É preciso ir mais além do que as recomendações dos avaliadores da OCDE: não há, no relatório, nenhuma menção explícita à necessidade de criar uma Universidade de investigação em Portugal.Guiados pela estrelinha da globalização, quais reis magos transfigurados, os avaliadores da OCDE trouxeram de presente às Universidades e Politécnicos seis dezenas de recomendações quanto ao caminho a seguir para prepararem o futuro [do Ensino Superior em Portugal] (relatório disponível em www.mctes.pt). Ou seja, ofereceram dez recomendações per capita, muito mais do que os reis magos, evidentemente, porque os tempos se querem de uma outra eficiência. Porém, no pacote não se vislumbra nem ouro, nem incenso, nem mirra.
Não é a primeira vez que o País recorre às avaliações da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] como instrumento de reorganização e de reforma institucional. Recordo-me, em particular, das duas avaliações que o Governo solicitou à OCDE sobre a situação do sistema científico e tecnológico português e as suas perspectivas quanto ao futuro. Os seus resultados foram publicados, respectivamente, em 1986 e 1993. O que os avaliadores da OCDE de então recomendaram de essencial foi o seguinte: (1) a estratégia nacional [para a ciência e tecnologia] parece precisar de mais coerência, quer em termos financeiros quer administrativos; e (2) a actividade do sistema científico e tecnológico [português] está a ser financiada substancialmente pela Comunidade Europeia (a União Europeia de então), o que provocará dificuldades em termos do seu planeamento e estabilidade futuros. Todos o sabiam (ou passaram a saber), mas o sistema continuou na mesma, até hoje.
Esperemos que igual sorte não tenha esta avaliação. Primeiro, porque o Ensino Superior é uma pedra essencial da estabilidade da sociedade portuguesa no confronto comercial e político trazido pela nova ordem da globalização. Segundo, porque agora todos sabemos que é preciso preparar um outro futuro para o sistema do Ensino Superior, que não esteja radicado apenas nos pressupostos da modernização industrial do século passado.
Em terceiro lugar, porque é preciso ir mais além do que as recomendações dos avaliadores da OCDE: não há, no relatório, nenhuma menção explícita à necessidade de criar uma Universidade de investigação («Research University») em Portugal. Bem sabemos como as Universidades de investigação americanas, e as suas émulas europeias, têm um papel determinante na atracção dos recursos humanos qualificados que constroem a sociedade da informação e do conhecimento. Porém a este respeito - uma Universidadezinha de investigação, só - nada! Como decerto não foi esquecimento, depreendo que a OCDE não considere este assunto relevante. Cabe a nós, portugueses, o direito e o dever de o debater e de o esclarecer. Porque é fundamental que tudo não continue a ficar na mesma.
____________
João Caraça é Director dos Serviços de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo o seu presente artigo de opinião sido publicado no «Diário de Notícias» de 4 de Janeiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário