domingo, março 29, 2009

Universidades falham processo de Bolonha

A maioria das Universidades portuguesas não estão a cumprir os critérios de Bolonha. Os principais problemas são a falta de revisão dos currículos e dos métodos pedagógicos e a existência de cursos pouco virados para o mercado de trabalho. Problemas que os especialistas atribuem à pressa em aplicar a reforma, sem se ter levado a cabo uma discussão como a que está a ser feita em Espanha.

"O Processo de Bolonha foi uma oportunidade perdida para reformar a fundo o ensino superior." É deste modo que, três anos depois do arranque, Gonçalo Xufre, dirigente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, classifica o modo como o processo que visa um espaço comum europeu para o ensino superior a partir de 2010 está a ser implementado em Portugal.

"A maioria das instituições faz uma interpretação cosmética daquilo que deve ser a reforma, limitando-se a encurtar a duração das licenciaturas, que agora é de três anos, sem cumprir o espírito de Bolonha", considera em declarações ao DN aquele professor do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL).

Uma opinião que é, de resto, partilhada por vários professores e gestores de instituições do ensino superior contactados pelo DN. Aponta-se, por exemplo, a ausência de alteração dos métodos pedagógicos, um pressuposto do compromisso europeu. Nos termos de Bolonha, o método de ensino deve ser menos centrado na transmissão dos conhecimentos do professor para os alunos, e mais para a orientação dos alunos a buscar informação e reflectir sobre ela. Alvo de críticas é também a " irregular" contabilização dos créditos, que devem ter em conta os trabalhos realizados. "Nada disso está a ser respeitado, e os critérios de rigor são muito baixos", acusa um professor da Universidade Autónoma de Lisboa.

O presidente do Instituto Politénicos de Leiria, Luciano de Almeida, reconhece alguns "maus exemplos" no sistema de ensino português, e embora atribua em primeiro lugar a responsabilidade às próprias instituições, observa que, se esses atropelos existem é um resultado de "estarmos há cinco anos sem uma avaliação nacional aos cursos e de continuarmos sem uma avaliação dos docentes".

Por outro lado, o presidente do politécnico de Leiria lamenta que o Governo "tenha avançado para a reforma do ensino superior, sem que antes tenha promovido um debate sobre qual a estratégia a seguir, tal como se fez em Espanha, em que primeiro se debateu a estratégia e só depois de adaptaram os cursos a Bolonha", o que só está a acontecer este ano. A rapidez com que as universidades portuguesas adoptaram Bolonha foi, segundo Gonçalo Xufre, resultado não de preparação, mas da pressa de não ficar para trás em relação a outras que se anteciparam.

Em Espanha, que chegou mais tarde ao processo, a orientação vai ao arrepio da tendência europeia. As universidades espanholas adoptaram as licenciaturas de quatro anos, em vez de três.

domingo, março 01, 2009

Universidade de Lisboa: alunos com mais recursos são maioria nos cursos com médias mais altas

Os cursos com médias mais altas, como Medicina, são tendencialmente preenchidos por alunos de famílias com mais recursos, revela um estudo na Universidade de Lisboa, que conclui que o acesso ao ensino superior não é “apenas uma questão de mérito”.

O estudo “À entrada: os estudantes da Universidade de Lisboa, 2003-2008. Números e Figuras” foi dirigido pela socióloga Ana Nunes de Almeida, coordenadora do Observatório dos Percursos dos Estudantes da Universidade de Lisboa (UL), a partir de dados recolhidos junto de alunos que se matricularam pela primeira vez na UL entre 2003 e 2008.

Num documento com as principais conclusões do estudo, os autores destacam que a actual população universitária se tem vindo a diversificar desde os anos 80 do século passado, “do ponto de vista das suas origens sociais, dos seus percursos ou expectativas individuais”, trazendo para as universidades uma “geração numerosa de jovens provenientes de grupos com menores capitais culturais e económicos”.

No entanto, segundo a análise dos dados recolhidos pelo Observatório entre 2003 e 2008, as vagas dos cursos que requerem notas mais elevadas, como Medicina, Belas Artes e Farmácia, são preenchidas principalmente por alunos com origem em famílias mais favorecidas, cujos pais são “quadros dirigentes e superiores das empresas ou da administração pública, especialistas das profissões científicas e intelectuais, técnicos e profissionais de nível intermédio”.

Faculdades com notas de acesso mais baixas recrutam alunos de famílias mais desfavorecidas

Por outro lado, “as faculdades com notas de acesso mais baixas (Letras, Psicologia e Ciências da Educação) recrutam sobretudo alunos provenientes de famílias mais desfavorecidas, as filhas e os filhos de empregados administrativos, pessoal dos serviços e vendedores, operários e artífices”, salienta o estudo.

Os autores destacam ainda que quase 60 por cento dos caloiros da Universidade de Lisboa (UL) têm origem em famílias mais favorecidas. “As modalidades de acesso não são portanto apenas uma questão de mérito individual, mas um assunto de família num cenário de selecção social”, concluem.

Segundo o mesmo estudo, os estudantes da UL continuam a ter maioritariamente origem geográfica na área metropolitana de Lisboa e Setúbal, pelo que “o raio de recrutamento mantém-se, assim, relativamente curto a nível nacional e é muitíssimo reduzido no âmbito internacional”.

Os caloiros mantêm “escassa autonomia relativamente às famílias de origem”, já que residem quase sempre com os pais, são jovens e estudantes a tempo inteiro. Apenas um terço dos inquiridos refere estar deslocado e 20 por cento diz manter uma actividade profissional, com maior incidência em alunos dos cursos de Letras, Direito, Psicologia e Ciências da Educação.

"Numerus clausus" afasta alunos da primeira escolha

O estudo conclui ainda que o 'numerus clausus' afasta muitos dos candidatos do curso ou da instituição da sua primeira escolha, o que poderá explicar as taxas de “insucesso” em certos cursos, preenchidos por segundas ou terceiras escolhas.

“Este desacerto, não raro vivido por estudantes com excelentes percursos escolares, deixa as suas marcas (de mobilidade, insucesso ou abandono) em toda a universidade portuguesa e, em particular, na Universidade de Lisboa”, realça a nota.

O Observatório refere ainda o predomínio das raparigas, que constituem a maioria dos caloiros no global, com excepção para a Faculdade de Ciências em 2006/7 e 2008/9, e que marcam presença sobretudo “em cursos tradicionalmente vocacionados para a relação com os outros, para o ensino”.