Reitor e o novo modelo de gestão.

Ao abrigo do novo regulamento, os Reitores deixam de ser eleitos e passam a ser nomeados por um Conselho Geral, cuja composição deve incluir personalidades externas, num mínimo de 30 por cento.

Por outro lado, as instituições universitárias podem passar a ser geridas por Fundações de direito privadas.

As Associações de Estudantes estão contra o sistema de eleição do Reitor, contra o afastamento dos alunos dos órgãos de gestão, «pondo-se em causa a democraticidade do sistema», e «a falta de regras no que respeita à participação de entidades externas no processo de formação de vontade das instituições».

O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), que tal como as Associações de Estudantes contesta o escasso período de tempo concedido para a discussão pública do RJiES, discorda do modo de eleição do Reitor e critica a possibilidade de uma Faculdade ou unidade de uma instituição universitária se separar da Universidade sem intervenção ou contra a vontade dos órgãos a que pertence.

Contesta ainda a junção num único instrumento, o RJIES, dos sistemas universitário e politécnico, considerando que tal viola o princípio da autonomia universitária.

PSD propõe ao Governo acordo sobre reforma do Ensino Superior

O PSD propôs [ontem] ao Governo um acordo sobre a reforma do Ensino Superior assente em cinco princípios, entre os quais a "não governamentalização" do sistema.

"O PSD propõe ao Governo um entendimento que favoreça uma reforma profunda e estável para o Ensino Superior", afirmou o vice-presidente social-democrata Calvão e Silva, em conferência de imprensa.

O entendimento sobre a reforma do Ensino Superior, que será debatida no Parlamento depois de amanhã, deverá, segundo Calvão e Silva, ter como base "cinco princípios essenciais": diversidade, flexibilidade, não governamentalização, confiança nas comunidades académicas e não fragmentação.

A proposta de lei de Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior, aprovada a 14 de Junho em Conselho de Ministros, irá regular a constituição, as atribuições, a organização, o funcionamento, a competência e a fiscalização pública das instituições de Ensino Superior.

A proposta de lei introduz um modelo inovador que consiste na possibilidade de transformar instituições de Ensino Superior públicas em Fundações de direito privado, bem como a possibilidade de criação de consórcios entre instituições.

O documento propõe também a criação de um Conselho Geral, o órgão de topo das Universidades e Politécnicos, maioritariamente composto por representantes eleitos de professores e investigadores. Este novo órgão ficará responsável pela nomeação dos Reitores das Universidades.

Há um ano, o PSD apresentou igualmente uma proposta de reforma do Ensino Superior, que está, neste momento, em discussão na Comissão Parlamentar de Educação, e que prevê, entre outras matérias, que o órgão responsável pelo desenvolvimento estratégico das Universidades públicas seja maioritariamente composto por elementos externos à própria instituição.

O diploma do PSD consagra ainda a criação de órgãos colegiais científicos e pedagógicos, nos quais os alunos e corpos docentes ficarão representados, assim como o princípio de que os Reitores das Universidades e os Presidentes dos Politécnicos possam ser professores ou então "uma qualquer outra personalidade de reconhecido mérito".

Para que o acordo seja possível, os sociais-democratas avançam com uma proposta de calendário que prevê um "período razoável" de discussão do diploma na especialidade, com consultas aos parceiros e agentes envolvidos no Ensino Superior, e a aprovação final da lei até ao fim do mês de Outubro.

"É esta a proposta que fazemos ao Governo. Se o Governo aceitar este desafio, tanto melhor. O país, o Ensino Superior e os jovens portugueses só ganharão com isso", considerou Calvão e Silva, referindo que a Lei da Autonomia actualmente em vigor é de 1988 e foi aprovada por unanimidade, durante o primeiro Governo de maioria de Cavaco Silva.

"É uma lei que vigora há quase 20 anos. É, portanto, legítimo aspirar a que a nova lei venha a beneficiar de uma estabilidade ao menos similar, não devendo a estruturação do Ensino Superior em Portugal ficar refém do oscilar da alternância de Governos ou de maiorias absolutas", afirmou também Calvão e Silva, defendendo que o novo diploma venha a ser aprovado, "de preferência, por unanimidade".

Caso o Governo não aceite a proposta de entendimento do PSD e persista "na sua teimosia", acrescentou o vice-presidente social-democrata, "o PSD votará contra" a proposta do Executivo socialista, recusando ser "conivente com uma legislação que só criará instabilidade no Ensino Superior".

Apesar do desafio para um entendimento, Calvão e Silva não deixou de tecer duras críticas à proposta do Governo que será discutida depois de amanhã, considerando que se trata de um diploma "que agrava, de forma ostensiva, o intervencionismo estatal e o controlo governamental".

"É uma proposta que contraria o princípio da autonomia, à revelia das melhores práticas internacionais", disse o vice-presidente do PSD, justificando ainda a proposta de acordo com o Governo com a necessidade de um "amplo consenso cívico e político" na "causa nacional" que é "a melhoria da qualidade e a busca da excelência do Ensino Superior".

terça-feira, junho 26, 2007

Vera Jardim defende mais tempo de debate

O deputado socialista Eduardo Vera Jardim defende que o Regime Jurídico das Universidades e Politécnicos não deve ser aprovado antes do Verão como quer o Governo. No programa "Falar Claro", na Rádio Renascença (RR), o deputado [do Partido Socialista] juntou ontem a voz às centenas de professores, estudantes e até pessoal não docente que exigem mais tempo de discussão pública.

"Um período de três a quatro meses é muito importante", sustentou, considerando que a seguir à votação da proposta na generalidade, quinta-feira [depois de amanhã, dia 28], "deve seguir-se um período de discussão pública na Assembleia da República".

Esta posição vai ao encontro do PSD para quem, segundo disse Pedro Duarte ao «Jornal de Notícias», "sendo uma lei estruturante, a sua aprovação não pode ser precipitada".

No programa [radiofónico], a ex-ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite, exigiu que "este diploma não seja tomado como um facto consumado". E como Vera Jardim, teme que com a lei venha a "desmantelar o tecido universitário".

José Paulo Carvalho, do CDS, disse ser "inadmissível que uma proposta desta envergadura seja submetida à discussão num tão curto espaço de tempo".

O vice-presidente da bancada do PS, Jorge Strecht Ribeiro admitiu ao «JN» que o PS terá que esclarecer se quer alargar o prazo de debate. "O grupo parlamentar terá que se pronunciar", disse. Cecília Honório, do BE, manifestou-se contra o diploma, dizendo ao «JN» que a lei "irá desfigurar completamente a Universidade".

Pelo alargamento do prazo de discussão pública do novo Regime Jurídico para o Ensino Superior

À comunidade académica portuguesa:

1. A recente proposta do Governo de um novo RJiES [Regime Jurídico para as instituições do Ensino Superior], constitui uma profunda alteração da concepção do sistema de ensino, quer da sua estrutura e modo de funcionamento, quer da sua natureza e função na sociedade em que vivemos.
Pela sua importância, uma tal proposta deverá necessariamente obrigar à participação de todos os que constituem a comunidade académica: funcionários, estudantes, investigadores e professores.

Em face do calendário adoptado pelo Governo, que implica a discussão e aprovação do presente diploma legal no próximo dia 28 de Junho na AR [Assembleia da Reoública], tal expectativa será completamente gorada. É inadmissível que o essencial da discussão tenha lugar durante o período de exames que antecede as férias de Verão, comprometendo de um modo decisivo a participação exigente e rigorosa de uma boa parte do corpo docente e da quase totalidade dos estudantes.

2. A gravidade do que está em jogo não se esgota na questão metodológica comportando, para além desta, um fundado receio de que a nova proposta de RJiES possa pôr em causa a autonomia das instituições de Ensino Superior, desvirtuando aspectos fundamentais da natureza plural do seu funcionamento.

A colegialidade inerente à governação das Universidades é substituída por um Conselho Geral [CG], diminuindo drasticamente a representação e participação de estudantes e acabando na prática com a representação de funcionários não docentes. O CG terá no mínimo 30% de personalidades de reconhecido mérito externas à instituição, de entre as quais se elege o presidente deste órgão de gestão.
Caberá ao CG definir as linhas estratégicas de orientação e gestão das Universidades, incluindo competências de natureza científica, pedagógica e académica, como seja a abertura dum concurso público para nomeação do Reitor, que substitui o actual sufrágio pelos três corpos que compõem a Universidade.

3. A possibilidade de transformação de instituições de Ensino Superior Público em Fundações Públicas de direito privado, administradas por um Conselho de Curadores externos à instituição e nomeados pelo Governo, remete fortemente para um quadro de governamentalização e empresarialização das Universidades.
Qual a verdadeira margem de manobra, em instituições de direito privado, para prosseguir linhas estratégicas de orientação em função de critérios que não sejam eminentemente economicistas? Que espaço para áreas não tecnológicas como as ligadas às ciências puras ou às ciências sociais?

O Ensino Superior não pode ser tutelado pelos princípios de funcionamento do mercado.
Pelo contrário, deve um serviço público fundamental para o desenvolvimento do país, integrado na administração autónoma do Estado, e regido pelo Direito Público.

4. Por estas razões, os signatários apelam à Assembleia da República pelo alargamento do prazo de consulta e discussão da proposta do Governo do novo RJiES, até início do ano 2008.

Entrevista de Mariano Gago ao «JN» (parte 2/2)

Fundação tem motivado poucas Universidades

P: Tem recebido da parte de algumas instituições manifestações de interesse, mesmo que informais, relativamente às Fundações?

R: Sim, existem muitas pessoas de várias instituições de Ensino Superior que já me fizeram saber que iam começar a fazer estudos de viabilidade da mudança de Regime Jurídico.

P: Estamos a falar de 50% das instituições a manifestar esse interesse?

