O dia 22 de Novembro de 2006 ficará na memória de muitos como aquele em que se deu a conhecer publicamente as fraquezas do nosso sistema de avaliação do Ensino Superior.
Sempre afirmei que foi uma iniciativa positiva, que se impunha ao fim de dez anos de trabalho, e apoiei publicamente o ministro por isso. Esperava o alarido que se fez sobre o que escreveram e disseram os peritos estrangeiros. Esperava, também, que os aspectos positivos apresentados nesse relatório fossem negligenciados por quem só gosta de apontar o que está, ou esteve, mal. Sabia que pouca gente alguma vez se daria ao trabalho de ler o relatório de auto-avaliação elaborado e que serviu de base ao trabalho dos peritos (devo ressalvar o artigo de Isabel Leiria no PÚBLICO, isento e que demonstrava estudo). Tinha consciência de que todo o trabalho crítico e autocrítico publicado pelo Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES) havia sido ignorado pela maioria daqueles que rejubilam com o que dizem os peritos estrangeiros, sem que se dessem ao cuidado de verificar que, felizmente, o que estes disseram já havia sido dito e escrito por portugueses.
Uma leitura das obras recentes de autores como Veiga Simão, Machado dos Santos e Almeida e Costa demonstraria à saciedade a consciência que existe do que vai mal e, também, do que vai menos-mal. E uma leitura da publicação «CNAVES (2006) Avaliação - Contributos para a Reformulação» mostraria a clara consciência do que não ia mesmo bem, como uma leitura do relatório de auto-avaliação mostraria que os peritos validaram aquilo que já se sabia.
Na referida publicação do CNAVES pode ler-se:
1) Se, por um lado, se detectou, através de relatórios de progresso e ao longo do segundo ciclo de avaliação, que muitas instituições deram seguimento às recomendações das comissões de avaliação externa, não deixa de ser constrangedor o silêncio do ministério da tutela e a displicência com que tratou os resultados. O argumento, muitas vezes ouvido, de que os relatórios não eram suficientemente conclusivos (houve até quem lhes chamasse "redondos"!), não resiste a uma leitura atenta. A questão que se pode pôr é se alguma vez eles foram devidamente analisados e tomados a sério. Tudo leva a crer que não, e é pena. Um tão grande investimento deveria ter sido levado a sério por quem tem a responsabilidade de dar contas da aplicação dos dinheiros públicos. Entretanto, a sociedade foi mantida à margem do processo, passando-se a imagem de que a avaliação em Portugal não existia ou era uma actividade pouco transparente.
2) Embora a situação [da internacionalização] tenha melhorado substancialmente no segundo ciclo, este assunto merece ser olhado com a devida seriedade, dada a necessidade de garantir a continuação do reconhecimento internacional dos nossos processos, agora no âmbito mais geral do espaço europeu do ensino superior, seguindo os critérios propostos pela ENQA e aceites pelos ministros responsáveis pelo Ensino Superior, em Bergen, em Maio de 2005. O baixo número de estrangeiros (embora maior durante o segundo ciclo) tem diversas origens, sendo de salientar duas: as limitações orçamentais e o facto de a maioria das instituições exigirem que a avaliação seja realizada em língua portuguesa (no que estão protegidas pela lei). Este último facto acrescenta mais uma "deficiência" no processo: encontramo-nos limitados a convidar peritos que entendem a língua portuguesa, sendo, portanto, maioritários os brasileiros e os falantes da língua castelhana. (...) As decisões não podem, nem devem tardar. O que não parece razoável é tentar reduzir a internacionalização à exigência, manifestada por algumas pessoas, de as comissões de avaliação externa serem exclusivamente constituídas por estrangeiros.
3) A participação de peritos da sociedade civil foi uma das preocupações de quem dirigiu o primeiro ciclo e, naturalmente, continuou no segundo ciclo, como se demonstrará. (...) Será desejável uma profunda alteração para futuro. Tal, porém só terá expressão a partir do momento em que cada comissão de visita (normalmente constituída por quatro pessoas) só tenha um universitário português [curiosamente esta proposta é retomada pelos peritos]. Desse modo, poderá aumentar-se a participação de peritos externos e de peritos estrangeiros, com vantagem.
