sábado, dezembro 13, 2008

“Se a crise financeira durar muito, podemos ter preocupações no financiamento das universidades”

Futuro presidente da Associação Europeia de Universidades quer mais benefícios fiscais para quem apoia o ensino superior. Jean-Marc Rapp será o novo presidente da Associação Europeia de Universidades a partir de Março de 2009, fase em que irá suceder a Georg Winckler. Ainda a alguma distância do início do seu mandato, diz que a actual crise financeira ainda não gerou dificuldades graves nas universidades, mas assume que o financiamento das instituições de ensino superior pode sair prejudicado se a crise se prolongar por muito tempo.

Qual é o impacto que a crise financeira poderá ter nas universidades europeias?
É muito difícil dizer agora quais serão os efeitos. Ao nível do financiamento das universidades, e na eventualidade de a crise se prolongar por muito tempo, podemos vir a ter motivos para preocupações. Mas, neste momento, não tenho conhecimento de qualquer caso particularmente delicado [numa universidade] que tenha sido provocado pela crise.

Hoje em dia, quando se fala de universidades quase que parece que se está a falar de empresas. E, com esta crise, há empresas a fechar. Pensa que há universidades que vão fechar devido à actual situação?
Não estou a ver uma universidade pública a fechar devido à crise. Quanto às privadas, não serei capaz de responder. É que isso depende das especificidades de cada instituição: se tem fins lucrativos ou não, que tipo de dependências financeiras tem...

Está em curso um discussão muito intensa sobre a sustentabilidade financeiras das instituições de ensino superior. Qual é o estado das finanças das universidades europeias?
É difícil dar uma resposta capaz de abranger os diversos sistemas nacionais. Em geral, e no que concerne ao financiamento das universidades públicas, sabemos que os países europeus estão muito distantes de outros países que fazem parte da OCDE. Todos os relatórios traçam esse diagnóstico. E sim, isto é preocupante; e sim, a situação deve ser claramente resolvida.

Pegando no que acaba de dizer e olhando para o caso português, as universidades dizem estar em enormes dificuldades financeiras. E com menos dinheiro disponível, menor o investimento em qualidade. Os alunos que estão hoje no ensino secundário vão encontrar universidades piores no futuro, quando chegar a sua vez de estudar no ensino superior?
Não posso responder com precisão à pergunta, porque não conheço a situação portuguesa em pormenor. Se o diagnóstico das universidades portuguesas é esse, devo dizer que confio plenamente na capacidade delas para resolver a situação. É tudo o que posso dizer. Se há algo consensual entre todos os actores do sistema é o seguinte: é absolutamente necessário para o futuro de um país o investimento eficiente nas suas instituições de ensino superior. Isso é claro.

Mas estes dificuldades financeiras no ensino superior estão agora na ordem do dia em Itália, para dar outro exemplo. Ou seja, estamos a falar de um problema que não é exclusivo de um único país. Com este novo cenário, em que há menos dinheiro público disponível, o que é que as universidades devem fazer?
Em primeiro lugar, penso que as universidades devem falar da situação com as forças políticas e com os ‘decision makers’ – é uma questão de comunicação e de ‘lobbying’. Ao mesmo tempo, devem diversificar as suas fontes de financiamento.

E como é que podem diversificar essas fontes?
É algo que depende muito do contexto local. Por exemplo, podem desenvolver actividades de investigação pensadas para parceiros locais e regionais, concorrendo a todas as fontes competitivas de financiamento. E devem virar-se para o sector privado, que é igualmente uma fonte muito importante de financiamento.

E como é que se consegue aceder a esse dinheiro privado? É que, na Europa, não há muito tradição quanto a esse nível...
Devem estabelecer-se parcerias. Há exemplos de universidades que conseguem aceder a financiamento privado para a investigação e também para o desenvolvimento da sua oferta educativa. É que, por sua vez, os parceiros privados também ficam com acesso mais facilitado aos melhores alunos.

Mas, e pensando nos Estados Unidos, tem-se sempre a ideia de que é quase fácil obter financiamento privado para o ensino superior. Quando se pensa na Europa, já não é bem assim. A que se deve isto?
Uma das principais diferenças são os benefícios fiscais. Nos Estados Unidos, quem financia a sério as universidades paga menos impostos ao Estado. Na Europa, a situação é diferente, daí as dificuldades de aceder a financiamento privado.

Mantendo a tónica no financiamento, e olhando para o sector público, muitos actores do sistema de ensino superior falam insistentemente na necessidade de mudar a forma como os governos transferem dinheiro para as instituições. Como é que os governos devem então financiar as suas universidades?
Ao nível da investigação, os melhores exemplos mostram-nos que obtém-se mais sucesso quando o financiamento tem uma base competitiva, assente em parâmetros de qualidade e suportada na avaliação. Ou seja, o dinheiro vai para os melhores projectos.

Qual é um bom exemplo de financiamento do ensino superior na Europa?
Ao nível do investimento público, é óbvio que os países escandinavos apoiam realmente as suas universidades. Quando se fala com os académicos e com os estudantes desses países, percebemos que estamos perante um bom sistema.

A questão das propinas é incontornável quando se fala em receitas. A OCDE já disse as propinas terão que aumentar no médio prazo. Qual é a sua leitura desta questão?
Não há uma resposta única que se possa aplicar a todos os países. O que pode ser uma boa solução num país pode ser a pior das vias num outro. Aqui entra a questão do ‘feeling’ político e a visão que os governantes de um dado país têm sobre esta matéria. Nos países escandinavos, por exemplo, há um sentimento quase unânime que defende a gratuitidade do ensino. Mas é algo que depende dos contextos nacionais.

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