R: Não. Estamos a falar de um número relativamente reduzido de instituições, na medida que um dos critérios de escolha, pelo menos na primeira leva, tem a ver com critérios relativamente exigentes ao nível da capacidade de gestão e nível de receitas próprias da instituição (pelo menos 50% do total da receita necessária). Não há muitas instituições que cumpram para já esses critérios.

P: A transformação em Fundação beneficia o défice público?

R: Não ajuda nada. Ajuda a própria instituição. A consequência para o Estado e para o défice é neutra. Essas instituições irão gerar receita para suportar a despesa. O financiamento público continuará a existir e as despesas extraordinárias terão de ser complementadas com receitas extra, como acontece hoje. Nada muda nessa matéria. O que muda é a possibilidade de o Estado, nessas condições, dar mais autonomia de gestão à instituição em causa.

P: E em termos de contabilidade pública?

R: Em termos de contabilidade pública, aquilo que era a receita e a despesa da instituição fica fora do Estado e, portanto, passa para a responsabilidade da Fundação. Nada se altera no que diz respeito ao défice do Estado. A instituição já não contribui actualmente para o défice público e continuará a ser assim.

P: O Instituto Superior Técnico, de onde provém na qualidade de professor catedrático, parece-lhe um caso óbvio para proceder à autonomização como instituto universitário?

R: A Universidade Técnica de Lisboa é uma instituição muito "sui generis", tendo sido criada a partir de escolas autónomas que mantiveram a sua autonomia. Agora, estamos a falar da eventual mudança para o estatuto fundacional de alguma delas. Ainda é cedo para falar desse assunto. Essa é uma decisão que tem de ser tomada pelas próprias instituições, mas não tenho a mais pequena dúvida que essa ou outras encontrarão formas de contratualização ou associação com as respectivas universidades, qualquer que seja o cenário da sua evolução.

P: Os Reitores receiam a fragmentação.

R: Antes pelo contrário, a proposta prevê a criação de consórcios com funções próprias. Esse receio não tem fundamento.

Entrevista de Mariano Gago ao «JN» (parte 1/2)

Financiamento passará a depender de resultados
José Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, é um professor catedrático no Instituto Superior Técnico que aceitou pela segunda vez ser governante. Entre o tempo de António Guterres e o actual Executivo liderado por José Sócrates, a diferença para Mariano Gago foi basicamente terem-lhe acrescentado o Ensino Superior. Muitas chegaram a acusá-lo de só saber nadar em águas de Ciência. Se era verdade, parece ter aprendido depressa. Até ao final da legislatura, o [Ensino] Superior vai transfigurar-se.
Mariano Gago convidou-nos a sentar com ele para a entrevista. Na Reitoria da Universidade do Porto, tinha passado mais de três horas, quase sempre em pé, a ouvir e a responder a todos que o quiseram questionar sobre o novo Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJiES). Faz aqui a defesa de alguns pontos dessa e doutras reformas conexas.

«Jornal de Notícias»: Há quem o acuse de passar a ter poderes excessivos com o formato que deu ao RJiES. Estamos a falar da criação de Fundações (no caso de novas instituições), da capacidade de intervenção na definição das provas específicas ou nas formas de controlo do número de alunos nas Universidades públicas (apesar de dizer que terminaram os números clausus).

Mariano Gago: É natural que o Estado tenha mais responsabilidade relativamente ao sector público. O Governo tem a responsabilidade de utilizar da melhor maneira os dinheiros públicos. Uma das críticas principais que é feita ao sistema de ensino português é a diminuta regulação e intervenção, em termos estratégicos e não ao nível da gestão quotidiana, por parte do Governo - designadamente na rede pública. Mas essas críticas (excessivo poder do ministro) não têm fundamento. A criação de fundações não é decidida pelo ministro, mas sim pelo Governo através de decreto-lei.

P: E quanto ao poder de intervir nas específicas?

R: Não é aceitável que hoje seja integralmente livre a escolha por parte das instituições, relativamente ao elenco das provas específicas, sem cuidar da coerência do sistema. Sabe-se que existem casos em que, por força da competição pelo número de alunos, não existem os requisitos críticos para um determinado curso. A Lei vem até clarificar e limitar a intervenção do Estado para o estabelecimento de regras gerais.

P: Quando coloca mais critérios de exigência nas públicas, isso liga-se ao facto de o financiamento estar em causa, o que não acontece com as instituições privadas?

R: Liga-se com a qualidade do sistema. Estamos a falar de critérios mínimos. Esta Lei apenas aponta critérios comuns para instituições públicas e privadas quanto aos requisitos da qualificação do corpo docente, designadamente quantos doutorados face um determinado número de alunos. Há instituições que têm rácios muito melhores do que os critérios mínimos estabelecidos.

P: Quanto ao "numerus clausus", o Governo dá rédea solta aos privados e aperta a malha de exigência nas instituições públicas?

R: Não é verdade. Primeiro, o Governo define a possibilidade de intervir no ordenamento da rede. Segundo, os critérios são muito estritos em matéria da qualificação do corpo docente para que um determinado número de alunos possa ser aceite numa determinada instituição ou curso. Quando um curso é acreditado, tem a ver não só com o plano de estudos, mas também com a qualidade e quantidade do corpo docente disponível.

P: A futura lei do financiamento vai mudar a lógica segundo a qual quanto mais alunos mais dinheiro terão as instituições?

R: É claro que parte dessa lógica tem de se manter. Mas a tendência em todos os países vai no sentido de fazer uma lógica de financiamento por resultados, não tendo tanto a ver com o número de alunos inscritos, tendo mais a ver com actividade e resultados da instituição - designadamente quanto ao número de diplomados que são formados. As leis de financiamento têm de encorajar o sucesso escolar e não incentivar o insucesso.

P: Admite, portanto, que a futura lei do financiamento vá implementar essa lógica em Portugal?

R: Sim.

P: É sensível ao facto de os reitores dizerem que as universidades não têm dinheiro para pagar todas as acreditações à futura Agência?

R: Seria extraordinário. É uma visão estranha. É imaginar que existem custos proibitivos para essas avaliações, o que não é verdade. Hoje em dia, muitas universidades já financiam elas próprias avaliações bem mais caras, como por exemplo as acreditações junto das ordens profissionais.

"Há, de facto, a necessidade de racionalizar o politécnico"

P: Vai haver uma racionalização da rede dos politécnicos? Isso está implícito no RJIES ao dizer-se que haverá "consolidação e integração institucional dos institutos politécnicos que deixam de ser federações de escolas separadas e autónomas".

R: Há, de facto, a necessidade de racionalizar a rede do politécnico. É por esse motivo que se aponta para a necessidade de realizar as unidades orgânicas (escolas) dentro dos politécnicos e consolidá-los. Hoje, os politécnicos são apenas federações de escolas. Vão mudar e passar a ser partes de uma instituição consolidada que é o instituto politécnico. Por outro lado, aponta-se para a necessidade de criar consórcios entre instituições quando isso for adequado, medida importante para haver um ajuste da oferta formativa em determinadas áreas. Há instituições em permanência de competição entre si num território muito pequeno..

P: Entre a 5.ª versão do RJIES e a aprovada no Conselho de Ministros, as exigências ao nível do corpo docente nas universidades diminuíram. No rácio de um doutorado para cada 30 estudantes, primeiro exigia-se que todos aqueles docentes estivessem a tempo integral, mas depois só se pede que metade esteja nesse regime de vinculação (artigo 47.º, alínea c do ponto 1).

R: Não há cedências. Quando se analisam vários documentos que estão em discussão é natural que haja uma evolução em função da análise do concreto. Face à situação que existe hoje, o que propõe o diploma é de uma extraordinária exigência. Mas é uma exigência que se pode cumprir num prazo razoável. Introduzir uma exigência maior num prazo mais alargado seria menos interessante. Estes são os requisitos mínimos que podem ser cumpridos num prazo razoável.

P: Acha que temos personalidades para preencher os tais 30% de elementos externos nos conselhos gerais das universidades?

R: Acho que sim. Não estamos a falar de órgãos de gestão quotidiana. São órgãos que se reúnem quatro a seis vezes por ano.

segunda-feira, junho 25, 2007

Lei de Mariano Gago tem pontos inconstitucionais

Jorge Miranda critica proposta do Governo. Reitores apelam a mudanças e avisam que não vão baixar os braços.
A proposta de lei do Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJiES) pode ter pontos inconstitucionais. Quem o diz é Jorge Miranda, constitucionalista e professor de Direito da Universidade de Lisboa (UL). Também o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) se insurge contra o texto do diploma e apela a mudanças, "em defesa do Ensino Superior".
"Poderemos estar um dia, um mês, um ano ou até ao final do nosso mandato, para o qual fomos eleitos, mas não assistiremos sem reacção ao desmembramento das nossas Universidades", declara Seabra Santos, presidente do CRUP e Reitor da Universidade de Coimbra.
A proposta de lei que visa regulamentar o actual sistema de Ensino Superior prevê que as Universidades ou algumas das suas Faculdades possam ser transformadas em Fundações de direito privado, com um Conselho de Curadores nomeados pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior. O texto prevê ainda que o Reitor possa ser eleito por um novo órgão, o Conselho Geral, onde 30 por cento dos representantes são da sociedade civil.
Para Jorge Miranda, a "liberdade de aprender e de ensinar e a participação activa de professores, estudantes e funcionários nos órgãos de gestão das Universidades estão ameaçados". Por isso, diz que a proposta tem aspectos inconstitucionais.
Durante a sua intervenção na Convenção da Universidade de Lisboa - um encontro com o objectivo de debater o RJiES, que começou ontem [passada quinta-feira, dia 21] e termina hoje [sexta-feira, dia 22] -, Jorge Miranda alerta que a lei dará a possibilidade ao Governo de "desmembrar as Universidades", já que pode dar autonomia a apenas uma Escola, sem o consentimento da Universidade, para se autonomizar. Com esta medida, "qualquer Ministro pode destruir em poucos dias" uma instituição que demora muitas décadas a construir, alerta António Nóvoa, Reitor da UL. Jorge Miranda critica ainda o modelo de Fundação previsto pelo RJiES - "essas Fundações desconhecidas no ordenamento jurídico português, inventadas por Vital Moreira, com Conselhos de Curadores nomeados pelo Governo", apelida.
Adriano Moreira também pediu a palavra para lembrar que já o Governo de António Guterres queria aplicar o regime de Fundação e que, na altura, foi feito um diploma para o permitir, cuja autoria era do constitucionalista Vital Moreira, do ex-Reitor de Coimbra Rui Alarcão e de um actual Ministro, mas que não chegou a ser aprovado. "É necessário um enquadramento específico" para introduzir o modelo fundacional, alerta.
E como é que se criam Fundações cujos fundos são provenientes do Estado?, pergunta Marcelo Rebelo de Sousa. "Fundações sem fundos é coisa que não existe", analisa.
O CRUP, em conferência de imprensa na UL, diz que o Governo segue um caminho inverso ao do resto da Europa que é o da fusão das instituições e não da sua fragmentação. Os Reitores defendem que devem continuar a ser eleitos e que é necessário haver estabilidade nas escolas para criar os novos estatutos previstos pelo RJiES. "Os próximos tempos não hão-de ser de tédio", avisa Seabra Santos.

