Previsibilidade até na manobra, aliás anunciada por Vital Moreira em Fevereiro (ver no número 23 de «Ensino Superior - Revista do SNESup», Janeiro/Março de 2007, o artigo "Novo modelo institucional para as Universidades"), para vender o modelo fundacional: ameaçar com a passagem das instituições de Ensino Superior a Entidades Públicas Empresariais, para fazer aceitar a figura da Fundação como "terceira via", como se viu na comunicação social das semanas anteriores ao Conselho de Ministros Extraordinário onde mais esta "grande reforma" foi oficializada.
Previsibilidade também no desprezo pelos parceiros educativos que tem sido timbre de Mariano Gago: o Conselho de Ministros realizado simbolicamente(?) na Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, é marcado para [dia 5] o sábado anterior a uma importante reunião do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), realizada na Madeira a partir da segunda-feira seguinte [dia 7], e que acaba por se debruçar, na falta de uma versão oficial, sobre um texto, ostensivamente incompleto, qualificado de "fuga de informação". O Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) e a Associação do Ensino Superior Particular e Cooperativo (APESP) divulgam também este texto entre os seus membros, à falta de melhor informação, tal como o fará a Federação Nacional de Professores (FENPROF), cujo Sindicato de Professores da Zona Sul (SPZS) em comunicado difundido na Universidade de Évora afirmou mesmo que se tratava de versão entregue aos Sindicatos. Mais tarde o CRUP, o CCISP e a APESP receberiam uma versão oficial, que não foi também facultada aos Sindicatos.
Onde é que, na forma e no fundo, a nova Lei, apesar do que já se sabia sobre a sua orientação, traz algo de novo?
Em primeiro lugar, na circunstância de se ter substituído o anunciado pacote de diplomas (Leis de Autonomia, Estatuto do Ensino Superior particular e cooperativo, Estatutos de Carreira Docente e da Carreira de Investigação Científica) por um Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior, que, Conselho de Ministros dixit , concretiza por si só a prevista "reforma legislativa do Ensino Superior", revogando e substituindo o actual Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior, aprovado pela Lei nº 1/2003, de 6 de Janeiro, as actuais Leis de Autonomia das Universidades e Lei de Autonomia e Estatuto do Ensino Superior Politécnico, e o actual Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.
Deste modo, a nova Lei funcionará como uma "mãe de todas as leis" que condicionará toda uma série de legislação futura, a começar pelos Estatutos de Carreira Docente - se é que terão ainda esse nome - cuja negociação com os Sindicatos se encontrava prometida e ficará agora irremediavelmente circunscrita.
Também a nova lei confere ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o poder de, por simples despacho e não por decreto-lei, promover movimentos de reestruturação do Ensino Superior e, mesmo contra vontade das Universidades e Institutos Politécnicos públicos, impor o modelo fundacional a toda a instituição ou a algum dos seus estabelecimentos.
Em segundo lugar, na evidente subalternização dos Reitores e Presidentes de Institutos Politécnicos a Conselhos de Administração nomeados pelos titulares, sejam estes privados, no caso do Ensino Superior particular e cooperativo, onde as Universidades deixam de ter a personalidade jurídica que a actual lei teoricamente lhes reconhece, ou pelo próprio Governo, no caso das instituições que passem a regime de Fundação, cujos Conselhos de Administração seriam na "versão-destinada-a-fuga-de-informação" designados não por um Conselho de Curadores representativo do conjunto dos "stakeholders", mas pela própria tutela. Esta formulação ficou camuflada na "versão oficial".
É de supor aliás que o regime excepcional de Fundação passe rapidamente a regime geral, ou mesmo único, dada a submissão das Universidades e Politécnicos não-fundacionalizados ao regime actualmente muito restritivo dos Institutos Públicos, e a falta de "panache" da "avaliação curricular" em Conselho Geral (o próprio nome de Senado é proscrito).
De notar ainda que embora a nova "lei" admita que existam órgãos de coordenação das Universidades e Institutos Politécnicos, reserva-se o direito de (re)regular a sua criação, o que não é muito auspicioso para o CRUP, verdadeira bête-noire de Mariano Gago, e para o CCISP, órgãos em que aliás se passarão a sentar Reitores e Presidentes nomeados ao lado de Reitores e Presidentes eleitos.
É concedida aos Reitores e Presidentes em funções que tenham interesse em servir sob o novo modelo a possibilidade de condicionarem a formação dos Conselhos Gerais que redigirão os Estatutos a partir dos quais continuarão a exercer o poder.
Em terceiro lugar, no esvaziamento de poderes dos Conselhos Científicos, que deixam de poder deliberar sobre a atribuição de serviço docente, e na mudança da sua composição a favor de um cenário de eleição que havia sido há anos já equacionado por Pedro Lourtie e os seus colegas do CRISES [Colectivo para a Reflexão e Intervenção Sobre o Ensino Superior] (ver «Ensino Superior - Revista do SNESup» nº 9, Março/Abril de 2003, "CRISES - Acesso, Financiamento e Governo das Instituições [de Ensino Superior]"), e que o Partido Socialista havia levado à Assembleia da República na anterior legislatura, mas do qual se não havia voltado a falar.
Perante as perspectivas de mudança da lei, que pensarão os docentes do Ensino Superior sobre os cenários em vias de materialização? As respostas ao inquérito por questionário on-line reproduzido no nº 23 da «Ensino Superior - Revista do SNESup» "Inquérito aos modelos de governação das instituições de Ensino Superior", e cujo tratamento será publicado no nº 24:
- revelam um descrédito generalizado do modelo de eleição de Reitores e Presidentes por colégio eleitoral, descrédito esse que se verifica tanto no Universitário como no Politécnico, tanto entre professores como entre assistentes, tanto entre docentes com experiência de participação como entre os que não a têm;
- são no entanto favoráveis a um modelo mais participativo - a eleição directa com voto ponderado - para o qual a maioria dos respondentes se inclina, sendo que o modelo que aí vem desperta pouco entusiasmo;
- mostram que a alteração do processo de formação dos Conselhos Científicos para um modelo electivo, que, sem qualquer inside information ou especial presciência legislativa, incluímos no questionário, colhe, ela própria, poucos apoios e que a passagem dos Conselhos a órgãos meramente consultivos não é bem vista.
21-5-2007
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