quinta-feira, fevereiro 22, 2007

«A reorganização da [nossa] rede de Ensino Superior», artigo de opinião de Miguel Copetto

A distinção será feita pelo que é essencial: formações de natureza profissionalizante em Universidades Politécnicas e formações de teor mais científico em Universidades.
Um dos temas estruturantes que estará na ordem do dia prende-se com a reorganização da rede de Ensino Superior. Neste âmbito, um dos aspectos que merece análise e reflexão tem a ver com a existência do sistema binário, nas modalidades de Ensino Universitário e de Ensino Politécnico.

A construção da rede escolar em forma binária iniciou-se em 1973 com o surgimento de quatro novas Universidades (descentralizando-se das tradicionais em Coimbra, Lisboa e Porto) e a criação de Institutos Politécnicos e Escolas Superiores de Educação em determinadas sedes de distrito do Continente. O quadro de desenvolvimento da rede entretanto criada foi feito não em função de critérios de territorialização do conhecimento mas sim com o objectivo de proporcionar a democraticidade no acesso ao Ensino Superior, caso do Ensino estatal, e por critérios de oportunidade em função da procura, no caso do Ensino privado.

A divisão destas duas modalidades de Ensino é agora colocada em causa pelo mapa que se começa a desenhar no Ensino Superior português, não em função de qualquer estratégia de desenvolvimento, mas de fusões e integrações aleatórias de estabelecimentos de Ensino Superior. Acrescente-se que a actual arrumação de cursos e de instituições não espelha de modo claro a existência (perfeita) de um modelo binário. Não por falta de definições conceptuais sobre os elementos distintivos dos Ensinos Universitário e Politécnico, mas porque a evolução da rede escolar nos últimos 30 anos não obedeceu a qualquer pensamento estratégico que respondesse à pergunta: que Ensino Superior para Portugal, na comparação com o quadro europeu e de acordo com as suas responsabilidades pela Lusofonia? Daí a dificuldade, por parte dos Governos, em exercer funções de pilotagem, acompanhamento e planificação, quer ao nível das necessidades formativas e empresariais, quer na localização e dimensionamento das instituições, quer ainda do quadro de docentes que sustentem quantitativa e qualitativamente cada uma daquelas modalidades de Ensino. Vejamos três demonstrações desta falsa clareza na organização binária existente: (1) Se há curso de Ensino Superior que melhor se identifica com a noção e natureza de curso politécnico é o de Medicina Dentária. Contudo, está classificado e ordenado no Ensino Universitário. As razões de tal erro são conhecidas: para além da “questãozinha” do prestígio social, de enorme importância entre nós, aquele curso foi enquadrado no Ensino Universitário em função da duração e grau atribuído - tal como tantos outros - e não de acordo com a natureza (politécnica) do curso. (2) É questionável que, em instituições que congregam Ensino Universitário e Politécnico - partilhando as mesmas instalações, recursos e docentes - haja espaço para os diferenciar, sendo mais provável a existência de um misto de ambos. Tanto mais que tal coexistência não de deve a razões qualitativas, geradas em torno de projectos educativos sustentados, mas sim a uma “anexação” feita pelas Universidades para a captação de financiamento em função da procura destes cursos politécnicos. (3) Os doutores e mestres que ministram o ensino nos estabelecimentos Politécnicos são formados nas Universidades. Ora, quando formam e concedem graus, as Universidades fazem-no de acordo com a sua cultura institucional, não distinguindo para onde o docente irá seguir a sua carreira docente - Universitária ou Politécnica. Por isso, não questionam, na formação, a incidência ou o pendor mais teórico ou experimental nas metodologias de aquisição do saber, nem as perspectivas perante o saber nas duas modalidades de ensino, nem tão pouco a relação temporal entre saber, fazer e saber fazer. As Universidades formam doutores de acordo com a tradição universitária. Consequentemente, não podendo o Ensino Politécnico conceder o grau de doutor - estando limitado ao nível da investigação e sendo os seus docentes doutorados “construídos” nas Universidades -, o Ensino Politécnico acaba por ser pouco experimental e mais teórico, logo menos verdadeiro na sua natureza, respondendo de forma pior às exigências vocacionais dos estudantes e ludibriando as empresas quando procuram “licenciados politécnicos”.

A fusão e integração de Institutos e Escolas Politécnicas nas Universidades darão lugar ao esbatimento da divisão binária clássica entre Instituições Universitárias, por um lado, e Politécnicas, por outro. Importa, por isso, que a racionalização da rede a efectuar obedeça a uma estratégia para o país no quadro do Ensino Superior europeu pelo que, a par de outras alterações necessárias, defendo a passagem dos Institutos Politécnicos a Universidades, organizando-se num modelo federal ou regional, sem duplicação da oferta de cursos. A distinção, a manter-se o conceito binário (que, aliás, defendo), será feita pelo que é essencial: formações de natureza profissionalizante em Universidades-Politécnicas e formações de teor mais científico em Universidades, tendo ambas a mesma dignidade e grau de exigência qualitativa. Fica a proposta.
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Miguel Copetto é docente do Ensino Superior privado, foi membro da Direcção da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP) e é autor do livro «Autonomia Universitária», tendo sido publicado o seu presente artigo de opinião no «Diário Económico» do dia 5 de Dezembro de 2006.

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