A fórmula de gestão não é neutra e a tentação de a reduzir ao modelo empresarial clássico revela desconhecimento dos objectivos e da missão da estrutura sobre a qual se quer aplicar: as Universidades.O relatório da OCDE (sobre a avaliação do sistema de Ensino Superior), pela sua qualidade e profundidade, marca um ponto importante nos contributos para a reorganização do Ensino Superior. E marca igualmente um maior equilíbrio entre as responsabilidades das instituições e as do poder político. De facto, tendo o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) proposto este tipo de avaliação por entidade credível externa, a decisão política de a mandar executar corresponde à reposição das respectivas competências nos termos legais.
Como é obrigação dos que se habituaram ao livre debate de ideias e à busca com rigor da verdade relativa, a qualidade deste trabalho não o isenta de uma avaliação crítica.
Considero que a questão (e o modelo) da gestão das Universidades assume-se como a chave (mais política do que técnica) do modelo de afectação de recursos, do seu uso eficiente e da produção de resultados.
As Universidades têm uma missão determinada constitucionalmente. Não se trata de uma mera figura de retórica. E também não é, do meu ponto de vista, uma questão meramente ideológica. Trata-se duma avaliação do custo de oportunidade do investimento realizado na qualificação dos recursos humanos e na produção de novos conhecimentos, atrevendo-me mesmo a incluir esta questão na afirmação da soberania nacional. É por isso que o país deve exigir mais das Universidades.
A visão conservadora olha para as Universidades como meras fábricas de diplomas. Aliás, se assim fosse, entraríamos num ciclo com efeito multiplicador no retrocesso do conhecimento, ou pelo menos na endogamia do processo criativo. É para criar condições de ambiente de livre criação, sem constrangimentos políticos, ideológicos ou comerciais, mas com condicionalismos de ordem ética, que se deve falar de autonomia Universitária. Nas suas componentes científica e pedagógica, esta autonomia encontra a sua verdadeira razão de ser; as autonomias estatutária, administrativa e financeira são apenas operacionais e não nucleares. Em consequência, a gestão Universitária não se limita ao nível operacional, mas também ao nível da produção pedagógica e científica e de transferência de conhecimentos para o sector produtivo. O modelo de gestão não é assim neutro, e a tentação de o reduzir ao modelo empresarial clássico revela desconhecimento dos objectivos e da missão da estrutura sobre a qual se quer aplicar tal modelo. Já é diferente a perspectiva de utilizar métodos e técnicas de gestão empresarial na gestão operacional das Universidades.
O estabelecimento dos níveis de decisão e da indicação dos dirigentes para esses níveis deve ser visto na mesma perspectiva da missão específica das Universidades. Os Reitores e os Directores das unidades orgânicas devem ser pessoas competentes e com capacidade para gerir instituições complexas como são as Universidades. Podemos mesmo admitir, como em certos países, um sistema dual de gestão, separando a gestão académica da administrativa e financeira. Com as devidas diferenças, o que hoje se pratica com algumas empresas (existência de um «chairman» do Conselho de Administração e um «CEO») traduz preocupações do mesmo tipo.
Neste sentido, a nomeação do Reitor e mesmo dos Directores das unidades orgânicas, em vez da eleição, não pode ser desenquadrada da questão da autonomia Universitária. Qualquer processo alternativo de nomeação tem de salvaguardar a tentação do controlo político-ideológico das Universidades. Porque o que está em causa não é um mero estatuto profissional, mas a própria produtividade pedagógica e científica dos centros de conhecimento e inovação de que o país precisa.
Uma pergunta final, para repor um pouco a justiça sobre o contributo das Universidades para o desenvolvimento do país: o progresso científico e tecnológico, o avanço em termos de inovação no tecido económico, foi feita onde e por quem?
A minha resposta é que muito de bom foi feito no sistema de Ensino Superior português, o qual possui hoje potencialidades que permitem dar muito mais à sociedade e à economia. Aqui temos sim uma semelhança em relação à realidade empresarial. Assim como as empresas portuguesas, apesar do sucesso em muitos sectores, têm de enfrentar o desafio do aumento contínuo e persistente da produtividade, também as Universidades têm de redefinir o modelo de organização interno e de relacionamento com a sociedade. Também por aqui passará o incremento da sua produtividade específica. Por isso, o sentido da exigência e da responsabilização é a chave principal das grandes transformações que as instituições integrantes deste sistema sempre defenderam, apesar do pouco eco nas instâncias do poder político. Saúda-se por isto este acordar promissor que se espera que transforme em realidade o sonho de construir mais e melhor.
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Adriano Pimpão é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, instituição da qual já foi Reitor; o seu presente artigo de opinião foi publicado no jornal «Público» do passado sábado [dia 23].
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