domingo, junho 24, 2007

Regime Jurídico na Assembleia da República com alterações significativas, afirma o SNESup

Deu entrada na Assembleia da República, onde passou a ser a Proposta de Lei nº 148/X, a chamada versão final do RJiES [Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior].
  • lamentavelmente, o MCTES [Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior], sem que disso tivesse sequer informado as associações sindicais, veio sujeitar a aplicação do Código do Trabalho a um regime especial, circunstância que irá alimentar a resistência das entidades patronais à regularização da situação do seu pessoal docente (cfr. nova redacção do actual artigo 53º);
  • foram tidas em conta, embora nem sempre a redacção seja a mais feliz do ponto de vista formal, algumas das observações que lhe foram dirigidas pelo SNESup e pela FENPROF, reiteradas na reunião realizada em 5 de Junho último, sobre a inconveniência de, através do RJiES, consagrar formulações que restrinjam directa ou indirectamente o âmbito da negociação da revisão dos estatutos de carreira (cfr. nova redacção dos actuais artigos 48º a 50 º, artigo 102º nº 3, artigo 120º) ;
  • muito embora na reunião de 5 de Junho o Ministro Mariano Gago tenha reafirmado a sua ideia de que os conselhos científicos deveriam ter um papel puramente consultivo, a redacção adoptada acabou por salvaguardar, conforme o SNESup defendeu então, aspectos importantes da competência deliberativa daqueles órgãos (artigos 100º d) e 103 º - 1).

No restante, o texto divulgado consagra algumas soluções cuja justificação se afigura duvidosa e acolhe algumas formulações marcadamente inconstitucionais, aguardando o SNESup o pedido formal de parecer da Assembleia da República para apresentar as propostas que tem em preparação.

18-6-2007

Entrevista do ministro Mariano Gago ao «DN»

P: Em que vai o novo Regime Jurídico do Ensino Superior (RJiES) melhorar o sector?

R: Os regimes jurídicos não fazem só por si as reformas. Espero que este estimulem as camadas mais dinâmicas e reformadoras do ensino superior português. Acredito que vai melhorar muito a diversidade das instituições, em função da missão e condições de cada uma. A sua governabilidade, a capacidade de cumprirem os objectivos a que se propõem. Vai aumentar a sua autonomia financeira, administrativa e de gestão de pessoal, como nunca aconteceu em Portugal. Ao mesmo tempo, responsabiliza-as, sobretudo os seus líderes eleitos. Aumenta a abertura à sociedade. A presença de elementos externos, escolhidos pela instituição, não apenas como consultores mas no seu governo, é fundamental. O regime deixa ainda as instituições portuguesas em melhores condições no dificílimo combate internacional para reter e atrair recursos humanos qualificados.

P: Disse que se opõe à reforma quem está confortável na situação actual. Mas já ouviu algumas críticas da parte de Jorge Sampaio e de Marcelo Rebelo de Sousa...

R: Toda a mudança suscita uma reacção conservadora, é natural. Estou convencido de que muitos dos que hoje exprimem dúvidas em relação às propostas cedo verificarão que estas são essenciais, e muito próximas das que permitiram reformar e modernizar a maioria das universidades e institutos politécnicos da Europa nas últimas décadas. Os modelos de eleição do reitor que propomos, e sobretudo de organização dos órgãos de maior responsabilidade, foram adoptados há muito em toda a Europa. O que é estranho é essa consciência não ser generalizada em Portugal. Isso é um factor de atraso numa reforma tardia.

P: Já admitiu ampliar o prazo de implementação do regime. Até quando? Setembro de 2008, no início desse ano lectivo?

R: É preciso ver que, após a publicação, a lei só entra em vigor ao fim de 30 dias. Por isso, estamos a falar de 13 meses. Mas, sim, esse parece-me um prazo razoável, dentro das nossas expectativas. Não será um atraso de um mês ou dois que vai pôr em causa a reforma.

P: Há quem o acuse de não ter dado margem de debate do diploma, ao divulgá-lo a 20 de Junho e levá-lo ao Parlamento oito dias depois.

R: Quem faz essa afirmação ou é por distracção ou por má-fé. A reforma foi anunciada no princípio deste Governo, há mais de dois anos, preparada durante mais de um ano através da visita, da análise detalhada, da discussão pública, de peritos internacionais [OCDE] que estiveram em Portugal repetidamente, que produziram relatórios que foram discutidos. É uma reforma que, já ao longo do ano de 2007, foi antecedida da publicação de linhas orientadoras e de um anteprojecto submetidos também à apreciação da comunidade universitária e fora dela. Não deve ter havido uma reforma tão longamente preparada. Este é o ponto final do processo que dura há mais de ano e meio.

P: Com críticas reincidentes, por exemplo ao fim da eleição do reitor nos moldes actuais...

R: Tem de ficar claro que a comunidade académica continuará a eleger o reitor. Hoje, a eleição é feita através de assembleias gerais: metade representantes de professores e a outra de funcionários e alunos. O modelo muda em duas vertentes: em primeiro, os professores passam a ser a maioria no órgão que elege o reitor, a que se chama Conselho Geral. Os estudantes mantêm-se nesse órgão. Em segundo, surgem elementos externos. São os membros eleitos da universidade que vão escolher esses elementos da sociedade civil. É garantida a total autonomia da instituição. Além disso, qualquer professor de fora se poderá candidatar a reitor. Nesse aspecto, a situação actual é mais restritiva.

P: O conselho terá muitos poderes...

R: Não é apenas uma assembleia eleitoral que depois de eleger o reitor se dissolve. É um órgão de supervisão da instituição, com poderes próprios. Foi eleito e portanto tem a possibilidade de aprovar os orçamentos, os planos de actividade da instituição. Esta mudança tem uma função e um objectivo. Promover que se candidatem a cargos de chefia, de responsabilidade, com muito mais poder, as pessoas mais capazes. E que haja um processo de selecção que envolve candidaturas, discussão pública dos programas.

P: Está muito confiante no papel da sociedade civil nos conselhos. Acredita nessa mobilização?

R: Se todas as universidades e politécnicos públicos tivessem o máximo de elementos previstos no conselho geral, eram precisas cerca de 250 de pessoas para o País inteiro. Estamos a falar de pouco mais de uma trintena de instituições e de um máximo de oito elementos. Não há em Portugal 250 pessoas profissionais, competentes, que queiram contribuir para o destino das instituições do ensino superior? Peço desculpa, recuso-me a aceitar isso.

P: Os estudantes queixam-se de terem perdido representatividade nas decisões...

R: Os estudantes estão no centro dos objectivos da reforma do ensino superior. A sua participação nas instâncias pedagógicas é reforçada, e associada a objectivos de avaliação interna da qualidade do ensino. A participação de representantes eleitos de estudantes no novo órgão de governo de topo das instituições é garantida imperativamente.

P: Mas... dois representantes?

R: A lei apenas define os órgãos mínimos das instituições que certamente criarão não apenas novos órgãos mas mecanismos de participação generalizada da comunidade académica. Estou convicto que muitas instituições vão definir formas inovadoras de consulta e participação alargada como forma de reforçar a preparação das decisões pelos órgãos eleitos.

P: A propósito de estudantes, o sistema de empréstimos sempre será realidade este ano?

R: Estou bastante optimista em relação a essa possibilidade, mas prefiro não me alongar muito. Não depende só da minha vontade.

P: O Conselho de Reitores acusa-o de desmembrar as universidades, ao permitir a passagem a fundações de algumas das suas unidades sem terem de ouvir as instituições...

R: Há aí uma posição alarmista e de grande conservadorismo. Na situação actual, sem qualquer mudança de regime jurídico, a criação, extinção ou fusão de faculdades é gerida pelo Governo. Não podemos aceitar que nenhum responsável máximo da universidade se arrogue o direito de proibir aos governos a responsabilidade democrática de recompor, em função das necessidades nacionais, a rede do ensino superior. Ao contrário do que se tem dito, se uma faculdade, por exemplo, disser ao Governo que tem melhores condições para cumprir a sua missão como fundação de direito privado, mantendo-se como instituição pública, a lei obriga a que a universidade seja consultada. E depois o Governo decide.

P: Já há essas manifestações de interesse?

R: Há instituições que o fizeram saber publicamente, mas não há manifestações de interesse até à aprovação da lei. Numa primeira fase, é normal que um dos critérios seja o nível das receitas próprias [50%]. Pouquíssimas terão as condições.

P: Uma eventual autonomização do Instituto Superior Técnico não seria grave para a Universidade Técnica?

R: Muitas das grandes universidades já têm faculdades com autonomia administrativa e financeira, que recolhem receitas próprias. Este modelo, provavelmente, permite mais articulação entre muitas das escolas actuais. Não imagino que algumas dessas instituições não fizessem contratos de parceria, de integração de consórcios com as suas próprias universidades de origem.

P: Fala-se também nos centros de investigação. Não se vai separar pesquisa e ensino?

R: Pelo contrário, acho que vai conseguir-se uma consolidação entre estruturas de ensino e de investigação numa matriz nova. Muita da investigação em Portugal foi feita contra as hierarquias e lideranças universitárias. Por isso é que teve de adoptar formas externas de organização.

P: Disse que o numerus clausus vai desaparecer. Mas o RJIES ainda sujeita a fixação de vagas às orientações da tutela e à sanção do ministro. O que muda afinal?

R: A avaliação e acreditação das instituições e dos cursos, a fixação de requisitos mínimos de quantidade e qualificação do corpo docente, definirão os limites da capacidade de cada instituição. Assim, em regra, deixará de ser necessária a fixação pela tutela do numero de vagas em cada curso de licenciatura, quer no sistema publico quer no privado. Isso já é assim hoje nos segundos e terceiros ciclos [mestrados e doutoramentos]. Progressivamente, sê-lo-á também nas licenciaturas. Não seria aceitável, por exemplo, que as instituições de um dado sector decidissem colectivamente reduzir as vagas em áreas de forte procura e relevância. Esta mudança vai requerer a entrada prévia em funcionamento pleno da Agência de Avaliação e Acreditação e a definição de regras estáveis de ordenamento da oferta de cursos.

P: As exigências ao nível do número de doutorados no corpo docente serão iguais para o público e para o privado. São de prever dificuldades?

R: Há algumas instituições públicas, e bastantes nos sector privado, que não atingem os mínimos pretendidos. Algumas, muito poucas, no privado, estão excepcionalmente longe. Mas, contas feitas, o número de doutorados de que falamos seriam algumas centenas. E é preciso o País não esquecer que, por ano, formamos cerca de 1300 a 1400 doutorados. Existem esses recursos e é indispensável que as instituições os utilizem.

P: Qual será o futuro de privadas como a Independente que, diz o Governo, não cumpre os mínimos. Extinção? Fusões?

R: Não me compete nem sinto que seja correcto pronunciar-me sobre essa matéria. As instituições são livres de procurar as melhores soluções para as suas necessidades.

P: Quais são os desafios concretos para os Institutos politécnicos?

R: A lei consagra o reforço do sistema binário nas instituições do ensino superior. Portugal precisa de ensino politécnico e de ensino universitário. Do que não precisa é do que tem vindo a acontecer nas últimas décadas, que são instituições que eram excelentes politécnicos e começaram a abandonar essa vocação para procurarem ser instituições universitárias para as quais não tinham a vocação nem os recursos. O País precisa de instituições politécnicas fortes.

P: O que será o grau de especialista nos politécnicos. Será reconhecido lá fora?

R: O grau de especialista visará reconhecer conhecimentos particularmente elevados. Por natureza, estará reservado às pessoas com mais experiência. A sua formalização dependerá ainda de negociações, nomeadamente com as ordens profissionais. Vários países já reconhecem estas qualificações.

sábado, junho 23, 2007

Fundações no Superior só para as €$colas rica$

O novo Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior (RJiES) abre a possibilidade de as Universidades se transformarem em Fundações. Contudo, essa não será uma realidade para todas. Pelo menos por enquanto: é que Mariano Gago defende que o Governo apenas deverá aprovar as propostas das instituições [de Ensino Superior] quando estas tiverem um nível de receitas próprias superiores a 50%. Ou seja, quando não dependerem maioritariamente do Orçamento de Estado.

Assim, só instituições [de Ensino Superior] com um nível elevado de captação de recursos externos, por via da investigação ou de prestação de serviços à comunidade, poderão candidatar-se a uma transformação em Fundação. O que terá vantagens, explicou Mariano Gago, em termos de autonomia financeira das instituições. As despesas das Universidades vão deixar ser consolidadas nas contas públicas do Estado - com visíveis vantagens para o défice público - e isso significa que vão poder capitalizar e "poupar" recursos de um ano para o outro para investimentos próprios.

Esta foi uma das posições assumidas pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, durante a apresentação e debate público do RJiES, que ontem teve lugar na reitoria da Universidade do Porto. Um encontro muito participado, onde o ministro foi questionado e contestado por professores e estudantes sobre várias propostas concretas do novo documento. Mas Gago não recuou e, no final, justificou as opções criticadas.

Em destaque esteve a crítica severa levantada anteontem pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas relativamente à "pulverização" das Universidades, permitidas pela possibilidade de o Governo autorizar a autonomização de unidades orgânicas.

A questão foi trazida a debate pelo reitor do Porto, Marques dos Santos, e Mariano Gago não perdeu tempo a responder, garantindo que no quadro legal actual, o Governo já pode criar, extinguir e fundir Faculdades. E que, no futuro, se houver propostas de autonomização de Faculdades ouvirá a Universidade, mas que o poder de ponderação pertence ao "Governo inteiro" e é "uma responsabilidade colectiva do poder político".

O ministro não respondeu às dúvidas levantadas pelo ex-presidente da República, Jorge Sampaio, nem sobre possíveis inconstitucionalidades desta nova proposta de lei, mas trouxe consigo para apresentar o documento Vital Moreira, um constitucionalista que participou na sua formatação. O jurista apresentou-se como um "engenheiro", o técnico que deu à proposta "forma técnica e jurídica" - no que foi prontamente rectificado pelo ministro que, num momento de humor, disse: "Engenheiro não, que não está inscrito na Ordem".

Relativamente às dúvidas levantadas por presentes sobre a pertinência ou disponibilidade de elementos externos para integrarem os Conselhos Gerais - órgãos com poderes de gestão -, Gago foi incisivo: "Os membros não são um quadro de honra de uma feira de vaidades". Condenando o que chamou de "visão infantil", o ministro afirmou que esses elementos "vão dar o seu trabalho competente e não um nome".

sexta-feira, junho 22, 2007

Reitores temem dispersão do sistema universitário

Os Reitores temem "a fragmentação do sistema universitário público face à proposta de lei para um novo Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJiES)", disse, ao «Jornal de Notícias», Seabra Santos, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), à margem da Convenção da Universidade de Lisboa. Não pretendem demitir-se, mas dizem que não ficarão impassíveis enquanto estiverem em funções.

A capacidade de as unidades orgânicas das Universidades se autonomizarem contra a vontade dos órgãos dirigentes da instituição agregadora e do próprio Ministro é um caso que espelha essa potencial fragmentação. Segundo Seabra Santos, o ministro (Mariano Gago ou seus sucessores) pode também contribuir para esse cenário dado que tem o poder de criar uma Fundação com base na recomposição das unidades orgânicas de várias instituições.

Fonte do sector universitário alerta para o facto de o Instituto Superior Técnico, parte substancial da Universidade Técnica de Lisboa, onde o ministro é professor catedrático, poder autonomizar-se com o estatuto de instituto universitário. Aliás, a versão do RJiES aprovada em Conselho de Ministros especifica de forma mais detalhada o que são institutos universitários. A Universidade de Lisboa pondera absorver o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, processo que, segundo apurámos, já está em processo de negociação avançado. O ISCTE deverá manter o seu carácter de instituição autónoma, com características de um clube de elite que integra várias figuras da cena política.

O CRUP chama ainda a atenção para o facto de os Reitores perderem força política ao serem eleitos pelo Conselho Geral e não pela generalidade dos actores do sistema. A admissão, na versão final, de um Senado com funções meramente consultivas também não satisfez o CRUP, embora os Reitores até admitam uma limitação de poderes para melhor funcionalidade daquele órgão de coesão das instituições. Seabra Santos assegura que os Reitores não estão preocupados consigo, mas sim com os sucessores e com o futuro das Universidades.

Sampaio contesta

O ex-presidente da República Jorge Sampaio contestou ontem a proposta de lei do Regime Jurídico do Ensino Superior, nomeadamente no que respeita ao novo processo de escolha do Reitor, e defendeu um melhoramento do diploma.

No final do primeiro painel da convenção da Universidade de Lisboa, o membro do Conselho Consultivo considerou que é preciso "trabalhar afincadamente" estendendo o prazo para discussão do diploma.

Entre os pontos que mereceram maior contestação de Sampaio está o novo processo de escolha de Reitor, que passa pela sua nomeação por um Conselho Geral e não pela eleição. O responsável entende que a eleição deveria ter o mínimo de representatividade e que o Reitor não deve ser designado opor um colégio tão pequeno.

quinta-feira, junho 21, 2007

Escolas decidem número das suas vagas

O sistema “generalizado e centralizado” de definição do número de vagas no Ensino Superior vai acabar. O ministro do Ensino Superior, Mariano Gago, apresentou e moderou ontem uma sessão de apresentação da proposta de Lei do Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior, em Lisboa, e afirmou que a reforma representa “o princípio do fim” do actual sistema de ‘numerus clausus’, pelo que serão as Universidades e Politécnicos a definir quantos alunos terá cada curso. “As instituições [de Ensino Superior] terão uma diversificação cada vez maior de alunos e esta divisão de entrada de estudantes deve ser encorajada”, assinalou o governante.
Mariano Gago considerou o maior “desafio” para Portugal a capacidade de “reter e captar os melhores recursos humanos”. No debate, professores e alunos questionaram de que forma o Governo pretende fomentar a participação de elementos externos nas instituições (uma das novidades do Regime Jurídico). Mariano Gago remeteu para as [próprias] instituições [de Ensino Superior] esse papel.

Numa sessão que contou com a participação de Vital Moreira, António Vitorino e de vários professores e alunos, o ministro admitiu alargar o prazo para a revisão dos estatutos das instituições (o projecto prevê um prazo de seis meses a contar da entrada em vigor, sob pena de os estatutos entrarem em degradação institucional). O Governo está “disponível para encontrar uma solução razoável”, mas vai estar atento “para não estabelecer períodos muito longos que levem a que nada mude, nem tão curtos que não permitam a mudança”, avisou.

