quarta-feira, outubro 25, 2006

«O Orçamento para o Ensino Superior», artigo de opinião de Pedro Lourtie no "Diário Económico"

As propostas que forem avançadas pela OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] certamente que irão incluir o aumento da comparticipação individual, nomeadamente através de empréstimos.
A redução dos orçamentos das instituições de Ensino Superior público [ocorrida no presente ano lectivo] não pode deixar de colocar na ordem do dia a questão do financiamento e do Orçamento que o Estado dedica ao Ensino Superior. Aliás, é uma questão que, com mais ou menos acuidade, não tem deixado de o estar [na ordem do dia] desde há anos. O crescimento da oferta de Ensino Superior público, sobretudo nas décadas de 80 e 90, teve um impacte financeiro que o Orçamento de Estado não acompanhou. Actualmente os problemas agudizam-se com o aumento do número de instituições que não preenchem as vagas [disponibilizadas] e a consequente redução nos [seus] orçamentos. O problema [do financiamento que o Estado dedica ao Ensino Superior Público] não pode continuar a ser tratado como se de uma questão conjuntural se tratasse e é, de facto, uma questão estrutural e de sustentabilidade do sistema, como na Segurança Social ou no Sistema de [Nacional] Saúde.
A pressão do controlo orçamental do Estado tem levado a que a verba que é consignada ao Ensino Superior no Orçamento de Estado seja insuficiente para atribuir às instituições públicas o orçamento resultante da aplicação da(s) fórmula(s) de financiamento e para financiar a Acção Social Escolar. Com a redução do número de alunos num número significativo de instituições [de Ensino Superior], resultam situações que, para 2007, põem em causa a sua solvabilidade financeira.
As instituições de Ensino Superior têm uma margem de manobra orçamental [própria] limitada. Uma parte substancial das suas despesas referem-se a salários, designadamente a salários de funcionários [e professores] que não podem alterar. A margem de manobra está essencialmente, no curto prazo, nos contratos de docentes equiparados ([no ensino] Politécnico) ou docentes convidados ([no ensino] Universitário) que poderão não ser renovados, o que está a acontecer sobretudo no Politécnico, e, a mais longo prazo, na não substituição de docentes que se aposentam, com as implicações que [isso] tem na distorção da composição por especialidades do corpo docente e no seu envelhecimento. Para além disso, as poupanças só poderão [ad]vir de [se] deixar de realizar outras actividades que não tenham financiamento exterior específico.
Com o orçamento [das instituições de Ensino Superior público] reduzido ao mínimo, admitindo que permite pagar [a totalidade dos] salários e as despesas fixas indispensáveis para manter a instituição a funcionar, é de esperar prejuízos na qualidade da sua prestação [de Ensino Superior], sobretudo gravosos quando se pretende introduzir as reformas que o Processo de Bolonha deveria implicar.
Com esta rigidez orçamental, a sobrevivência das instituições [de Ensino Superior público] depende de uma de duas coisas: o aumento da parte do Orçamento de Estado consagrada ao Ensino Superior ou o aumento das receitas próprias [das instituições (entenda-se: propinas, principalmente)].
Há uma terceira hipótese para equilibrar as contas [das transferências do Orçamento de Estado para o Ensino Superior] que é a redução do sector público de Ensino Superior, designadamente através do encerramento de escolas. De qualquer forma, é cada vez mais difícil tentar manter o actual estado de coisas e uma aparência de normalidade, sem resolver a questão do financiamento do Ensino Superior [público]. E esta é uma questão política, por mais estudos técnicos que se possam e devam fazer.
Aumentar a verba dedicada ao Ensino Superior no Orçamento de Estado implica reduzir [custos/despesas] noutros sectores e/ou aumentar as receitas do Estado, ou seja, os impostos. Aumentar as receitas próprias da função Ensino, [pre]supõe o aumento das propinas e ultrapassar a barreira constitucional [da progressiva gratuitidade do Ensino para tod@s]. Encerrar escolas implica ter soluções para os respectivos funcionários. Nenhuma das soluções se apresenta como sendo fácil de implementar.
O trabalho da OCDE sobre o sistema de Ensino Superior português, por encomenda do Governo, não deixará de abordar estas questões. As propostas que forem avançadas, por mais que sejam tecnicamente sustentadas, serão políticas e, partindo das opções que a OCDE usualmente assume, certamente que irão incluir o aumento da comparticipação individual para o financiamento [do Ensino Superior público], nomeadamente através de empréstimos a serem reembolsados após a conclusão da formação, em prestações dependentes do rendimento auferido. Uma medida que só terá efeitos de alívio financeiro a prazo.
Também é de esperar que [esse trabalho da OCDE para o Governo] proponha o encerramento ou a fusão de escolas. Se tal não implicar a redução da capacidade do sistema [de Ensino Superior] público como um todo, embora possam resultar benefícios na qualidade pela criação de massas críticas melhor dimensionadas, os efeitos orçamentais são reduzidos.
Uma coisa é certa: andar a discutir nas margens do problema [orçamental e de financimento do Ensino Superior público] não o resolve. É necessário discutir o assunto abertamente e sem tabus, pondo as diversas opções em cima da mesa e fazendo escolhas políticas. Neste artigo procurei abordar as questões de forma objectiva, sem exprimir as minhas posições, reservando-as para artigos futuros.
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Pedro Lourtie, é professor do Instituto Superior Técnico, membro do CRISES (Colectivo para a Reflexão e Intervenção Sobre o Ensino Superior) e foi o representante português do Follow Up Group europeu do Processo de Bolonha, tendo sido também um dos responsáveis pela Declaração de Bolonha e, posteriormente, pelo relatório da Conferência Ministerial de Praga (em 2001) sobre o Processo de Bolonha.

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