Não consigo vislumbrar vantagens na aplicação prática do Processo de Bolonha. Acho que não sou o único.O chamado Processo de Bolonha resulta de um tratado – assinado na cidade com o mesmo nome – que visa harmonizar o ensino superior na Europa e facilitar a circulação dos estudantes. Embora processos deste tipo, excessivamente centralizados e burocratizados, raramente produzam boas consequências, Bolonha poderia ter sido um pretexto para introduzir algumas pequenas reformas no ensino superior em Portugal, facilitando a sua internacionalização. A realidade, no entanto, desmente essa expectativa.
A consequência mais palpável da adaptação do ensino superior às exigências de Bolonha é a diminuição generalizada dos anos e dos tempos lectivos dos cursos de licenciatura. Na maior parte das formações, a licenciatura passa a ter apenas três anos e os tempos lectivos das disciplinas são reduzidos. De modo a adequar os cursos a esta exigência, as instituições do ensino superior tiveram de transformar disciplinas anuais em disciplinas semestrais e com menos horas por semana. Os docentes irão fazer exactamente a mesma coisa que fizeram até agora, mas de uma forma mais apressada. Os licenciados passarão a sair menos bem preparados do que no modelo anterior.
Alguns dizem que o problema consiste precisamente em ter-se focalizado a reforma na redução do tempo das formações. O mais relevante, dizem os mesmos, será a mudança das metodologias, passando a centrá-las no aluno, acabando com aulas magistrais e coisas do género. Neste aspecto, pior do que não produzir nenhuma modificação, teria sido que o Processo de Bolonha tivesse produzido alguma modificação. A conversa da mudança das metodologias e da centralidade do aluno não é mais do que a chegada do “eduquês” – como diria o Nuno Crato – ao ensino superior. Ora, já nos basta a destruição que esta ideologia pedagógica espalhou pelo ensino básico e secundário. Nós não precisamos de metodólogos generalistas. Quem sabe como ensinar Matemática ou Linguística, por exemplo, são os que sabem de Matemática ou Linguística, não são os especialistas em educação em geral, que nada sabem de coisa nenhuma em particular.
A manutenção da designação do grau do primeiro ciclo de estudos superiores como “licenciatura” foi também um erro. Os licenciados pré-Bolonha reclamam agora que lhes seja concedido um grau superior à licenciatura, uma vez que fizeram cursos de quatro ou cinco anos. Mas a atribuição administrativa de um grau como o mestrado a quem o não completou de facto equivaleria ao completo descrédito do sistema. Aquilo que teria sido correcto, como muitos avisaram, era a designação do primeiro ciclo como “bacharelato”, em vez de “licenciatura”. É isso que corresponde tanto à tradição portuguesa como à prática internacional. Veja-se o exemplo dos países anglo-saxónicos: há muito que usam a designação ‘bachelor’s degree’ para o primeiro ciclo de estudos superiores.
Uma outra consequência pretendida com o Processo de Bolonha era a colocação mais rápida dos jovens no mercado de trabalho. Mas o novo sistema vai ter resultados exactamente opostos ao pretendido. Os alunos e o próprio mercado já começaram a perceber que, no novo sistema, a licenciatura fica desqualificada. Por isso a generalidade dos alunos pretenderá fazer o mestrado. Acabarão por ficar mais tempo na universidade e por adiar ainda mais a sua entrada na vida activa. É certo que este facto compensará a menor qualidade das licenciaturas, mas acabará também por massificar os mestrados e destruí-los enquanto graus de investigação. Aos bons alunos restará entrar em doutoramento e, por essa via, permanecer ainda mais três ou quatro anos fora do mercado de trabalho.
Por muito que me esforce, não consigo vislumbrar vantagens na aplicação prática do Processo de Bolonha. Acho que não sou o único. Uns amigos meus sugeriram-me que, dada a confusão que esta reforma acabou por criar no ensino superior, se passasse a designá-la como “Processo de Nápoles”, ou mesmo “Processo de Palermo”. Nós queríamos que o nosso ensino superior se tornasse mais europeu mas, atendendo aos fracos resultados da reforma, parece que ele se está antes a tornar mais mediterrânico.
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João Cardoso Rosas é professor universitário de Teoria Política na Universidade do Minho, tendo publicado o presente artigo de opinião («O Processo de Palermo») no «Diário Económico», no passado dia 8. Já anteriormente havíamos publicado um outro texto do mesmo autor: «A confusão [do Processo] de Bolonha».
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