Os alunos questionaram o ministro quanto à possível diminuição de participação de estudantes nos órgãos de gestão das instituições [de Ensino Superior]. “A participação dos estudantes no Conselho Geral é garantido por lei. Não é a quantidade que conta, é a qualidade das suas intervenções”, disse Mariano Gago. Uma afirmação que mereceu alguns risos irónicos entre os estudantes presentes.

Alargado prazo de aplicação do Regime Jurídico

O Ministro do Ensino Superior, Mariano Gago, admitiu ontem, pela primeira vez, alargar o prazo de seis meses dado às Universidades e Politécnicos para adequarem os seus estatutos ao novo Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior (RJiES), após a aprovação da proposta de lei na Assembleia da República . Entretanto, o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, deverá juntar-se hoje aos críticos das principais reformas que o diploma visa introduzir na gestão das instituições [de Ensino Superior].

No final de uma sessão pública de apresentação do RJiES, ontem de manhã no Centro Cultural de Belém, o ministro mostrou-se "sensível" aos argumentos de quem considerou demasiado curto o prazo de implementação da lei, prometendo encontrar uma "solução razoável", que não contemple "períodos muito longos, que levem a que nada mude, nem tão curtos que não permitam a mudança".

Na sessão de apresentação de ontem, em que participaram professores, dirigentes e alunos, foram levantadas dúvidas sobre questões polémicas do diploma, como a nova forma de eleição do Reitor e a abertura das instituições à sociedade civil. E estes temas voltam a ser abordados esta tarde, num debate promovido pela Universidade de Lisboa (UL).

Segundo apurou o «Diário de Notícias», o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, que integra o Conselho Consultivo da UL, deverá criticar o facto de o Reitor passar a ser escolhido por um Conselho de Gestão, em vez da actual eleição pela generalidade dos órgãos universitários. Outro aspecto focado por Sampaio será a possibilidade de unidades orgânicas das Universidades se tornarem em Fundações de direito privado.

Estes são, de resto, os dois pontos que, segundo disse ao «DN» António Nóvoa, Reitor da UL, impedem o apoio integral a um RJiES "que faz falta e deve ser implementado", até pelo que significará ao nível da autonomia financeira das instituições.

"O que está em cima na mesa [na questão das Fundações] é a possibilidade de uma entidade autónoma, por iniciativa própria ou da tutela, desvincular da Universidade sem a consultar ", explicou. "As Universidades levam muitos anos a construir. Não se podem amputar desta forma".

Quanto à eleição do Reitor, António Nóvoa defendeu estar em causa uma questão de "tradição democrática" das instituições: "Não imagino uma Universidade sem um Reitor eleito nem um Senado. Seria uma instituição enfraquecida".

Ontem, Mariano Gago citou exemplos internacionais, como o Reino Unido, para sustentar o "sucesso" do modelo das Fundações. Quanto à eleição do Reitor, considerou que esta passará a ser "mais democrática", até porque os Conselhos de Gestão vão integrar representantes da sociedade civil.

Ao «DN», José Canavarro, ex-secretário de Estado da Administração Educativa e um dos cerca de 800 subscritores de uma petição que visa a alteração do RJiES, confessou algumas dúvidas em relação à integração da sociedade civil: "Cada estrutura de gestão terá 30% de pessoas de fora num colégio até 25 membros. "Não sei se é possível encontrar tantas pessoas disponíveis, interessadas e qualificadas para ocuparem cargos dessa responsabilidade".

O ministro está optimista: "Isso aconteceu em todas as Universidades modernas, competentes e eficientes da Europa", disse. "As instituições do [Ensino] Superior contam muito mais atenção da sociedade do que julgam."

Politécnicos querem [poder] passar a Fundações

O presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) reclamou a possibilidade destas instituições também poderem constituir-se em Fundações, hipótese que quer ver incluída na nova legislação aprovada para o Regime Jurídico do Ensino Superior.

Em declarações à Agência Lusa, Luciano Almeida considerou que o novo Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJiES) trouxe algumas "melhorias", mas continua a subestimar os Politécnicos relativamente às Universidades, que podem constituir-se em Fundações para garantir uma maior autonomia de funcionamento.

Relativamente à proposta do RJiES que foi apresentada em Maio e que agora será discutida no Parlamento, "notam-se muitas melhorias" e nos casos mais criticados pelos Politécnicos, Luciano Almeida espera "abertura" da tutela para discutir essas questões. "Discordamos que o texto final do diploma tenha tornado um exclusivo para as Universidades a criação de Fundações", afirmou Luciano Almeida, defendendo que essa possibilidade deve ser dada também aos Politécnicos, até porque esta solução administrativa "tem vantagens" para a autonomia das instituições.

Ao contrário do previsto inicialmente, "o Conselho de Curadores é nomeado pelo Governo de entre individualidades propostas pela instituição de ensino" e a transformação em Fundação permitirá uma maior "agilização na prestação de serviços ao exterior".

O alargamento dos prazos para que cada instituição tenha uma maioria de 50% de doutorados ou especialistas foi saudado por Luciano Almeida que, no entanto, considera que os seis meses impostos para a adequação dos estatutos é demasiado curto.

Mariano Gago admite alargar prazo de adaptação

Mariano Gago insistiu ontem na importância de dotar os órgãos de topo das instituições universitárias - os Conselhos Gerais - de "elementos externos à instituição". Mas as críticas à abertura ao exterior não param no meio académico, nem entre docentes, nem nos estudantes.

No arranque do debate público sobre a proposta de Regime Jurídico das instituições de Ensino superior (RJiES), que decorreu no Centro Cultural de Belém, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior mostrou-se "sensível" às preocupações expressas por docentes e estudantes com o prazo de adaptação ao novo Regime, que está previsto em seis meses. Mariano Gago garantiu que a questão temporal não será "impeditiva" e que o Governo está "disponível para encontrar uma solução razoável".

Quanto ao outro tema polémico - a constituição do Conselho Geral - Gago considerou "absolutamente crítico" que esse órgão inclua um conjunto de personalidades externas que, como refere a exposição de motivos do diploma governamental, "estimulem e garantam a sua abertura à vida social, cultural e económica exterior". Esta proposta que, segundo o articulado que foi entregue pelo Governo à Assembleia da República, prevê um mínimo de 30% de elementos externos, foi recentemente criticada por docentes e Reitores que assinaram já uma petição contra o novo Regime Jurídico, tal como noticiou ontem o «Jornal de Notícias».

Também relativamente à introdução do modelo inovador, que consiste na possibilidade de transformar instituições de Ensino Superior públicas em Fundações públicas de direito privado, as reservas são grandes.

O debate contou com a participação de vários professores, Reitores e estudantes que, de uma maneira geral, contestaram e manifestaram preocupação relativamente ao prazo de seis meses previsto na proposta de lei para procederem à total adaptação das instituições de Ensino ao novo Regime Jurídico, considerando-o demasiado curto.

Também o Reitor da Universidade Nova de Lisboa manifestou "preocupação" quanto à possibilidade de uma instituição de Ensino Superior poder "entrar em solvência se não conseguir cumprir os seis meses", e sublinhou que "o período de transição é vital na condução do processo".

Centenas de docentes contra Mariano Gago

Contra as Universidades transformadas em Fundações e opositores de uma estrutura de órgãos que acabe com as actuais competências dos Reitores, quase 800 professores do Ensino Superior já assinaram uma posição crítica da proposta de lei para o novo Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJiES). A petição será enviada em breve aos partidos com assento no Parlamento, onde a questão será debatida no dia 28, e a uma série de outras instâncias.

Os professores Jorge Figueiredo Dias, Fernando Rosas ou José Manuel Portocarrero Canavarro são apenas alguns dos 783 nomes que, até [ante]ontem e desde há duas semanas, têm vindo subscrever a tomada de posição contra o RJiES proposto pelo ministro Mariano Gago. O projecto "contém vários aspectos negativos, e tão graves que merecem uma chamada de atenção pública por parte da comunidade académica, para que não venham a ser aprovados pela Assembleia da República", lê-se no documento elaborado fundamentalmente por um conjunto de quatro professores da Universidade de Coimbra.

"Não é uma revolução, é uma enxurrada", afirma João Sousa Andrade, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e um dos quatro autores e dinamizadores da iniciativa. Tudo começou logo a seguir ao Conselho de Ministros de Évora, altura a partir da qual começaram a surgir versões do RJiES. "Fizemos tudo no sentido de obter uma posição dos docentes da Universidade de Coimbra, mas rapidamente a petição foi adquirindo um carácter nacional", confessa, admitindo que o objectivo é alcançar as 1000 assinaturas antes do dia 28.

"As pessoas começam a ficar assustadas e vão subscrevendo a petição", afirma Paulo Peixoto, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior. Sousa Andrade diz apenas que o documento reflecte a preocupação dos docentes.

Sousa Andrade considera que se está perante "uma lei anti-Reitores", uma vez que acaba com esta figura nos moldes actuais, ao limitar-lhe os poderes, ficando a sua designação a cargo do Conselho Geral. Os subscritores defendem "o princípio da eleição livre através de sufrágio em que participem os três corpos que compõem a comunidade universitária". Segundo Sousa Andrade, a abertura do Conselho a personalidades externas à Universidade levará ao bloquear das decisões, por ausência dessas figuras, "ou contratação de políticos no desemprego, tendo em conta a nova lei eleitoral".

Quanto às Fundações, consideram que o modelo é inadequado, arrastando perigos de perda da autonomia, de governamentalização (e até de partidarização) das Universidades públicas.

«Empresa e Universidade», por António Mendonça

Como é do conhecimento público, está anunciado, para breve, nova legislação de enquadramento do Ensino Superior. Sabe-se que esta abrangerá o Regime Jurídico das instituições, o estatuto das respectivas carreiras docentes e o modelo de financiamento – as três peças bases que definem o conteúdo e a forma que este sistema de ensino terá num horizonte temporal de médio e longo prazo.

Conhece-se já – numa versão que não se afastará muito daquela que será submetida a aprovação da Assembleia da República – a primeira das três peças, intitulada, precisamente, Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior. As outras duas, ao que se diz, só serão apresentadas posteriormente, ainda durante o corrente ano civil.

Sem prejuízo de uma leitura mais aprofundada e de uma análise partilhada das suas implicações sobre as actuais instituições, é justo reconhecer que as disposições enunciadas vão no bom sentido.
Há três aspectos que gostaríamos de salientar, em particular.

Em primeiro lugar, a reunião num documento único das disposições relativas ao Ensino [Superior] público e privado, fixando critérios comuns de exigência para os dois subsistemas. Espera-se que isto possa contribuir para clarificar aquilo que se entende por Ensino Superior privado em Portugal.

Em segundo lugar, a radical alteração do modelo de "governance" das instituições. Há muito que era reconhecido o esgotamento do actual modelo de gestão das diversas instituições do Ensino Superior e das suas unidades orgânicas, mais orientado para assegurar equilíbrios de forças a nível interno e menos capaz de lidar com as pressões externas para a mudança e para a adaptação às novas necessidades de relacionamento com a sociedade. As disposições agora propostas apontam para um novo modelo de selecção dos dirigentes máximos, para uma mais equilibrada distribuição e hierarquização de competências entre os diferentes órgãos de gestão, para um modelo potencialmente mais ágil e mais integrador do exercício das responsabilidades de gestão, nas suas diferentes expressões.

Um terceiro aspecto que gostaríamos de salientar, pela positiva, liga-se, precisamente, com o novo modelo de "governance" que é proposto e consiste na exigência de participação de personalidades externas – em principio representantes dos sectores da sociedade e das áreas de interesses em que se movem as diversas instituições – na definição das orientações estratégicas e na escolha dos dirigentes máximos – Reitores [de Universidades], Presidentes [de Politécnicos] ou Directores de unidades orgânicas.

Embora seja já uma prática, mais ou menos formalizada, em algumas instituições do Ensino Superior, a partilha de algumas decisões com representantes dos sectores da sociedade para os quais se orientam as suas actividades – normalmente através das figuras de consultores, de organismos de interface, de Associações de Antigos Alunos, entre outras – a verdade é que esta exigência de participação externa nos órgãos máximos de decisão das Escolas e Universidades constituirá uma verdadeira revolução na maneira de estar e de funcionar da generalidade das instituições de Ensino Superior portuguesas. E não se espere que seja de fácil concretização.

Muito provavelmente, as maiores dificuldades nem virão do mundo académico.

Apesar de algumas tendências para a autarcia e para o conservadorismo institucional, a realidade é que as instituições de Ensino Superior estão particularmente bem posicionadas para observar as mudanças que se operam no mundo e nas sociedades em que se inserem e, com mais ou menos desfasamentos temporais, acabam por compreender a necessidade de encontrarem respostas, no plano científico e organizacional, à nova procura social que lhes é dirigida. É justo reconhecer os progressos notáveis que foram realizados ao longo dos últimos anos pela generalidade das instituições do Ensino Superior, não obstante todos os constrangimentos decorrentes da legislação obsoleta em vigor, das dificuldades de financiamento público e da falta de políticas coerentes de enquadramento.

Já em relação às instituições representativas da sociedade, a situação é mais complexa.

Sem dúvida que muitas compreendem as mudanças em curso e as próprias pressões competitivas a que estão submetidas – como é o caso das instituições representativas do mundo económico e empresarial – leva-as a olharem para as instituições académicas de um modo que ultrapassa o mero interesse imediato, de fornecedores de mão-de-obra mais ou menos qualificada. Mas outras continuarão a ser incapazes de perspectivar as relações com o meio académico numa perspectiva mais ampla, de cooperação a longo prazo, de interesse mútuo, de desenvolvimento comum e de contributo para o desenvolvimento geral do país. Esta realidade, que decorre objectivamente do nível de desenvolvimento económico e cultural do país, poderá revelar-se um entrave sério ao melhor aproveitamento do potencial que está associado à exigência de participação externa nos órgãos de decisão académica.

Aqui reside um dos desafios fundamentais colocados pela nova legislação e para o qual é necessário começar desde já a procurar respostas.

No caso das Escolas de Economia e Gestão a tarefa apresenta-se de mais fácil resolução. Desde logo, pelo facto de a relação com o mundo exterior ser mais directa e de mais fácil apreensão pelos agentes envolvidos. Mas, também, pelo facto de nos últimos anos se terem desenvolvido múltiplas plataformas de colaboração directa com as empresas e outras instituições dos diversos sectores económicos, a nível da formação pós-graduada, da investigação aplicada ou da consultoria. Trata-se, agora, de dar um passo em frente e de dar uma expressão institucional a uma prática que se tem desenvolvido de modo mais ou menos informal.

Mas seria importante aproveitar o balanço e aceitar que tudo seria muito mais produtivo, do ponto de vista económico e social, se o relacionamento empresa-Universidade tivesse uma natureza bidireccional.

Ou seja: é importante que as empresas e as instituições do mundo económico e empresarial sejam chamadas a partilhar as responsabilidades da gestão do mundo académico, mas seria igualmente interessante que as instituições académicas fossem chamadas a opinar e a participar na definição das grandes orientações estratégicas das empresas e da economia do país e a ter igualmente um papel na selecção dos seus principais responsáveis.
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António Mendonça é professor e presidente do Conselho Directivo do ISEG [Instituto Superior de Economia e Gestão], tendo o seu presente artigo de opinião sido publicado no «Jornal de Negócios» no passado dia 24 de Maio.

Prazo para revisão dos estatutos das Universidades e Politécnicos poderá ser alargado, diz Gago

O Ministro do Ensino Superior [Mariano Gago] admitiu [ontem] alargar o prazo para a revisão dos estatutos de Universidades e Politécnicos, em resposta a uma das principais contestações à proposta de lei para a reforma do sector.

Mariano Gago participou [ontem] em Lisboa numa sessão de apresentação e debate da proposta de Lei do Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior [RJiES], que será discutida na Assembleia da República no dia 28 de Junho.

O debate contou com a participação de vários professores, Reitores e estudantes que, de uma maneira geral, contestaram e manifestaram preocupação relativamente ao prazo de seis meses previsto na proposta de lei para procederem à total adaptação das instituições de Ensino Superior ao novo Regime Jurídico, considerando-o demasiado curto.

De acordo com o diploma legal do RJiES, "no prazo de seis meses a contar da entrada em vigor da presente lei, as instituições de Ensino Superior devem proceder à revisão dos seus estatutos, de modo a conformá-los com o novo regime legal", sob pena de entrarem em "degradação institucional".

Para o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Luciano Almeida, "a elaboração de um regulamento, em regra, exige maior tempo".

"O prazo para a revisão dos estatutos é de seis meses, um tempo extremamente reduzido. Penso que um alargamento não excessivo do prazo não põe em causa a reforma", considerou, defendendo como razoável um período de nove meses.

Também o Reitor da Universidade Nova de Lisboa [António Rendas] manifestou "preocupação" quanto à possibilidade de uma instituição de Ensino Superior poder "entrar em solvência se não conseguir cumprir os seis meses", e sublinhou que "o período de transição é vital na condução do processo".

O presidente do Conselho Directivo do Instituto Superior de Economia e Gestão [António Mendonça] considerou que "deve haver benevolência para o prazo ser ultrapassado", enquanto que as Associações Académicas consideraram "insuficiente" não só este prazo, como o período de tempo em que o diploma esteve aberto à discussão.

Manifestando-se "sensível" a esta preocupação, Mariano Gago adiantou que a questão temporal não será "impeditiva" e que o Governo está "disponível para encontrar uma solução razoável".

"Vamos estar atentos para não estabelecer períodos muito longos que levem a que nada mude, nem tão curtos que não permitam a mudança consciente que é necessária", acrescentou.

quarta-feira, junho 20, 2007

«Universidades globais», a opinião de Rui Borges

O Governo apresentou no início de Maio uma nova proposta de Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior. A proposta suscitou reacções imediatas por parte de diversos quadrantes ligados ao ensino, vários cronistas têm apresentado as suas posições em colunas de jornal e por todo o país tem havido debates nas Universidades sobre o assunto. Não é para menos. A proposta contempla a mais profunda alteração ao sistema de Ensino Superior desde o 25 de Abril.
A sua faceta principal é a de ser, aquilo que o SNESup apelida de "mãe de todas as leis". Ou seja, um Regime Jurídico que define os contornos de todas as outras leis do sector. A começar pela questão do emprego docente em que o novo regime abre as portas à generalização dos contratos a termo e à precarização. Mas passa também pela redução significativa dos participantes em órgãos de gestão que inclui uma retirada quase total de representatividade aos estudantes, pela possibilidade de a bem (por decisão dos Reitores) ou a mal (por decisão do Ministro) transformar Escolas em Fundações de direito privado ou a possibilidade de integrar personalidades da "sociedade civil" (vulgo empresários) nos órgãos de gestão.

Os defensores da proposta avisam que é necessário tomar medidas para acabar com os interesses instalados nas Universidades, os esquemas dos catedráticos e as disputas entre departamentos que têm levado as Universidades à estagnação. Certamente que sim, mas não vai ser esta lei que o vai permitir.

Esta lei não é feita à medida das necessidades específicas do Ensino Superior português. É uma lei que apenas visa integrar as Universidades no contexto mais vasto do mercado internacional do Ensino Superior. E esse mercado exige instituições que não tenham que depender dos estudantes e das suas ilusões juvenis sobre a importância do ensino na nossa sociedade, que possa contratar estrelas da gestão para Reitores, ou que possa formar empresas ou abrir-se a elas para obter o seu financiamento. É a lógica do tratado de Bolonha e da criação do mercado europeu de Ensino Superior, da competição com os Estados Unidos [da América] promovida pela Estratégia de Lisboa, e da liberalização total apregoada pela Organização Mundial de Comércio.

É a lógica de pôr fim a um serviço público essencial para um país que ser quer minimamente civilizado.
___________________
Rui Borges é estudante de pós-doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade [Clássica] de Lisboa, este seu artigo de opinião foi publicado no passado dia 5 no portal «Esquerda.net».

terça-feira, junho 19, 2007

Luís Souta: «Caboucos para novas Fundações»

Depois de serem conhecidas várias versões do documento proposto pelo Governo para debate público, foi agora divulgada (15/05/07) a versão completa e final do “Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior”.

A designação deste diploma, só por si, mostra a diferença entre a anterior legislação sobre esta matéria e que é agora revogada: “Autonomia das Universidades” (Lei nº 108/88) e “Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico” (Lei nº 54/90). Desaparece assim uma palavra-chave, associada ao Ensino Superior – autonomia. De facto, e na sequência do relatório da OCDE sobre a avaliação do Ensino Superior, dado a conhecer em 14/12/06, anunciava-se o propósito de actuar em conformidade, ou seja, o obstinado ministro Mariano Gago quer “pôr ordem” no sistema e restabelecer a "cadeia de comando" no pressuposto de que assim se garante a eficácia da gestão das Universidades e dos Politécnicos, públicos e privados. Entretanto, o imbróglio da Universidade Independente veio acentuar a necessidade da “rédea curta” para esse estranho mundo que foi crescendo à sombra do numerus clausus e da vontade massificada de obter um diploma superior. O artigo 149 [da versão completa e final do “Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior”] é elucidativo: um rol de 18 “contra-ordenações” estão aí previstas implicando pesadas coimas e sanções.

Apesar de o duro princípio da realidade não oferecer dúvidas na destrinça entre o ensino universitário e o [ensino] politécnico, o actual ministro [do Ensino Superior] prossegue o louvável exercício semântico de procurar distinguir a “natureza binária do sistema” que a Lei de Bases de 1986 não foi capaz de clarificar. Assim, as Universidades são instituições de “alto nível na criação” e, portanto, conferem o grau de doutor. Já os Institutos Politécnicos não merecem tal adjectivação e não vão além dos graus de licenciado e mestre; quanto aos saberes, são de “natureza profissional”, ficando-se pela “investigação orientada” (novo conceito da era Gago) cabendo apenas às Universidades a sua difusão!? Os Politécnicos seriam ainda caracterizados pela “inserção na comunidade territorial” e “ligação às actividades profissionais e empresariais”. Em termos de órgãos, a especificidade do Politécnico configura-se na designação do Conselho Técnico-Científico (só Conselho Científico no universitário).

Uma valia do presente diploma é o de se aplicar ao conjunto das instituições dos vários sub-sistemas do Ensino Superior que se regem, a partir de agora, por normas comuns (por isso se estranha a não revogação da Lei nº 26/2000 referente à “Organização e Ordenamento do Ensino Superior”). Mas o maior mérito desta proposta prende-se com a redução do número de órgãos de governo das instituições: desaparece a Assembleia do Instituto, a Comissão Permanente do Conselho Geral, a Assembleia de Representantes, o Conselho Directivo (substituído pelo Director) e o Conselho Administrativo (dá lugar a um Conselho de Gestão). O Conselho Científico é constituído por representantes eleitos, num máximo de 25 membros, colocando-se fim à inerência, que perdurava desde o tempo de Sottomayor Cardia (1976). Por sua vez, o Conselho Pedagógico mantém a paridade de professores e alunos, mas passa a ser presidido pelo Director. Por último, ao ser criado o Conselho Coordenador do Ensino Superior (artigos 153º e 154º), tendo por “missão o aconselhamento” do Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, com uma composição adiada para diploma próprio, espera-se que tal implique o desaparecimento dos inoperantes CRUP [Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas] e CCISP [Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos].

A influência norte-americana no modelo de designação do Reitor e do Presidente é evidente, mas o erro de escala é enorme: o Conselho Geral nada tem a ver com o Board of Trustees.

Em suma, (i) diminuem os processos eleitorais em detrimento das “nomeações”; (ii) centraliza-se o poder no Reitor/Presidente/Director; (iii) as Faculdades/Escolas perdem muito da sua autonomia; (iv) reforça-se o controlo do MCTES [Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior] sobre todo o sistema de Ensino Superior.

Porém, a questão central, a mais polémica e mediática, é a da possibilidade de transformação dos estabelecimentos de Ensino Superior em Fundações (cap. V, artigos 119º a 123º). A fórmula, decorrente das orientações da OCDE, já foi aplicada recentemente às escolas profissionais. Não se vislumbrando vantagens significativas nessa mudança institucional, temos sérias dúvidas que as escolas públicas venham a tomar tal iniciativa. O sistema nunca se reformou por dentro.

Resta então ao ministro da tutela accionar o nº 6 do artigo 119º e criar as Fundações que entender para maior racionalidade da oferta educativa e diminuição do número de funcionários públicos. Assim se cumprirá o défice. A União Europeia agradece.
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Luís Souta é professor-coordenador do Departamento de Ciências, Multiculturalidade e Desenvolvimento e presidente do Conselho Directivo da Escola Superior de Educação de Setúbal, tendo o seu presente artigo de opinião sido publicado no portal «Setúbal na Rede».

segunda-feira, junho 18, 2007

Tomada de posição de professor@s da Universidade de Coimbra [sobre as alterações do Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior]

O MCTES [Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior] tornou público um projecto legislativo sobre o Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJIES), que anuncia profundas alterações na vida e no funcionamento das Universidades portuguesas.

Há muito que se aguardava uma necessária reforma do Ensino Superior e saudamos o facto de esta matéria integrar a agenda política do Governo. O projecto em análise apresenta aspectos positivos, que registamos. Contém porém vários aspectos negativos, e tão graves que merecem uma chamada de atenção pública por parte da comunidade académica, para que não venham a ser aprovados pela Assembleia da República.

Nenhum projecto de reforma na área da educação deve ignorar a história e a cultura dos povos e das instituições em que eles se organizam. Ora, a nosso ver, as soluções consagradas no documento do MCTES não se adequam à nossa cultura e ao nosso desenvolvimento económico e social, o que significa que a reforma anunciada não poderá contribuir para o necessário desenvolvimento humano dos portugueses.

O texto em análise revela uma leitura redutora da realidade do sistema universitário português, secundarizando os princípios democráticos da vida universitária e prejudicando a diversidade de soluções aconselhável à luz da complexidade e variedade das instituições actualmente existentes.

Algumas das soluções encontradas deixam-nos as mais fundadas razões para pormos em causa a sua conformidade com os princípios constitucionais que consagram o direito de participação, nomeadamente de professores, investigadores e estudantes, na gestão das escolas e o direito das Universidades à autonomia.

Na Universidade, ensino e investigação são as duas faces da mesma moeda. Separar, em termos institucionais, as actividades de ensino das actividades de investigação só pode empobrecer umas e outras. Este é um caminho errado e perigoso. Impõe-se, por isso, que a futura lei seja absolutamente clara na afirmação de que as Universidades são essencialmente instituições de investigação e de que a política nacional de investigação passará fundamentalmente pelas Universidades.

A criação intelectual só é possível numa atmosfera de plena liberdade e de profundo sentimento de pertença. A consciência da autonomia pessoal e institucional é um factor essencial da libertação das energias criadoras determinantes do sucesso da investigação científica. Por isso entendemos que a existência de um “Conselho Geral” com competências no que toca à definição dos objectivos estratégicos da Universidade não pode anular drasticamente – como o faz o presente projecto – a participação dos universitários no governo das Universidades públicas, incluindo a participação na definição das linhas estratégicas de orientação e gestão.

Nas últimas décadas, os universitários portugueses demonstraram abundantemente, no quadro da autonomia universitária, excepcional empenhamento na (e inequívoca capacidade de) gestão das Universidades públicas, mostrando à saciedade que a gestão participada não é incompatível com uma gestão eficaz.

De quanto fica dito decorre, desde logo, a defesa – que aqui fazemos com toda a força – do princípio da eleição livre do Reitor através de sufrágio em que participem os três corpos que compõem a comunidade universitária.

Com igual força defendemos a existência de um órgão colegial de governo da Universidade (Senado Universitário), constituído maioritariamente por professores e investigadores, com membros dos três corpos da comunidade universitária, com uma dimensão que não comprometa a sua funcionalidade, e com competências que, além de outras, incluam as competências em matérias de natureza científica, pedagógica e académica que o projecto do MCTES atribui ao “Conselho Geral”.
Esta é, a nosso ver, uma condição indispensável da estabilidade institucional e do próprio desenvolvimento harmonioso das Universidades.

O novo diploma regulador do RJIES não deve - e não pode, à luz da Constituição – pôr em causa nenhum dos aspectos da autonomia das Universidades, nomeadamente a autonomia pedagógica e científica e a inerente liberdade de serem órgãos representativos dos professores e investigadores a decidir sobre a contratação do pessoal docente.

A precarização dos vínculos laborais dos professores e investigadores diminui a motivação e o espírito de entrega a este serviço público estratégico e essencial que é a investigação científica e o ensino universitário. A estabilidade contratual, aliada a uma exigente prática de avaliação e de promoção do mérito, é determinante na criação de uma cultura participativa e no desenvolvimento da capacidade de iniciativa pessoal e de grupo que condicionam de modo decisivo toda a actividade de investigação científica a médio e a longo prazos e, como tal, deverá ser assegurada na futura lei.

Os signatários entendem que o estatuto jurídico que convém às Universidades públicas portuguesas é o de pessoas colectivas de direito público, integradas na administração autónoma do Estado, dotadas de autonomia estatutária, científica, pedagógica, cultural, disciplinar, patrimonial, administrativa e financeira. E consideram que o modelo de Fundação de direito privado é inadequado para um correcto enquadramento das instituições universitárias que integram a rede pública de Ensino Superior.
Este modelo fundacional privado arrasta consigo perigos sérios de perda da autonomia universitária, de governamentalização (e até de partidarização) das Universidades públicas, de desresponsabilização do Estado relativamente a este sector, de dependência das Universidades/Fundações relativamente ao poder económico. Poderia levar igualmente ao estrangulamento de áreas do conhecimento sem grandes possibilidades de retorno económico directo, fragilizando a cultura de base científica multifacetada, abandonando as Humanidades e as Ciências Sociais, comprometendo a capacidade de análise e de critica da própria sociedade. Finalmente, poderia levar, em certas situações e em última análise, à privatização de actividades de ensino e de investigação que cabem às Universidades públicas.

O Estado moderno, independentemente das orientações ideológicas, tem que assumir a educação como uma questão de soberania. Numa sociedade globalizada, mas também do conhecimento, ela é mais determinante para a salvaguarda da independência das nações do que o poderio militar, sobretudo no caso dos países pequenos. Um Ensino Superior público de qualidade é uma condição indispensável da independência nacional. Mais uma razão – e decisiva razão - para que a lei que se anuncia deva reunir o mais amplo consenso entre os universitários e entre as forças políticas democráticas. É uma questão de bom senso e uma questão de patriotismo.

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domingo, junho 17, 2007

«Ensino Superior, Estado, Sociedade e Mercado»

As profundas transformações das sociedades contemporâneas interpelam a educação e formação a nível do Ensino Superior sob vários pontos de vista – político, organizacional, científico e cultural. Interpelação [esta] que envolve contextos, actores e acções diversificadas, oriundas das organizações académicas, do Estado, da sociedade e do mercado, no plano nacional e internacional. Interpelação que, por sua vez, se situa no fechar de um ciclo sociohistórico em que se desenvolveram e construíram determinadas políticas, determinadas ideias de Ensino Superior, modos de organização, de governo e de financiamento, de modelos curriculares, de estatutos de docentes, de pensar a pedagogia, de pensar as relações entre a formação e o mercado.

Assim, afigura-se necessária, no contexto da crise do Estado Providência, e na emergência de outros modos de administração e coordenação, uma reflexão profunda sobre a dimensão política e pública do Ensino Superior. Reflexão que implica a reafirmação dos seus valores fundadores centrados mais nas finalidades do que nos meios e que de algum modo [se] encontrem alternativas à difusão transnacional de cânones de índole neoliberal em que a privatização dos serviços públicos e a importação, muitas vezes acrítica, de modelos empresariais se constituem quase como únicas alternativas à construção e ao desenvolvimento da educação e formação superiores como um bem comum.

Neste contexto, emerge a necessidade de repolitizar este tipo de educação e formação. E esta repolitização da educação e formação no âmbito do Ensino Superior público passa, entre outras, por alguns questionamentos fundamentais de que destaco: a actual separação entre o Ensino Superior [Universitário] e o [Ensino] Politécnico, a relação entre a formação e o mercado de trabalho; a governança e os modos de governo, o papel do Estado.

No primeiro caso, a actual separação entre o ensino universitário e o ensino politécnico, foi criada nos anos 70 do século XX, com a designação de “Ensino Superior de curta duração”, e de algum modo “imposta” a Portugal por instâncias internacionais como o Banco Mundial. Esta separação distinguia de algum modo as diferentes profissões. Para umas [profissões] era preciso uma formação de “excelência” e investigativa, para outras [profissões] bastava uma qualificação mais especializada e mais de acordo com o mercado de trabalho. Ou pelo [menos] daquilo que se considerava ser o mercado de trabalho. Não deixa de ser curioso que no âmbito destas profissões, mais ou menos de segunda, não fossem apoiadas as formações ligadas às artes e fosse incluída a formação dos professores do ensino básico.

Por outro lado, com a globalização nos diferentes campos de intervenção a questão de escala não é de somenos importância, sob o ponto de vista da formação, da investigação e da produção de conhecimento. Também com a reorganização curricular no âmbito da “Declaração de Bolonha” esta separação entre Ensino Superior universitário e politécnico afigura-se pouco pertinente. Veja-se, por exemplo, o caso da investigação. Ela não é apanágio de um ou de outro subsistema [de Ensino Superior]. Pelo contrário, a investigação e a produção de conhecimento nas diferentes esferas da actuação humana é um elemento primordial na sociedade contemporânea portuguesa de modo a criar quadros de inteligibilidade e de intervenção política, social, cultural, tecnológica, artística, entre outros.

Por isso, a interrogação que se coloca é, num contexto de transição entre a “era industrial” para a “era pós-industrial e do conhecimento”, se não faz sentido pensar em “modelos” integrados e complementares em que as instituições [de Ensino Superior], sem imposição do Estado – como aconteceu com os agrupamentos das Escolas Básicas e Secundárias – se articulem e complementem na construção de projectos alargados e singulares, numa perspectiva multidisciplinar, multidimensional e multisectorial.

A relação entre a formação e mercado de emprego é um outro tipo de questionamento. Sendo uma relação interdependente, o que questiono é o facto de cada vez mais “a qualidade” de ensino de uma instituição [de Ensino] ser medida pela inserção profissional dos estudantes. Não são as instituições de Ensino Superior que controlam a economia nem regulam o mercado de trabalho.

Ora o que está em causa é que o Ensino Superior tem como finalidade encontrar mecanismos de formação de “excelência” numa articulação profunda com os diferentes sectores sociais, culturais e empresariais. Articulação profunda que implica a co-construção das formações e uma dinâmica formativa (escolar e não escolar) entre as questões estruturais do pensamento, do conhecimento e das profissões e da sua mutabilidade. Para isto, a formação tem de ser exigente e livre de investigar, formar e construir pensamento que esteja para além das volatilidades do mercado de trabalho e do emprego. Caso contrário, os cursos de Letras e de estudos clássicos, por exemplo, deixariam de existir. E no tempo presente, bem como no [tempo] que há-de chegar, áreas como a Filosofia e a História, por exemplo, não são estruturantes ao desenvolvimento tecnológico, social e cultural?

No que se refere à governança e [a]os modos de governo, constata-se que a educação e a formação superiores já não são apenas uma responsabilidade do Estado e das organizações educativas e formativas. Embora lhes caiba um papel preponderante, a complementaridade com diferentes tipos de parceiros e de programas é fundamental. Complementaridade esta que cruza diferentes tipos de sectores sociais, culturais, associativos, empresariais (públicos e privados) numa pluralidade de poderes e numa rede de interdependências recíprocas, nacionais e internacionais.

A governança deste subsistema implica a capacidade de mobilização dos diferentes actores sociais na construção, implementação e avaliação das políticas das instituições de Ensino [Superior]. Mobilização que comporta desafios e riscos, mas que poderá ser um factor de um maior incremento da participação das diferentes comunidades de sentidos na vida das instituições de Ensino Superior e, por esta via, contribuir para uma também maior interacção social, cultural e profissional, [s]em hierarquias nem hegemonias.

Neste contexto, os modos de governo das instituições [de Ensino Superior] têm de se situar entre um “modelo” ou “modelos” diferenciados que passam por outras formas que não a do “modelo” único de Fundação, ou formas gestionárias centradas apenas num determinado conceito de “eficácia” organizacional e financeira. Nestes modos de governo, a colegialidade, o papel e a participarão dos estudantes e de outros actores sociais, afiguram-se essenciais, como elementos políticos, de formação e de cidadania.

Tudo isto implica também uma reflexão profunda relacionada com o papel do Estado na condução das políticas públicas. Este papel afigura-se essencial como elemento proactivo na construção de um bem comum tendo em conta, como refere João Barroso, “a multiplicação das instâncias e momentos de decisão, a diversificação das formas de associação no interior dos espaços públicos e o envolvimento de um maior número de actores”. O que significa, nas palavras do mesmo autor, que se “exige um papel renovado na acção do Estado, com o fim de compatibilizar o desejável respeito pela diversidade e individualidade dos cidadãos, com a prossecução de fins comuns necessários à sobrevivência da sociedade – de que a educação é um instrumento essencial”.

Na actual discussão sobre o Ensino Superior público, [n]os instrumentos legais produzidos, bem como [n]os discursos dominantes, muitas destas temáticas, infelizmente, não fazem parte da agenda. Andam um pouco afastadas das reflexões, quer no âmbito do poder político quer no âmbito das instituições de formação (e nas suas estruturas de cúpula), quer no âmbito dos sindicatos. No Estado, pelo facto de não querer perceber que as mudanças se fazem com as pessoas e que os relatórios e estudos desenvolvidos pelas instâncias internacionais, não são apenas isso. São também instrumentos políticos. Contém determinadas visões de sociedade que se quer construir. Nas instituições [de Ensino Superior], pelo facto de estarem preocupadas com respostas a curto prazo de acordo com as solicitações e as determinações do Estado, bem como em dar resposta a alguns poderes corporativos instituídos no interior das [próprias] organizações. Nos sindicatos, pela dificuldade de se interrogarem e de se desligarem de determinados modelos e de não desenvolverem discursos e acções políticas mais consentâneas com os grandes desafios do tempo presente.

Um novo tempo exige outros questionamentos e outras respostas. Alicerçados na história mas com olhares e acções de futuro e num esforço de racionalidade e criatividade que consiga ver para além das tendências políticas e sociais mais mercantilizadas.
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António Ângelo Vasconcelos é professor adjunto do Departamento de Música da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal, tendo escrito o presente artigo de opinião [«Ensino Superior, Estado, Sociedade e Mercado (algumas ideias sobre as políticas e os modos de governação - em contracorrente)»] para o portal «Setúbal na Rede».