Como muitíssimas outras pessoas, o Zezinho quase não lê, ouve. E os ouvidos atraiçoam-nos mais do que os olhos, como os Romanos já haviam descoberto, ao estabelecer que "as palavras faladas voam, as [palavras] escritas permanecem". Não admira, portanto, que, ao chegar a casa, tenha exclamado:
"Hoje, na Rádio e na TV, só se falava no acordo que Portugal estabeleceu com o Emaiti. É aquela ilha muito bonita que fica no Pacífico, não é?".
"Não, meu tolo! -- respondeu o pai --. Essa é Taiti. O Emaiti fica nas Caraíbas".
"Ignorantes! -- interveio a mãe --. Essa é o Haiti. O Emaiti fica...".
Aqui chegada, a família inteira precipitou-se sobre um Atlas à procura do país com que Portugal assinara um importantíssimo acordo.
A culpa não é do Zezinho, nem dos seus pais, é dos órgãos de comunicação social áudio que preferem a pronúncia anglo-saxónica dos fonemas à pronúncia nacional. Hoje, é de sumo bom gosto dizer-se, não FBI [Federal Bureau of Investigation], mas Efe Bi Ai, ou Ci Ai Ei, em vez de CIA [Central Intelligence Agency]. A isto chama-se colonização cultural (um dos sinais da colonização, «tout court», era o facto de os indígenas passarem a vestir-se como os seus conquistadores).
Todavia, isso passa para segundo plano se levarmos em linha de conta que, como disse o Pi Eme (ou seja, primeiro-ministro), o protocolo assinado com o Eme I Tê, ou MIT [Massachusetts Institute of Technology], em português, pode contribuir para que, sabe-se lá quando, "aceitemos comparar-nos com os melhores". Como, por sua vez, o Pi Ar (leia-se, Presidente da República) aludiu a que estávamos "no caminho da excelência", Portugal inteiro concordará, espero, com a medida, triunfalmente anunciada por José Sócrates, de que o Governo reforçara em 64% o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Falta agora explicar-lhe [ao Zezinho e a Portugal inteiro] por que foram feitos cortes nos restantes ministérios, nomeadamente os que têm a ver com investimentos públicos e despesas sociais. Mas, em vias de atingir a excelência científica e tecnológica, é possível que o país já compreenda isso tudo. E até é possível que o Zezinho acabe por descobrir onde fica o misterioso Emaiti de que o Governo tanto espera...
[Texto de opinião de Sérgio de Andrade, jornalista do «Jornal de Notícias».]
terça-feira, outubro 17, 2006
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