Fernando Seabra Santos [(re)candidato único para as eleições à Reitoria da Universidade de Coimbra]: «Portugal vai entrar em Bolonha “com pés de barro”.»
DIÁRIO «AS BEIRAS» - Como é que Universidade de Coimbra vai viver os próximos anos com as restrições orçamentais anunciadas?
Seabra Santos - Vai viver como viveu nos últimos quatro anos que foram, também, anos difíceis no plano orçamental. É evidente que faríamos melhor o nosso trabalho com um envolvimento mais forte do Estado e com um investimento [público] mais dilatado, mas o essencial é conseguirmos dar conta dos nossos objectivos e cumprir a nossa missão. No essencial, as coisas não devem ser postas em causa com este momento mais difícil ao nível do orçamento de 2007 e, previsivelmente, dos anos posteriores.
- Tem referido que as Universidades são das mais bem geridas da Administração Pública...
- Tenho a convicção de que as Universidades portuguesas são, entre os vários sectores da Administração Pública, aquelas que apresentam um índice de gestão de melhor qualidade. Não apresentamos, como em muitas outras áreas da Administração, exemplos de défices, de derrapagens ou de dinheiros jogados de forma incorrecta ou irregular... Basta olhar para os jornais para nos apercebermos de variadíssimos exemplos noutros sectores [da Administração Pública], mas não tem sido fácil encontrar exemplos de má gestão nas Universidades.
- Porque é que diz que Portugal vai entrar no Espaço Europeu de Ensino Superior com pés de barro?
- Pela forma como o processo de Bolonha foi conduzido em Portugal. Os Governos de alguns [outros] países, como a Espanha e a Itália, conduziram o processo [de implementação] de uma forma muito mais articulada e coerente do que o nosso. Não sei se por opção política própria, se por outras razões, o nosso Governo preferiu preparar e fazer passar leis de enquadramento da transição para [o modelo de ensino de] Bolonha que permitem incoerências nacionais que são de todo incompreensíveis, não aproveitando o trabalho que vinha de trás e deixando à individualidade de cada instituição [de Ensino Superior] a definição dos seus próprios formatos. O que eu critico neste processo [de implementação] é que ele não tenha sido conduzido de forma mais articulada no todo nacional e que tenha permitido que Universidades de referência possam, agora, apresentar soluções muito diferentes em matérias que seria fundamental que tivessem sido mais bem consolidadas. A expressão dos “pés de barro”, surge também pela forma apressada e precipitada como algumas instituições de Ensino Superior apresentaram as suas adequações [ao processo de Bolonha] durante o mês de Março de 2006. Mas também pela forma como, ainda hoje, discutimos sem saber as indicações da tutela sobre o financiamento do 2º ciclo [de estudos], sobre a forma como poderão ser adequados ou integrados os actuais cursos de mestrado e que terão que ser, na sua maioria, integrados sob a forma de programas de doutoramento, ou pior, ter que se constituir um quarto grau que não está previsto na lei. São detalhes, mas teria sido possível fazer melhor, se tivéssemos feito como a Espanha ou a Itália, desde logo definindo um número pequeno de definições no 1º ciclo, discutindo com as Universidades quem é que estava em condições para leccionar cada uma dessas licenciaturas e partindo daí para formatar cada uma delas e para criar um sistema minimamente coerente.
- Tem sido fácil lidar com a tutela?
- Tem sido fácil nalgumas coisas. Noutras menos. Tem sido relativamente decepcionante a falta de sensibilidade que encontramos relativamente a questões que constituem a agenda das nossas Universidades. Dá a ideia que o senhor ministro tem uma agenda própria e que não está interessado em discutir senão aquilo que está na sua agenda. Lamento que o modelo de financiamento proposto pelas Universidades não tenha sido tido em consideração. Se tivesse sido, possivelmente, não tínhamos agora uma situação tão difícil, muito embora em termos de «plafond» não haja nenhuma fórmula que substitua a vontade ou a decisão de diminuir o financiamento. Não compreendo a decisão, no plano político, de estrangular financeiramente as Universidades. Lamento alguma dificuldade em olhar para os detalhes. O senhor ministro tem dificuldade em lidar com os detalhes e suponho que foi Einstein que disse que o Diabo se esconde atrás dos detalhes. O que é difícil, de facto, é resolver as coisas pequenas. Lamento que muitas vezes não haja a sensibilidade para isso.
