António Sampaio da Nóvoa considera "infelizes" as declarações do ministro do Ensino Superior e da Ciência sobre a má gestão das universidades e devolve as críticas. Acha que o ensino superior público está numa situação limite e que os cortes orçamentais são uma questão desgastante que "não leva a lado nenhum".
Os reitores das universidades públicas estão a fazer uma espécie de declaração de guerra ao Governo?
Eu não falo só por mim. Tenho um enorme apreço por este Governo e pela intervenção que tem feito em algumas áreas. Creio que, no essencial, tem sido feita uma política correcta para as questões da Ciência. Mas tem havido alguma indiferença ou menor atenção, em relação às universidades. E essa é a minha principal crítica. As universidades estão a ser levadas a um ponto de degradação institucional que pode ser muito grave para o futuro do País.
Mas assumiu que as universidades estão a ser prejudicadas pelo Governo, que há um clima de suspeição em relação à vossa actividade. Chegámos a um ponto mais perigoso?
Julgo que chegámos a um ponto limite da sustentabilidade das instituições. Portugal tem de decidir se quer ou se não quer ter universidades de referências no espaço europeu. E se quer fazer o caminho que muitos outros países estão a fazer nesse sentido. Mas quando no debate do Orçamento o ministro se compromete a que vai haver dinheiro para pagar salários. Se o debate está nisto. Isto é o grau zero do debate! Quando chegamos aqui, percebemos que não há dinheiro para mais nada: para investir, para novos programas de desenvolvimento, para novas estratégias. Estamos numa situação limite e o debate no Parlamento mostra isso mesmo.
Então o seu interlocutor é quem?
O meu apelo é à sociedade portuguesa. Porque este é um problema da sociedade. Estou absolutamente convencido de que as universidades são um pilar para o desenvolvimento. Não há futuro para a sociedade portuguesa sem universidades credíveis, fortes e autónomas. E esta é uma decisão que os portugueses têm de tomar: se querem universidades fortes, ou universidades medíocres.
Como disse, quase escolas secundárias...
Uma espécie de escolas secundárias, onde depois há duas ou três instituições de excelência no País. Este é um modelo possível e que, em grande parte, está subjacente à política deste Governo. Estou contra este modelo. Sou muito mais próximo do modelo holandês, por exemplo, onde há um conjunto de grandes universidades de muito boa qualidade onde se integra ensino e ciência de forma harmoniosa. Sem haver um modelo a duas velocidades
Se o seu apelo é à sociedade é porque sente que falhou o seu interlocutor normal, que seria o ministro...
Não, porque julgo que as políticas da educação têm de ser sempre de médio e de longo prazo. Esse é um dos problemas: o período dos mandatos dos Governos é muito curto para fazer uma verdadeira política de educação. Ela só é possível se a sociedade enquanto tal conseguir fazer apostas de médio prazo.
Mas quem define políticas e instrumentos de gestão é o poder político...
Certo, mas os governantes devem sempre interpretar o que é um mandato que lhes vem da sociedade. Desde o final da década de 60, a sociedade portuguesa deu um mandato claro aos sucessivos governos da necessidade de expansão do sistema educativo. E esteve disposta a pagar esta expansão que custou muito caro ao bolso de todos. Neste momento, o que digo é que a sociedade portuguesa tem de decidir o quer para as universidades
E como se passa essa mensagem? Estamos num momento de crise, as pessoas sentem na pele as dificuldades. Pode haver sensibilidade para dar um maior quinhão do orçamento às universidades, quando o certo é que as universidades vão ter mais dinheiro para o próximo ano?
Eu falei sempre em investimento, não em dinheiro. Acho que com o dinheiro que está disponível é possível, hoje, sustentar essa política. O dinheiro que existe é suficiente. O problema é como ele é distribuído e redistribuído no interior das universidades. Houve um compromisso do Governo perante o conselho de reitores - e isto foi-nos dito pelo próprio primeiro-ministro - de que nos primeiros anos do Governo foi preciso fazer uma aposta preferencial na Ciência para fazer face ao nosso atraso científico. Mas que, agora, face à situação limite porque passam as universidades, se iria inverter, essa prioridade e se iria estabilizar o orçamento para a Ciência e recuperar o que tinha sido o défice colocado nas universidades. Ora o que verificamos é que isto não se vai cumprir. No orçamento do próximo ano, pelo quarto ano consecutivo verificamos que há uma redistribuição interna do orçamento que beneficia a Ciência e que, de algum modo prejudica as universidades
Mas em termos orçamentais as universidades vão receber mais 90 milhões de euros. Como é que se diz à opinião publica que isto não chega e que é preciso mobilizar-se para conseguir mais?
Quem diz isso é o ministro, não sou eu. Quando situa a sua intervenção no Parlamento afirmando que o dinheiro chega para pagar os salários, assume-se que estamos no plano limite. Pela boca do Governo, a discussão sobre o futuro da universidade portuguesa está em saber se há ou não há dinheiro para pagar salários.
Porque esses milhões são engolidos em salários e em progressões?
São engolidos, em primeiro lugar pelos 11% de contribuições para a segurança social. E esse dinheiro para a Caixa Geral de Aposentações é dinheiro escondido nas estatísticas.
Têm mais, mas recebem menos?
Exactamente. Se me derem 90 milhões a mais, mas se me obrigarem a pagar contribuições no valor de cem milhões, é claro que recebo menos! O que se passa para a opinião pública é que se passou mais dinheiro, mas não que se retirou mais de outro lado! Porque ninguém está contra o pagamento à Caixa Geral de Aposentações. Mas os serviços da Administração a quem foi pedida esta contribuição, receberam compensações. Como foi sempre. A única vez na história deste País a que se obrigou a uma nova contribuição de 11%, sem que este valor tenha sido reposto no topo foi com as universidades! E isto criou um equilíbrio impressionante. Este é um problema muito mais fundo que um problema de dinheiro. É um problema de sociedade
Não é também um problema de confiança e de comprometimento político. O primeiro-ministro comprometeu-se a aumentar os vossos orçamentos...
O problema da confiança é central! Acho que há um nível grande de desconfiança da sociedade portuguesa em relação às universidades. É muito injusto. Mas sinto que este sentimento existe e é preciso recriar estes laços de confiança, o que depende em muito de nós e da nossa capacidade. Mas depende também de uma aposta forte. Até podemos admitir que a sociedade não queira apostar nas universidades, que ache melhor mandar toda a gente estudar para Espanha... As elites portuguesas não estão muito interessadas em ter grandes universidades em Portugal. É uma coisa que lhes é irrelevante. Terão mais interesse num modelo mais mediano e depois vão fazer os 2º e os 3º ciclos lá fora, na Europa. Por isso é que digo que isto é problema de sociedade
Isso não é uma desistência?
Da sociedade, sim. Mas nem é novo. Foi sempre isso que foi feito. A sociedade portuguesa tem uma forte tradição de desinvestimento. Durante 50 anos, achou-se que seria suficiente saber ler e escrever
Parece um homem que vai para uma batalha que considera perdida...
Eu acredito na capacidade de renovação da sociedade portuguesa. Mas é um trabalho difícil
Falou em desconfiança da sociedade em relação às universidades. Há também uma desconfiança do poder político. O ministro falou em má gestão, o que não contribui para melhorar a imagem pública das instituições...
Essa é a acusação que mais nos magoa. Nas reuniões internas connosco -nomeadamente com o senhor primeiro ministro - houve sempre uma declaração fortíssima de confiança às instituições e um elogio ao esforço feito nos últimos anos e à capacidade de aguentar com uma redução brutal dos orçamentos, de gerar receitas próprias muito para além do que o Governo imaginava. Com isto tudo, estas declarações feitas na praça pública são, no mínimo, infelizes. E isso dói um bocadinho.
Porque é injusto?
Por isso e, mais grave ainda, porque essas declarações não desmoralizam os medíocres e os incompetentes que existem nas instituições. Desmoralizam, regra geral, as pessoas mais criativas, mais dinâmicas e com maior capacidade de inovação. São as energias vivas das universidades.
Como se quebra este gelo criado entre o Governo, o ministro e os reitores. Já para o próximo ano. Está à espera de um gesto inesperado?
Julgo que é possível com um pequeno esforço. Hoje, no plano das universidades a diferença entre estarmos ligeiramente acima ou ligeiramente abaixo da linha de água é muito pequena. Estamos a falar de um esforço pequeno. Mas as consequências são muito diferentes: se ficarmos abaixo afogamo-nos. Se ficarmos acima, continuamos a respirar. Espero que em sede de parlamento, de novos fundos, de apoios específicos, esta situação se resolva. E estamos a falar de pouco dinheiro. Acredito que isso seja possível. E no quadro de um contrato programa de 5 anos com as universidades, com um quadro de compromissos de parte a parte . Isso evitava todos os anos esta discussão, este disparate, esta loucura, que desgastam as instituições, desgastam o País e não levam a lado nenhum
Espera que isso seja possível com este Governo e com este ministro?
Com certeza. Deram provas, em muitas áreas, de coisas muito positivas. Acho que estamos muito cansados de um discurso muito derrotista, de demissão, de lamúrias. Não precisamos disso. Precisamos de pessoas com programa e ambição.
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