O MCTES [Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior] tornou público um projecto legislativo sobre o Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJIES), que anuncia profundas alterações na vida e no funcionamento das Universidades portuguesas.
Há muito que se aguardava uma necessária reforma do Ensino Superior e saudamos o facto de esta matéria integrar a agenda política do Governo. O projecto em análise apresenta aspectos positivos, que registamos. Contém porém vários aspectos negativos, e tão graves que merecem uma chamada de atenção pública por parte da comunidade académica, para que não venham a ser aprovados pela Assembleia da República.
Nenhum projecto de reforma na área da educação deve ignorar a história e a cultura dos povos e das instituições em que eles se organizam. Ora, a nosso ver, as soluções consagradas no documento do MCTES não se adequam à nossa cultura e ao nosso desenvolvimento económico e social, o que significa que a reforma anunciada não poderá contribuir para o necessário desenvolvimento humano dos portugueses.
O texto em análise revela uma leitura redutora da realidade do sistema universitário português, secundarizando os princípios democráticos da vida universitária e prejudicando a diversidade de soluções aconselhável à luz da complexidade e variedade das instituições actualmente existentes.
Algumas das soluções encontradas deixam-nos as mais fundadas razões para pormos em causa a sua conformidade com os princípios constitucionais que consagram o direito de participação, nomeadamente de professores, investigadores e estudantes, na gestão das escolas e o direito das Universidades à autonomia.
Na Universidade, ensino e investigação são as duas faces da mesma moeda. Separar, em termos institucionais, as actividades de ensino das actividades de investigação só pode empobrecer umas e outras. Este é um caminho errado e perigoso. Impõe-se, por isso, que a futura lei seja absolutamente clara na afirmação de que as Universidades são essencialmente instituições de investigação e de que a política nacional de investigação passará fundamentalmente pelas Universidades.
A criação intelectual só é possível numa atmosfera de plena liberdade e de profundo sentimento de pertença. A consciência da autonomia pessoal e institucional é um factor essencial da libertação das energias criadoras determinantes do sucesso da investigação científica. Por isso entendemos que a existência de um “Conselho Geral” com competências no que toca à definição dos objectivos estratégicos da Universidade não pode anular drasticamente – como o faz o presente projecto – a participação dos universitários no governo das Universidades públicas, incluindo a participação na definição das linhas estratégicas de orientação e gestão.
Nas últimas décadas, os universitários portugueses demonstraram abundantemente, no quadro da autonomia universitária, excepcional empenhamento na (e inequívoca capacidade de) gestão das Universidades públicas, mostrando à saciedade que a gestão participada não é incompatível com uma gestão eficaz.
De quanto fica dito decorre, desde logo, a defesa – que aqui fazemos com toda a força – do princípio da eleição livre do Reitor através de sufrágio em que participem os três corpos que compõem a comunidade universitária.
Com igual força defendemos a existência de um órgão colegial de governo da Universidade (Senado Universitário), constituído maioritariamente por professores e investigadores, com membros dos três corpos da comunidade universitária, com uma dimensão que não comprometa a sua funcionalidade, e com competências que, além de outras, incluam as competências em matérias de natureza científica, pedagógica e académica que o projecto do MCTES atribui ao “Conselho Geral”.
Esta é, a nosso ver, uma condição indispensável da estabilidade institucional e do próprio desenvolvimento harmonioso das Universidades.
O novo diploma regulador do RJIES não deve - e não pode, à luz da Constituição – pôr em causa nenhum dos aspectos da autonomia das Universidades, nomeadamente a autonomia pedagógica e científica e a inerente liberdade de serem órgãos representativos dos professores e investigadores a decidir sobre a contratação do pessoal docente.
A precarização dos vínculos laborais dos professores e investigadores diminui a motivação e o espírito de entrega a este serviço público estratégico e essencial que é a investigação científica e o ensino universitário. A estabilidade contratual, aliada a uma exigente prática de avaliação e de promoção do mérito, é determinante na criação de uma cultura participativa e no desenvolvimento da capacidade de iniciativa pessoal e de grupo que condicionam de modo decisivo toda a actividade de investigação científica a médio e a longo prazos e, como tal, deverá ser assegurada na futura lei.
Os signatários entendem que o estatuto jurídico que convém às Universidades públicas portuguesas é o de pessoas colectivas de direito público, integradas na administração autónoma do Estado, dotadas de autonomia estatutária, científica, pedagógica, cultural, disciplinar, patrimonial, administrativa e financeira. E consideram que o modelo de Fundação de direito privado é inadequado para um correcto enquadramento das instituições universitárias que integram a rede pública de Ensino Superior.
Este modelo fundacional privado arrasta consigo perigos sérios de perda da autonomia universitária, de governamentalização (e até de partidarização) das Universidades públicas, de desresponsabilização do Estado relativamente a este sector, de dependência das Universidades/Fundações relativamente ao poder económico. Poderia levar igualmente ao estrangulamento de áreas do conhecimento sem grandes possibilidades de retorno económico directo, fragilizando a cultura de base científica multifacetada, abandonando as Humanidades e as Ciências Sociais, comprometendo a capacidade de análise e de critica da própria sociedade. Finalmente, poderia levar, em certas situações e em última análise, à privatização de actividades de ensino e de investigação que cabem às Universidades públicas.
O Estado moderno, independentemente das orientações ideológicas, tem que assumir a educação como uma questão de soberania. Numa sociedade globalizada, mas também do conhecimento, ela é mais determinante para a salvaguarda da independência das nações do que o poderio militar, sobretudo no caso dos países pequenos. Um Ensino Superior público de qualidade é uma condição indispensável da independência nacional. Mais uma razão – e decisiva razão - para que a lei que se anuncia deva reunir o mais amplo consenso entre os universitários e entre as forças políticas democráticas. É uma questão de bom senso e uma questão de patriotismo.
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segunda-feira, junho 18, 2007
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