- Diz que não se deve aumentar as propinas e defende um reforço do orçamento anual do sistema de Acção Social. Há ainda muitos alunos que são impedidos de estudar por questões financeiras?
- Os números dizem que Portugal é dos países onde a Acção Social é mais deficitária a nível europeu. A própria OCDE desaconselha, também, o aumento das propinas e procura propor outras formas de financiamento do Ensino Superior. Estamos com níveis de investimento no Ensino Superior muito inferiores à Europa.
Depois há aquilo que cada Universidade consegue fazer com o esforço público. E aquilo que cada Universidade pode comprar com aquilo que o Estado lhe dá é, por cada estudante, cerca de metade daquilo que cada Universidade europeia pode comprar: 4.300 euros em Portugal (em média) por estudante, contra os oito mil euros na Europa a 25 e nove mil na Europa a 15. Temos que compreender que com estes recursos não podemos ir muito longe.
Portugal é dos país da UE onde as propinas são mais elevadas e dos países em que a Acção Social é mais ineficiente. Do conjunto destas duas coisas temos que reconhecer que há famílias que têm muita dificuldade em manter os seus filhos na Universidade e, em alguns casos, muitas nem sequer podem ambicionar, um dia, poder ter lá os seus filhos. É uma questão que me preocupa porque um país como o nosso não se pode dar ao luxo de excluir do Ensino Superior uma parte da sua população por razões de natureza económica.
RECOMENDAÇÕES - “Compete à OCDE dar opiniões isentas”
- Que comentário lhe merecem as recomendações do relatório da OCDE?
- Em primeiro lugar, penso que é possível dizermos que se percebe o «background» dos membros da comissão que o realizaram. São pessoas provenientes de países da «Commonwealth» e da Europa do Norte, que transportam com elas as suas experiências próprias. Penso que, nesse aspecto, o esforço que tentaram fazer de se adaptar a uma realidade diferente não será sido completamente conseguido.
Em segundo lugar, penso ser nítido que o «template» vinha relativamente preparado e que as conversas que os membros da OCDE mantiveram com os agentes do Ensino Superior português foram mais no sentido de aproveitar alguns dos argumentos para confortar ideias pré-concebidas.
Em terceiro lugar, penso que o facto de a OCDE ter raciocinado em função das opções políticas do Governo português em matéria de financiamento é um pouco incompreensível. Compete à OCDE dar opiniões isentas e independentes e não, propriamente, reflectir sobre opções políticas de Governos. Refiro-me, por exemplo, à opção do Governo português de não aumentar o financiamento das Universidades portuguesas. É uma opção política que é injustificada e que a OCDE entende como ponto de partida para uma série de propostas que são limitadas por esse pressuposto inicial. Do meu ponto de vista, a OCDE não tem que partir desse pressuposto. É, de certa forma incompreensível, como é que se baseia um discurso político sobre o desenvolvimento do país no aumento das habilitações da população activa e na necessidade de procedermos a uma formação aprofundada a nível superior e, ao mesmo tempo, acompanhar essa reflexão com a decisão de não só não aumentar o investimento no Ensino Superior como o diminuir substancialmente. Depois, no detalhe, a OCDE pronuncia-se sobre a dualidade do sistema e na necessidade de a manter, sobre a organização das instituições e a forma de a melhorar, sobre um sem número de conceitos e problemas que atravessam o sistema. Fica-se com a sensação que a OCDE entende que Portugal já perdeu a luta pela garantia de um Ensino Superior de qualidade ao nível dos 2º e 3º ciclos. Fica-se com a ideia que a OCDE acompanha a vontade de que esses níveis de formação fiquem mais ao menos fora do nosso alcance e encerrados em instituições de outros paises, o que é, também, um pouco incompreensível.
Não é um relatório independente?
- É, seguramente, um relatório condicionado pelo «background», pela opinião, pela experiência das pessoas que constituem a Comissão.
Pode ler-se a entrevista a Seabra Santos na íntegra no diário «As Beiras».
sábado, janeiro 13, 2007
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário