terça-feira, junho 27, 2006

«Diploma universitário não garante mais emprego, nem aqui nem na China», por Lauro Monteclaro

Não é modo de dizer não, ter um diploma universitário deixou de ser garantia de [obtenção de] emprego até para os estudantes universitários da China. Mesmo com crescimento [económico] de 10% ao ano, o país [do Sol Nascente] sofre os efeitos do desemprego estrutural.
Segundo um artigo do The New York Times, “A faculdade Shengda, na China central, tem um currículo diversificado, professores estrangeiros para ensinar inglês e um campus arrumado, onde casuarinas fazem sombra em um lago de recreação”. (1)
O único problema é que ela [a faculdade Shengda] é “particular” ([custando] 2.500 US$ por ano) e não é uma faculdade de “prestígio” como a Universidade Zhengzhou, de nível nacional e [propriedade] do Governo. Embora a [Universidade] “federal” também seja paga ([a] 500 US$ por ano), todos querem estudar lá, e como no Brasil, nem todos conseguem.
Mas na China, ao contrário das “fábricas de diplomas” que surgiram no Brasil, as faculdades particulares (que começaram a surgir em 1998) tem de ser filiadas a uma “Escola-Mãe” séria, para supervisioná-las. Só que os diretores da “afiliada” e, ai sim, no melhor estilo “jeitinho brasileiro”, prometiam emitir diplomas só com o nome da “Escola-Mãe”. Mas uma lei os obrigou a mudar isso[, e continuando a seguir-se o artigo do NYT]:
“Então, quando a turma de 2006 recebeu seus diplomas com ‘Colégio de Economia, Comércio e Administração da Universidade de Zhengzhou Shengda’, ela se revoltou e, na última sexta-feira (16/6), [a turma de estudantes finalistas] destruiu salas de aula, escritórios administrativos e janelas de carros. Os estudantes enfrentaram a polícia e fizeram um dos protestos estudantis mais longos desde o levante de 1989 pela democracia que encheu a Praça Tiananmen, em Pequim”.
Para quem estuda no Brasil isso parece no mínimo um exagero. Qualquer um que estude em faculdades de “segunda classe”, adoraria que ela fosse obrigatoriamente supervisionada pela USP [Universidade de São Paulo] ou pela PUC [Pontifícia Universidade Católica], por exemplo. Melhor ainda se o diploma incluísse também o nome dessas instituições, de prestigio indiscutível.
Então por que tanta violência e desespero? A razão é que mesmo na China, com uma economia cada vez mais globalizada e crescendo a espantosos 10% ao ano, a vários anos, o desemprego tecnológico se faz presente como em qualquer outro país. Em outras palavras, empregos de “qualidade” só [há] para uma minoria excepcionalmente bem preparada, por faculdades de muito prestígio. O artigo [do NYT] prossegue:
“O que antes era um bilhete mágico de entrada na elite do Governo ou empresarial, [actualmente] a faculdade se tornou uma aposta cara para milhões de famílias com pouco dinheiro que descobrem que os diplomas de maior prestígio não garantem o sucesso em uma economia de mercado.
O número de graduados foi multiplicado por cinco nos últimos sete anos, para 4,1 milhões neste ano. Mas ao menos 60% desses estão tendo dificuldades para encontrar emprego, de acordo com a Comissão de Reforma e Desenvolvimento Nacional”.
Em resumo[:] o mito dos milhões de empregos que seriam gerados pela economia da “terceira onda”, da “era da informação” ou da “era do conhecimento”, agora se desfaz nas amargas realidades da “sociedade do desemprego”.
Como na “arcaica” e “burocrática” sociedade francesa, o Governo [chinês] está preocupado: “Um quadro crescente de cidadãos urbanos altamente educados e subempregados deve gerar alarme em Pequim, que sempre temeu a inquietação estudantil acima de qualquer outra forma de descontentamento social”.
Os dirigentes chineses seguiram o que vem sendo apregoado por toda [a] parte, inclusive no Brasil. Tanto que investiram maciçamente em educação superior: “Centenas de novas instituições foram fundadas, quase de um dia para o outro, para atender [a] milhões de novos estudantes e formar engenheiros, banqueiros, comerciantes e especialistas em marketing necessários para a economia em crescimento rápido, acreditava-se”.
É[,] acreditava-se. E ainda se acredita muito. No Brasil[,] por exemplo, releio um artigo da Folha de São Paulo do inicio do ano que traz o seguinte título: “Mestrado dobra renda do trabalhador”. Parece óbvio e até seria desnecessária uma leitura mais atenta[,] não é? Mas eu fiz isso, e descobri que o título é uma enorme farsa.
O que o artigo [da Folha de São Paulo] na realidade diz [é] o seguinte: “Apesar de a renda média de quem tem doutorado e mestrado ter caído 24% de 1995 a 2004, a distância que separa esses trabalhadores ultra-escolarizados dos que haviam parado de estudar após completar a Universidade aumentou no período. Em [19]95, a diferença na renda média entre os dois perfis de trabalhador era de 84,2%. Isso ocorreu porque os que tinham nível superior tiveram queda maior do que os com mestrado e doutorado (28,8%)”. (2)
Em outras palavras, os “ultra-escolarizados” não tiveram [a] sua renda “dobrada”. Apenas tiveram uma queda de renda um pouco menor! Seus salários perderam “apenas” um quarto do valor enquanto os pobres iletrados que “pararam de estudar” depois da faculdade, perderam quase um terço!
Mas para os trabalhadores de nível médio, a queda foi ainda maior, de 1995 a 2004, à perda foi de 35,8%. E aqui se evidencia nossa tão polêmica tese da “inflação” de qualificações como causa o “mito da escolaridade”, ou da falta dela, como causa do desemprego.
O artigo [da Folha de São Paulo] cita o economista Cláudio Dedecca[,] da Unicamp [Universidade de Campinas,] que é taxativo: “Mesmo no caso de uma vaga que não exige tanta qualificação, se a empresa, no processo de recrutamento, não faz exigências de escolaridade, vão aparecer 5.000 trabalhadores para disputar aquele emprego. Se ele [empregador] coloca a exigência de nível médio, a procura é menor, e o processo de escolha é mais simples e menos caro”.
Marcelo de Ávila, economista do Ipea [Instituto de Pesquisa Económica Aplicada], é ainda mais objetivo: “Se uma empresa dispensar um empregado com ensino médio, há 500 mil na fila com o mesmo nível ou até mais qualificados”. Depois dessa, fica difícil defender a tese de que o problema do Brasil é “falta de escolaridade”.
Como nos EUA, na França e até na China, o problema é simplesmente a falta de empregos, em qualquer nível de escolarização ou especialização. Os novos modos de produção simplesmente não geram empregos na medida em que a tecnologia os elimina.
Para completar, vamos ver o que Laerte Cordeiro, “Economista e Mestre em Administração de Empresas, com cursos de especialização em Recursos Humanos nas Universidades de Harvard e Stanford, nos Estados Unidos”, proprietário da “Laerte Cordeiro - Consultoria em recursos humanos”, aconselha para um profissional altamente qualificado a procura de emprego:
“Os meios tradicionais de busca de oportunidades de emprego como os anúncios de jornais, o contato com headhunters, a mala direta para empresas, a consulta aos portais de empregos, todos são úteis, mas perdem algum efeito, hoje em dia, porque concentram centenas ou milhares de candidatos que pelo número acabam se tornando anônimos”.
“O que sobra como caminho para quem procura emprego num nível executivo ou profissional sênior é buscar o apoio das pessoas que compõem seu network, para que se convertam em padrinhos proativos de sua candidatura no mercado. Quem fez o seu networking bem feito e, conseqüentemente, tem um network capaz de se engajar no esforço de divulgação de sua candidatura no mercado, certamente tem um diferencial significativo sobre os seus competidores que, atualmente, são muitos e qualificados.”
(3)
Em resumo, na opinião de quem de fato conhece o assunto, a diferença de verdade é o bom e velho “QI” ou Quem Indica. Aliás, essa era exatamente a opinião de um já idoso parente, um velho funcionário público, muito versado nesses assuntos. Só que ele usaria expressões bem menos elegantes (e todas em português) para esse tipo de coisa...
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Notas:
(1): “Graduados chineses fazem manifestação contra diplomas que julgam inadequados para buscar empregos”, por Joseph Kahn no «The New York Times» de 22/06/2006 [em: www.nytimes.com/2006/06/22/world/asia/22china.html].
(2): “Mestrado dobra renda do trabalhador”, por Antonio Góis e Pedro Soares na «Folha de S. Paulo» de 15/01/2006 [em: www.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u104260.shtml].
(3): “A Importância do Network de Relacionamento” por Laerte Cordeiro; disponível em: www.laertecordeiro.com.br/main.asp?var=080410.