4) Este é um assunto [a propósito da preparação técnica dos avaliadores] que importa ser abordado prioritariamente, a bem do sucesso de qualquer processo de avaliação. Não parece possível continuar a aceitar certos comportamentos nem relatórios "pobres" ou inconsequentes que só contribuem para desacreditar a avaliação.
No relatório de auto-avaliação resumem-se, nas conclusões, os pontos fracos. Não merece a pena ser exaustivo, mas vale a pena referir alguns aspectos:
1) A complexidade da estrutura organizacional dificulta a eficiência e dilui as responsabilidades. (...) Estão criadas as condições para uma estrutura mais operacional e eficiente, sem pôr em causa o modelo contratual.
2) Como consequência da estrutura organizacional, o apoio técnico e administrativo está fragmentado em vários secretariados de pouca consistência. (...) O orçamento global é significativo, mas a sua divisão por cinco entidades não permite a existência de uma massa crítica em nenhum dos secretariados.
3) A dificuldade em estabelecer um processo apropriado de acompanhamento [é uma fraqueza]. É quase inexistente.
4) A total omissão no que respeita às consequências a partir dos resultados da avaliação, nos termos da lei [nos vários níveis de responsabilidade], bem como a paralisia do ministério em relação à avaliação dos resultados [é outra fraqueza].
5) Não foram tomadas atitudes nos poucos casos de recusa de uma instituição se submeter à avaliação.
6) Como consequência de tantas omissões, a imagem do sistema de avaliação está deteriorado aos olhos da opinião pública.
Há um ponto de discórdia com os peritos no que respeita ao modo como fazem as observações sobre a independência das comissões de avaliação, mas não é uma profunda discórdia.
Seria então necessária a avaliação externa se o diagnóstico estava feito, e veio, na sua maioria, a ser confirmado pelos peritos? Pessoalmente considero que foi da máxima importância. Uma auto-avaliação deve ser sempre validada, ou não, por pessoas externas ao sistema e, por isso é de louvar a iniciativa.
Porém, o que acho incompreensível é tentar-se fazer do CNAVES o bode expiatório de erros acumulados que poderiam ter sido evitados pelo poder político. Com todas as deficiências conhecidas e reconhecidas, o CNAVES cumpriu a lei da República. Poderia ter sido mais "pró-activo" e não foi. Mas quando o foi, ninguém o ouviu.
É, por isso, chocante assistir, sem protestar, à sua crucificação por quem nem sequer se deu ao trabalho de estudar o assunto. Foi bom que o público soubesse o que foi feito, e não feito, com o dinheiro dos seus impostos. Também seria bom que todos os envolvidos não sacudissem a água do capote e deixassem de apontar todos os erros a quem só tem responsabilidade em parte deles.
A tudo isto acresce que, em especial, os membros do CNAVES nomeados pelo Governo, por mandatos de cinco anos, estiveram a fazer um serviço pelo qual deveriam ser reconhecidos, e não humilhados.
Bem pode o Governo tentar fazer passar a ideia de que a avaliação deve ser uma das componentes essenciais de uma sociedade moderna. Nada conseguirá, enquanto a mentalidade que prevalecer é considerar-se uma avaliação como o encontrar de um culpado do que está mal, em vez de tirar as lições para o futuro. Ou será que tudo não passa de um equívoco?
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Virgílio Meira Soares é presidente do Conselho de Avaliação da Fundação das Universidades Portuguesas, é professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi Reitor da Universidade de Lisboa (de 1986 a 1998), sendo membro da Direcção do Centro de Investigação de Políticas de Ensino Superior (CIPES), desde a sua fundação. O presente artigo de opinião da autoria de Virgílio Meira Soares foi publicado no jornal «Público» de hoje [21 de Dezembro].
quinta-feira, dezembro 21, 2006
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