Com o Ensino Superior envolto em dificuldades, há quem defenda a atribuição do cargo de Reitor a gestores profissionais. Os ex-Reitores estão contra, mas vislumbram vantagens na coabitação.A questão é antiga, mas torna-se mais vigorosa numa fase em que as universidades enfrentam uma situação financeira particularmente difícil: o cargo de reitor deve ser entregue a gestores profissionais? Pelo menos a atender por quem já passou pela cadeira reitoral, a resposta é um objectivo “não”, embora não reneguem a coabitação.
José Lopes da Silva, Sérgio Machado dos Santos, Virgílio Meira Soares e Adriano Pimpão são alguns dos ex-reitores que recentemente subscreveram uma carta a alertar para a situação delicada que afecta o ensino superior e que acabou posteriormente por chegar às caixas de correio de José Sócrates e de Cavaco Silva. Em conversa com o Negócios, afirmam que a figura do reitor deverá ser sempre entregue a um académico, embora alguns destes ex-reitores aceitem a existência de um profissional da gestão para braço-direito.
“Quando era reitor, criei a figura do administrador, que equiparei a director-geral. O reitor ficava assim com a definição da política da instituição e a gestão financeira do dia-a-dia ficava entregue a um profissional”, relembra José Lopes da Silva, ex-reitor da Universidade Técnica e antigo presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP). “O que defendo é a coabitação: de um lado, o reitor, que será sempre um académico – é o único capaz de compreender as vicissitudes do sistema; do outro lado, um profissional a lidar com a gestão de custos do quotidiano, mas sempre sob a tutela do reitor”, continua. “É que muitas vezes critica-se a gestão das universidades, mas há algo que eu digo sempre quando ouço isto: tomara que todas as instituições fossem tão mal geridas como as universidades. É que as derrapagens seriam bem menores”, remata José Lopes da Silva
Virgílio Meira Soares, que liderou a Universidade de Lisboa, alinha com a mesma tese. “O reitor nunca deve ser um gestor profissional. Deve ter um gestor a apoiá-lo, mas a decisão final deve ser sempre académica. Caso contrário, estamos metidos aí num banco”, defende o ex-reitor da Clássica.
Sérgio Machado dos Santos, que já esteve à frente da Universidade do Minho e do CRUP, sublinha os congéneres. “As universidades não são empresas. Há toda uma malha académica que um gestor não pode entender. E devo dizer que não considero que haja má gestão nas universidades. Há problemas aqui e ali, mas fundamentalmente o problema é a lei – o ensino superior tem dos enquadramentos mais rígidos da administração pública e estatutos de carreira com mais de 20 anos, que são um obstáculo a uma gestão flexível”, considera.
O ex-reitor da Universidade do Minho aproveita a questão dos gestores profissionais para cruzar a sua argumentação com outra questão sensível – a do financiamento. “É preciso perceber que a dotação pública do ensino superior não cobre sequer as despesas com pessoal. Logo, os reitores têm é que se preocupar como é que vão pagar os salários no fim do mês. Não há gestão possível neste cenário”, considera Sérgio Machados dos Santos. “Depois, mesmo quem gera mais receitas próprias, acaba por ter que usar os seus saldos consignados para responder a estas dificuldades. O caminho não devia ser este”, sustenta o antigo reitor do Minho e presidente do CRUP.
“É possível fazer mais com este dinheiro”
Apesar de considerarem que o dinheiro público disponível é insuficiente, há quem defenda que as verbas existentes até podem ser melhor aplicadas. A este propósito, é feita um reparo à política do Governo. “Era possível fazer mais com o dinheiro existente. Dou um exemplo: nos acordos com as universidades americanas [MIT, Carnegie Mellon e Austin], poder-se-ia ter gasto menos dinheiro e aproveitar parte para actividades de investimentos nas instituições portuguesas”, defende José Lopes da Silva. “É que a culpa das dificuldades financeiras actuais é fundamentalmente do desinvestimento público e não da gestão”, reforça.
Adriano Pimpão, ex-reitor da Universidade do Algarve, considera ainda que um melhor diálogo entre as partes – tutela e instituições – pode potenciar a utilização dos dinheiros públicos. “A tutela sempre teve uma posição em que considera que as universidades têm dinheiro suficiente e, se não tiverem, vai lá e resolve os problemas. Isto perturba a autonomia das escolas. A questão é a esta: se todos se sentassem à mesa e dissessem, ‘ok, o dinheiro não é o suficiente, mas vamos ver em conjunto o que podemos fazer para o utilizar da melhor forma’, penso que seria possível fazer melhor”, refere Adriano Pimpão, também ex-presidente do CRUP e um dos defensores da existência de gestores profissionais para apoio ao reitor.
Encerramento de escolas “não é solução”
Se há facto indesmentível nesta fase é a existência de dificuldades reais em muitas das instituições de ensino superior. Os ex-reitores apresentam duas vias para responder à crise: repensar o financiamento; avançar para a reorganização da rede. E estas duas vias, dizem, podem e devem ser concomitantes.
No ponto relativo à reorganização da rede, há uma pergunta óbvia? Há ou não instituições a mais? “Há”, diz Virgílio Meira Soares. José Lopes da Silva também admite que sim, Adriano Pimpão não o nega, mas Sérgio Machado dos Santos é mais cauteloso. “Se tomarmos a regra, por exemplo, de uma universidade por milhão de habitantes, temos 14 universidades para 10 milhões de habitantes. Mas é preciso ver que há especificidades: duas universidades estão nas ilhas, o que é normal. Depois, há a questão da interioridade: Trás-os-Montes, para dar um exemplo, tem uma universidade muito importante para a economia local. É preciso ter cuidado com esta questão”, considera o ex-reitor da Universidade do Minho.
Reformule-se a questão: para racionalizar recursos, deve encerrar-se universidades? Aí, os quatro são unânimes: “não”. Pelo menos num primeiro plano, apontam a via da junção de esforços e dos consórcios. “As instituições devem unir esforços, criar consórcios e desenvolver projectos comuns. É um ponto de partida para enfrentar as questões de escala. Depois, logo se vê se é necessário partir para fusões ou para outras vias”, sustenta Adriano Pimpão.
Financiamento por objectivos
Esclarecida a questão da reorganização, a conversa flui para o financiamento. O tom é de consenso. “É preciso estabelecer objectivos de desenvolvimento gerais para o sistema, ou seja, ter uma política nacional para o ensino superior. Depois, parte-se para a contratualização de objectivos com as escolas e o financiamento será em função do cumprimento desses objectivos. Se o Governo não repensar o financiamento passo-a-passo, todas as instituições vão entrar em crise”, aponta Sérgio Machado dos Santos.
Adriano Pimpão concorda e faz uma adenda. “O Governo deve fazer isto analisando caso a caso: cada instituição tem a sua especificidade e devem ser estabelecidos contratos-programa em função disso. E os contratos devem ser plurianuais”, acrescenta Adriano Pimpão, que destaca um outro ponto. “É importante ter estabilidade. Durante os oitos anos em que fui reitor, conheci oito ministros diferentes”, realça.
Uma última questão: e porque é que as instituições e o Governo não se sentam à mesa em busca de uma plataforma de entendimento? “Sente-se muita tensão nesta fase. Mais do que tudo, penso que é preciso acalmar os ânimos e depois, aí sim, discutir os problemas”. A sugestão é de Sérgio Machado dos Santos. A ver quem a agarra.
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