quarta-feira, dezembro 13, 2006

[Processo de] Bolonha e o [nosso] atraso

Guiseppe di Lampedusa, em “«O Leopardo»”, já dizia que “para que tudo fique na mesma, alguma coisa tem que mudar”. O mote certo para o processo de Bolonha.
[A implementação no sistema de Ensino Superior português da Declaração de] Bolonha não passará de uma operação cosmética e semi-financeira. Cosmética, porque consistiu numa redução artificial da duração dos cursos, mas só aplicável àqueles que não têm Ordens profissionais ou requisitos especiais para entrada no mercado de trabalho (não englobando áreas fundamentais como Arquitectura, Direito, Engenharias, Economia, Gestão, Medicina, etc.) e semi-financeira porque vai permitir que o Estado poupe alguns tostões naqueles cursos reduzidos para três anos e em que não é necessário o mestrado para entrada no mercado de trabalho (creio que Letras e pouco mais). Portanto, como escreveu Giuseppe di Lampedusa «“se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi»”. E, assim foi, [o processo de] Bolonha ocupou os espíritos, a reforma profunda da Universidade passou e tudo ficou na mesma.
A reforma do financiamento e da organização das Universidades que tinha sido começada (timidamente) por Pedro Lynce, parou. Agora, aparentemente, só será possível dentro de uma reorganização das funções e actividades do Estado. É verdade que o Governo [de José] Sócrates está a encetar tal reforma, mas a perspectiva é "blairista" ou de "terceira via". Está a tentar remendar o Estado Social com algumas medidas de eficiência e poupança. Mas, como em Portugal não houve "revolução-“Thatcher”", os "paliativos-Socráticos" serão ineficazes. Por outro lado, Marques Mendes tem os seus movimentos tolhidos pelos três conservadores de esquerda que dominam o PSD: [Aníbal] Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa e Manuela Ferreira Leite, pelo que daí também não virá grande reforma. Finalmente, também não se espere muito de Paulo Portas que nunca apresentou um pensamento profundo e estruturado sobre nada. Assim, pelo exposto espera-se que a Universidade portuguesa continue atrasada e com problemas.
A reforma necessária é conhecida e já foi exposta várias vezes. Os seus pilares são a competição, escolha e flexibilidade. As Universidades devem-se organizar de forma autónoma de acordo com a sua missão e objectivos. O Estado deverá financiar os cidadãos e não as instituições através do "voucher" ou cheque-ensino. Com tal comportamento mantém o compromisso social e político com a Educação, mas não cria e alimenta instituições elefantinas e ineficazes que, geralmente, só contribuem para a manutenção dos que vivem à custa delas e para a ampliação dos seus benefícios. Pelo contrário, com o "voucher" e a autonomia de gestão entrariam em concorrência e com isso algumas exceder-se-iam. Aliás este devia ser o sentido genérico da dita reforma do Estado Social. Um Estado virado para o cidadão, dando-lhe liberdade de escolha, deixando de ser provedor e passando a ser financiador, colocando as instituições, fossem educativas, de saúde ou outras, em concorrência. Cabendo ao Estado um papel fiscalizador, uma vez que como referiu Isaiah Berlin: «“the liberty to wolves is death to lambs”».
Assim, arrumadinha [a Declaração] Bolonha, há que pegar nas bandeiras reais e começar a luta pela Revolução no Ensino Superior.
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Rui Verde é vice-reitor da Universidade Independente e (desde o presente ano) também presidente do Conselho de Administração da SIDES SA, entidade instituidora da Universidade Independente, escreveu o presente artigo de opinião publicado no «Diário Económico» a 23 de Maio de 2006.
Aconselha-se, ainda, a leitura dum outro (anterior) artigo de opinião de Rui Verde: "ANO ZERO. No balanço de mais um ano a questão pertinente é a seguinte: o que fez o Ministério do Ensino Superior? Creio que a resposta é nada.", publicado no «Diário Económico» a 3 de Janeiro de 2006.

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