segunda-feira, janeiro 15, 2007

«Passo a passo, [a "Esquerda moderna" vai] centralizando e castrando», por Santana Castilho

Em mensagem de Natal, [o primeiro-ministro] José Sócrates disse: "(...) Passo a passo, a economia está a recuperar. Passo a passo os resultados começam a surgir."
Esta melopeia discursiva, que nos remete ao papel do burro do presépio, conta com a complacência entorpecida de uma corrente opinativa que colocou Sócrates nas palhinhas, no lugar do Salvador, e Cavaco, o cooperante estratégico, no papel de São José paternal. Esta melopeia discursiva pretende reduzir a nossa resistência cívica para substituir a clássica divisa latina da entrada da gruta pela recuperada "A bem da Nação", em nome da qual impõem, centralizam, castram, cortam, reduzem e rapam. Passo a passo, mas... para trás.
Na Educação encontramos um belo paradigma da boçalidade, da incultura e da falta de visão estratégica da "esquerda moderna": qualquer mudança, desde que reduza, economize e afronte os professores, é progressista. Foi com esta preocupação dominante que 2006 encerrou. Mas não será com tal política que 2007 gerará progresso.
Nem Sócrates nem [a ministra da Educação] Maria de Lurdes Rodrigues entenderam que a melhoria da Educação não depende só deles, mas também dos actores do sistema e de toda a sociedade. As cabeças de um e de outra são «tayloristas» e estão convencidas de que gerir a Educação passa por fazer, pela força e pelo medo, com que os professores executem as suas inconsistentes ideias.
Se Sócrates quiser alinhar os reformados que vão à pesca à beira Tejo, de dez em dez metros, depois de pagarem uma taxa exorbitante pela meia dúzia de bogas que enganam por ano, basta-lhe chamar a Polícia, prática de que tanto gosta, e juntar ao cacete de cada agente uma fita métrica. Se persistir na anunciada iniciativa legislativa, torna-se simplesmente ridículo, mas tem garantido o efeito: remove desumanamente dos pontões cidadãos inofensivos.
Mas a Educação é bem mais complexa. O bastão não chega e os professores não se perfilam nem pela Direita nem pela Esquerda moderna. É preciso envolvê-los, é preciso torná-los parte das soluções e não conferir-lhes, injustamente, o estigma de serem o problema. Não perceber isto é dramático.
Quando Sócrates decidiu aumentar impostos, ao contrário do que prometeu, não só faltou à palavra, como estrangulou a economia. Pode agora constatar isso, com algum rigor. Por exemplo, o imposto sobre os produtos petrolíferos não cessa de subir, mas as receitas são cada vez menores: dos esperados 210 milhões de euros passámos para 140, primeiro, e 135, depois. O mesmo quanto ao imposto sobre o tabaco: de 180 milhões para 95 milhões.
Mas a Educação é bem mais complexa, qualquer medição [é] bem mais difícil e a objectividade dos resultados [é] bem menos clara. O que requereria uma prudência bem maior e procura de consensos sólidos. Só ignorantes e irresponsáveis desprezam isto e avançam sem condições, certos de que, quando o desastre for evidente, já terão partido para outra, a coberto da tradicional imunidade política.
Em 2007 Portugal investirá pouco mais do que quatro por cento do Orçamento do Estado em Educação. No quadro actual, quer tomemos por referência as nossas debilidades face aos parceiros europeus, quer comparemos esse valor com o impacto orçamental de outras áreas (Forças Armadas ou benefícios fiscais, por exemplo), percebemos cristalinamente o que privilegia a "Esquerda moderna": diminuir o salário dos professores; piorar as condições em que exercem a profissão; cortar-lhes direitos protegidos pela lei que os próprios carrascos produziram (vide as decisões dos tribunais sobre as remunerações das aulas de substituição); tornar cada vez mais precárias as condições contratuais, em obediência aos cânones da liberalização selvagem; fechar escolas (1.400 em 2006 e 900 já anunciadas para 2007); desresponsabilizar o Estado pelo financiamento do Ensino Superior público, em nome de um igualitário e redutor processo de Bolonha e de argumentos de excelência competitiva inaplicáveis à maioria das Universidades e Politécnicos; instituir, em nome de idênticos desígnios, uma "moderna" subserviência ao MIT [Massachusetts Institute of Technology], que espanta os próprios beneficiários pela generosidade da nossa saloiice.
2006 foi um ano de igualitarismo doentio. Na Educação e no resto. Sócrates chama moderno ao que criticávamos no centralismo soviético. A diversidade aflige-o. A sua política sufoca. Triste sina termos que o suportar em 2007!
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[Manuel Henrique] Santana Castilho é professor na Escola Superior de Educação de Santarém, foi director da extinta revista mensal de Política Educativa: «pontos nos ii», tendo ainda sido subsecretário de Estado para os Assuntos Pedagógicos no Ministério da Educação e das Universidades do VIII Governo Constitucional (liderado por Francisco Pinto Balsemão). O presente artigo de opinião de Santana Castilho foi publicado na edição do passado dia 2 de Janeiro do jornal «Público».

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