quarta-feira, maio 03, 2006

No final do ano 2004, a Direcção [de então] do Núcleo de Estudantes de Antropologia da AAC solicitou-me um pequeno texto de opinião sobre a Declaração de Bolonha para o seu jornal «Notas de Campo» [julgo que o nº 3], restrito a uma página em Word; abaixo transcrevo esse meu texto.

Declaração de Bolonha: um novo duploextrabompensádico e modernizado(r) Ensino Superior Europeu(1)
O bompensar de alguns Ministros europeus da Educação levaram-nos [em Bolonha e no ano de 1999] a assinarem um tratado que mudaria o espectro do Ensino Superior na Europa: a Declaração de Bolonha. Alegadamente como forma de defesa e promoção da dimensão europeia de Ensino Superior, modernizando(?) o Ensino Superior na Europa para contrabalançar com o Ensino Superior norte-americano que nos estaria a ultrapassar. Com a Declaração de Bolonha dá-se o iniciático desvendar público de uma novilíngua para o Ensino Superior Público(2):
Mobilidade [entenda-se, circulação (dentro do Espaço Europeu de Ensino Superior) de estudantes e professor@s]. Conceito positivo em si mesmo mas que logo esbarra com a triste realidade: quem pode dar-se ao luxo de calcorrear a Europa a fazer uma licenciatura? Para mais ainda quando se sabe que as bolsas de apoio ao programa Erasmus são sempre parcas e escassas; essa mobilidade apenas seria válida para uma minoria abastada, que por si própria [caso o pretenda] já tem possibilidade de usufruir dela.
Comparabilidade [compreenda-se, fácil equivalência e compreensão de diplomas similares]. Alguém se deu conta que se parte para essa homogeneização (para a mais fácil e directa comparação de curricula) sem se ter realizado uma (mais que necessária!) avaliação científica e pedagógica de cada curso? Pretende-se dividir o Ensino Superior em dois ciclos (3+2 anos), com o primeiro ciclo de formação generalista e público [com propinas no valor de 880 euros ainda se pode considerar público?] e o segundo como se de mestrado se tratasse [alguém sabe quanto custam e quem pode (economicamente) aceder?].
Empregabilidade. Ideia com que primariamente quase tod@s concordamos mas que merece ser alvo de reflexão. Se as Universidades passarem a ter como sua única lógica de pensamento a produção de licenciad@s para o mercado de trabalho concorrencialmente afundar-se-ão nas perspectivas de curto prazo, não sendo mais uma fonte de produção de conhecimento, progresso, desenvolvimento e evolução que se pretende num sítio de vanguardismo intelectual mas uma mera fábrica produtora de operári@s semi-qualificad@s sem qualquer massa crítica própria e pensamento autónomo. Com a imposição dos critérios do mercado de trabalho as àreas ditas não produtivas serão diminuidas e alargar-se-ão as àreas de grande produtividade, generalistas mas com baixo nível de questionamento. Também por aqui os Governos pensam em poupança, pois que a redução de custos é uma prioridade para os ditos modernizadores do Espaço Europeu de Ensino Superior.
Com a Declaração de Bolonha querem fazer-nos crer que construimos uma Europa do conhecimento; mas isso faz-se combatendo [através da uniformização curricular] a diversidade que caracteriza(va?) o espaço europeu de Ensino Superior?
Mantêm-se, mesmo assim, pela Europa fora alguns/mas estudantes e professor@s com esse herege velhopensar de quererem Ensino Público Universal e Democrático. Pois é disso que se trata, apenas e muito singelamente, querermos que o Ensino [seja a que nível for: pré-escolar, básico, secundário, superior; e em que país for] seja Público (isto é, como incumbência do Estado), Universal (ou seja, a que tod@s possam aceder) e Democrático (com livre acesso de tod@s e com gestão participada de tod@s). Nem me refiro ao jargão “Ensino de Qualidade” pois um Ensino que seja Público, Universal e Democrático [e com as anteriores premissas] sê-lo-á, certamente, de Qualidade.
O que os Governos nos darão? De bom, certamente nada. Te[re]mos de conquistar e ocupar o presente e o futuro que queremos!! O que há por debaixo da praia? Areia, muito simplesmente! Não deixes que te a atirem aos olhos!

(1): Aconselha-se a leitura deste texto(?) conjuntamente com “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” de George Orwell e outras leituras pouco recomendáveis e subversivas que queiram...
(2): Esta novilíngua tem bastante mais termos próprios mas neste texto(?) [por limitações de espaço] restrinjo-me somente aos três que se seguem [mas poder-se-ia acrescentar: concorrência, competitividade, excelência, flexibilidade/polivalência, eficiência e mais alguns outros].

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