Depois de serem conhecidas várias versões do documento proposto pelo Governo para debate público, foi agora divulgada (15/05/07) a versão completa e final do “Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior”.
A designação deste diploma, só por si, mostra a diferença entre a anterior legislação sobre esta matéria e que é agora revogada: “Autonomia das Universidades” (Lei nº 108/88) e “Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico” (Lei nº 54/90). Desaparece assim uma palavra-chave, associada ao Ensino Superior – autonomia. De facto, e na sequência do relatório da OCDE sobre a avaliação do Ensino Superior, dado a conhecer em 14/12/06, anunciava-se o propósito de actuar em conformidade, ou seja, o obstinado ministro Mariano Gago quer “pôr ordem” no sistema e restabelecer a "cadeia de comando" no pressuposto de que assim se garante a eficácia da gestão das Universidades e dos Politécnicos, públicos e privados. Entretanto, o imbróglio da Universidade Independente veio acentuar a necessidade da “rédea curta” para esse estranho mundo que foi crescendo à sombra do numerus clausus e da vontade massificada de obter um diploma superior. O artigo 149 [da versão completa e final do “Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior”] é elucidativo: um rol de 18 “contra-ordenações” estão aí previstas implicando pesadas coimas e sanções.
Apesar de o duro princípio da realidade não oferecer dúvidas na destrinça entre o ensino universitário e o [ensino] politécnico, o actual ministro [do Ensino Superior] prossegue o louvável exercício semântico de procurar distinguir a “natureza binária do sistema” que a Lei de Bases de 1986 não foi capaz de clarificar. Assim, as Universidades são instituições de “alto nível na criação” e, portanto, conferem o grau de doutor. Já os Institutos Politécnicos não merecem tal adjectivação e não vão além dos graus de licenciado e mestre; quanto aos saberes, são de “natureza profissional”, ficando-se pela “investigação orientada” (novo conceito da era Gago) cabendo apenas às Universidades a sua difusão!? Os Politécnicos seriam ainda caracterizados pela “inserção na comunidade territorial” e “ligação às actividades profissionais e empresariais”. Em termos de órgãos, a especificidade do Politécnico configura-se na designação do Conselho Técnico-Científico (só Conselho Científico no universitário).
Uma valia do presente diploma é o de se aplicar ao conjunto das instituições dos vários sub-sistemas do Ensino Superior que se regem, a partir de agora, por normas comuns (por isso se estranha a não revogação da Lei nº 26/2000 referente à “Organização e Ordenamento do Ensino Superior”). Mas o maior mérito desta proposta prende-se com a redução do número de órgãos de governo das instituições: desaparece a Assembleia do Instituto, a Comissão Permanente do Conselho Geral, a Assembleia de Representantes, o Conselho Directivo (substituído pelo Director) e o Conselho Administrativo (dá lugar a um Conselho de Gestão). O Conselho Científico é constituído por representantes eleitos, num máximo de 25 membros, colocando-se fim à inerência, que perdurava desde o tempo de Sottomayor Cardia (1976). Por sua vez, o Conselho Pedagógico mantém a paridade de professores e alunos, mas passa a ser presidido pelo Director. Por último, ao ser criado o Conselho Coordenador do Ensino Superior (artigos 153º e 154º), tendo por “missão o aconselhamento” do Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, com uma composição adiada para diploma próprio, espera-se que tal implique o desaparecimento dos inoperantes CRUP [Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas] e CCISP [Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos].
A influência norte-americana no modelo de designação do Reitor e do Presidente é evidente, mas o erro de escala é enorme: o Conselho Geral nada tem a ver com o Board of Trustees.
Em suma, (i) diminuem os processos eleitorais em detrimento das “nomeações”; (ii) centraliza-se o poder no Reitor/Presidente/Director; (iii) as Faculdades/Escolas perdem muito da sua autonomia; (iv) reforça-se o controlo do MCTES [Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior] sobre todo o sistema de Ensino Superior.
Porém, a questão central, a mais polémica e mediática, é a da possibilidade de transformação dos estabelecimentos de Ensino Superior em Fundações (cap. V, artigos 119º a 123º). A fórmula, decorrente das orientações da OCDE, já foi aplicada recentemente às escolas profissionais. Não se vislumbrando vantagens significativas nessa mudança institucional, temos sérias dúvidas que as escolas públicas venham a tomar tal iniciativa. O sistema nunca se reformou por dentro.
Resta então ao ministro da tutela accionar o nº 6 do artigo 119º e criar as Fundações que entender para maior racionalidade da oferta educativa e diminuição do número de funcionários públicos. Assim se cumprirá o défice. A União Europeia agradece.
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Luís Souta é professor-coordenador do Departamento de Ciências, Multiculturalidade e Desenvolvimento e presidente do Conselho Directivo da Escola Superior de Educação de Setúbal, tendo o seu presente artigo de opinião sido publicado no portal «Setúbal na Rede».
terça-feira, junho 19, 2007
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