1 comentário:

Nelson Fraga disse...

1) é algo perigoso defender-se a ideia/tese de que um diploma universitário [ou de qualquer outro nível de ensino] dê obrigatoriamente acesso a emprego às pessoas que o obtêm; pois (sem grande dificuldade) daí poderá derivar-se para a defesa de um ensino e de uma formação apenas (ou particularmente) direcionados para o adquirir de meras aptidões para funções práticas e de execução de tarefas e, seguidamente, para a defesa da "sacrossanta" empregabilidade, [nos dias de hoje] erigida a índice máximo de aferição da qualidade do ensino (em quaisquer dos seus níveis, mas ainda mais no universitário).
deve, evidentemente, haver a defesa do direito das pessoas a um emprego, mas isso sem depender de qual seja o diploma que se possua.

2) uma outra questão de alguma substância neste artigo é que (na China) se tomava a situação como estando «tudo bem» enquanto a faculdade-filial [de menor qualidade] dava diplomas com o "selo"/nome apenas da universidade-mãe [de qualidade renomada] mas que «tudo ficou muito mau» quando essa mesma faculdade-filial começa a ter nos seus diplomas os nomes (aglutinados) de ambas as instituições [a faculdade-filial e a universidade-mãe]. ou seja, tudo estaria muito bem enquanto se "aldrabavam" as pessoas com os diplomas da faculdade-filial a terem apenas o nome da universidade-mãe, quando esta pouco (ou mesmo nada) tinha de influência no ensino que era ministrado na faculdade-filial.

3) julgo nem valer a pena pronunciar-me por esse "crime" da massificação do ensino superior ter retirado a «passadeira vermelha» para se ascender à elite governativa (chinesa, neste caso), que antes acontecia com a frequência elitizada das Universidades.

4) considero ser absolutamente errado [e parvóice tremenda] perfilhar-se um pensamento neo-ludista, de ataque às novas tecnologias (da informação e comunicação, essencialmente) como sendo as grandes culpadas dos actuais níveis de desemprego.
só nos faltaria, agora em pleno século XXI, andarmos a partir computadores e outras máquinas (industriais e não só) para assim se gerarem mais empregos; sim, pois essas «malévolas novas tecnologias» vieram tirar muitos empregos...

5) sobre as "cunhas" também não me pronuncio, qualquer pessoa de boa formação as detesta e combate.