quinta-feira, novembro 02, 2006

«A confusão [do Processo] de Bolonha»

O próprio [Pedro Lourtie] presidente do grupo dinamizador do processo de Bolonha [em Portugal] nunca foi [sequer] recebido pelo ministro responsável [pelo Ensino Superior].
O chamado processo de Bolonha é uma imposição burocrática que visa tornar compatíveis entre si os sistemas de Ensino Superior dos Estados europeus e permitir – alegam os Governos – a
mobilidade académica e profissional
. Mas este processo [de Bolonha] é inútil. Como sabem todos aqueles que estão dentro do Ensino Superior, o facto de não existir até agora essa compatibilização [europeia] dos sistemas [de Ensino Superior] nunca impediu os interessados de tirar cursos de graduação ou pós-graduação noutros países, de dar aulas nesses países, de ter projectos de investigação internacionais, etc. Também não é a falta de compatibilidade dos sistemas [de Ensino Superior na Europa] que impede os interessados de encontrar trabalho no estrangeiro. Os obstáculos à mobilidade sempre foram os [problemas] do desconhecimento da língua e das características próprias dos outros países e, sobretudo, a preferência que os países dão aos seus nacionais no acesso à educação e ao trabalho. Nada disso mudará com [a implementação do processo de] Bolonha.

Apesar da óbvia inutilidade do processo [de Bolonha], ele tem ocupado os dias (as semanas, os meses...) dos universitários. Em vez de se dedicarem a investigar e a ensinar, os professores universitários por esse país fora – incluindo eu próprio – têm passado o tempo em reuniões tão prolongadas quanto inúteis para ajustar as licenciaturas e os mestrados oferecidos pelas suas Universidades aos requisitos [do processo] de Bolonha. Um dos requisitos tem a ver com a duração dos graus. A maior parte das formações [seguindo os cânones do processo de Bolonha] terá de optar entre dois modelos alternativos: 3+2 anos, ou 4+1 (ou 1,5), correspondendo o primeiro algarismo de cada soma à [duração da] licenciatura e o outro ao [tempo curricular do] mestrado.

Uma vez que o próprio processo de Bolonha é imposto e não opcional, esperava-se uma definição destas durações [dos graus de formação] pela tutela. Mas, como veio a público este fim-de-semana, o próprio [Pedro Lourtie] presidente do grupo dinamizador do processo [de Bolonha em Portugal] nunca foi recebido pelo ministro responsável [pelo Ensino Superior] e até desconhece se a sua nomeação para o cargo é oficial. No meio deste caos, as Universidades têm estado a trabalhar na reestruturação dos cursos em função dos dois modelos. Numa semana consta que vencerá um deles, na semana seguinte diz-se que é o outro [modelo] que vingará. Numa área prefere-se o primeiro, noutra escolhe-se o segundo. Numa Universidade opta-se por um modelo, na outra elege-se o modelo alternativo.

A partir do próximo ano [lectivo] teremos, por exemplo, a Universidade [Clássica] de Lisboa a oferecer licenciaturas de três anos, nominalmente iguais às [licenciaturas] que na Universidade do Porto são de quatro anos. Se um estudante for [da Universidade] de Lisboa para [a Universidade d]o Porto com uma licenciatura de três anos será admitido num mestrado ao qual concorrem licenciados de quatro anos? Nos mestrados colocam-se problemas idênticos. Um estudante que fez um mestrado de um ano e meio n[a Universidade d]o Porto terá equivalência a esse grau numa universidade de Lisboa em que ele dura pelo menos dois anos (por exemplo para seguir para doutoramento)? É claro que se poderia ultrapassar formalmente estes problemas com o sistema de créditos [ECTS]. Bastaria atribuir [às licenciaturas] em três anos os mesmos créditos que outros fazem em [licenciaturas de] quatro [anos]. Mas, nesse caso, tal sistema configuraria uma fraude uma vez que, por muitas voltas que se dê, 3 anos de frequência universitária nunca serão o mesmo que 4 [anos] e 2 [anos] nunca serão o mesmo do que 1 [ano]. A situação é curiosa: um processo [de Bolonha] que visava tornar compatível o nosso sistema [de Ensino Superior] com o exterior pode acabar por criar incompatibilidades a nível interno.

Para além de todo este imbróglio, coloca-se a questão de saber qual a duração dos graus [de formação Superior] mais adequada para o nosso país. Parece-me óbvio que é o 4[anos]+1 (ou 1,5). Por um lado, os nossos mestrados são demasiado longos e pesados em relação à prática internacional e isso, efectivamente, penaliza os estudantes portugueses. Faria sentido encurtar os mestrados para um ano ou um ano e meio [de duração]. Por outro lado, as licenciaturas de quatro anos estão adequadas ao facto de o ensino básico e secundário entre nós ser de 12 anos. Nos países que têm licenciaturas ou graus equivalentes de três anos [de duração,] os estudantes têm um percurso prévio de 13 anos [no ensino básico e secundário]. Se nós passarmos a ter licenciaturas de três anos estaremos a formar os graduados menos qualificados do espaço europeu.
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João Cardoso Rosas é professor universitário de Teoria Política na Universidade do Minho e publicou o presente artigo de opinião («A confusão de Bolonha») no «Diário Económico», a 20 de Dezembro de 2005.

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