domingo, dezembro 09, 2007

terça-feira, dezembro 04, 2007

«Prioridades políticas (II)», opinião de André Freire

É de todo incompreensível que uma área definida como prioritária seja alvo de tantos e tão profundos cortes.
No último artigo, propus-me analisar a prioridade dada pelo Governo PS à qualificação dos portugueses (definida como uma prioridade nas eleições de 2005). Seleccionei como indicador a despesa com os vários níveis de ensino. Não sendo obviamente o único indicador para aferir do grau de prioridade efectivamente dado, trata-se de um indicador bastante importante. Referi duas cautelas. Primeiro, estamos num período de austeridade. Segundo, temos de ver qual o nível de investimento numa perspectiva comparativa: não fará muito sentido aumentar os investimentos em áreas comparativamente sobrefinanciadas; na medida do possível, faz sentido aumentar o investimento em áreas comparativamente subfinanciadas, sobretudo se prioritárias.
Das comparações que fiz (dados da OCDE, Education at a Glance 2007), verifiquei três coisas. Primeiro, em termos de gastos médios absolutos por estudante (ajustados ao poder de compra em cada país) Portugal gastava em 2005 menos do que a média da OCDE em qualquer nível de ensino, mas sobretudo no superior. Se queremos ter universidades tão boas como as dos EUA ou da Suécia temos também de pensar em gastos absolutos, não basta considerar despesas relativas. Segundo, em termos de percentagens do PIB, apenas no caso do superior estávamos abaixo da média da OCDE (0,4 pontos percentuais em 2005: 1,0 para 1,4). Terceiro, a evolução dos gastos com a educação (todos os níveis) entre 1995 e 2005 revela que Portugal apresentou um nível de crescimento inferior à média da OCDE.
Não pretendo subalternizar as questões da organização, dos padrões de selecção dos docentes, dos sistemas de incentivos, etc. Também não pretendo negar que existem problemas de performance nos vários níveis de ensino, nem que existem problemas de desperdício de recursos que é preciso corrigir. De todo! Aliás, já escrevi sobre alguns desses temas (PÚBLICO, 26/12/06 e 21/5/07). Também não nego que têm sido tomadas várias medidas positivas, nos vários níveis de ensino, designadamente o aumento do investimento em ciência e as avaliações internacionais (das pesquisas, das instituições, etc.). Pretendo apenas, primeiro, desmontar a doxa dominante. Um exemplo paradigmático é o recente livro de Medina Carreira (O Dever da Verdade, 2007). Aí se diz (p. 59): "No que respeita à educação há muita gente equivocada, porque o esforço financeiro de Portugal é, em termos relativos, dos mais elevados da EU/15. (...) O nosso problema, quanto à educação, é pouco financeiro e muito político (...)." Este raciocínio é apenas parcialmente verdadeiro: não se aplica (pelo menos) ao ensino superior. Segundo, tendo em conta o subfinanciamento comparativo do ensino superior, pretendo realçar que é de todo incompreensível que uma área definida como prioritária, e que é efectivamente estratégica para o país, seja alvo de tantos e tão profundos cortes.
Não sou o único a fazer esta avaliação. No parecer sobre o estado do ensino superior em Portugal (2006), a OCDE diz o seguinte (p. 19): "O nível de despesa pública com a educação superior em Portugal, 1,04 por cento do PIB, embora semelhante à média da UE 15, está significativamente abaixo de países como a Dinamarca, a Finlândia e a Suécia. (...), é importante notar que os países que estão a tentar alcançar os níveis de sistemas de ensino superior mais desenvolvidos precisam provavelmente de mais investimento, em percentagem do PIB, do que os países mais avançados. [sublinhado meu]" O parecer está disponível no site da tutela.
A área da defesa está sobrefinanciada. Pelo menos é o que nos indicam os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2007): na UE 27 + 1 (Noruega), há apenas quatro países com gastos superiores a Portugal. A média de gastos na defesa é de 1,7 por cento do PIB; em Portugal é de 2,3. Entre 2002 (PNUD, 2005) e 2005 (PNUD, 2007), 19 dos países considerados reduziram o peso relativo das suas despesas militares face ao PIB; cinco mantiveram-no exactamente igual; apenas três subiram o peso relativo das despesas militares, nomeadamente Portugal (+0,2). Admito que possam existir alguns problemas de comparabilidade mas, a existirem, não serão nem um exclusivo do caso português, nem da área da defesa. De qualquer modo, trata-se dos únicos dados comparativos disponíveis e publicados por uma fonte cuja idoneidade ninguém contesta.
Quando falamos de prioridades temos de comparar gastos relativos em diferentes áreas. Portugal não só gasta muito mais com a defesa do que com o ensino superior (ao contrário de outros países), como os gastos com aquela área têm aumentado, ao passo que os gastos com o ensino superior têm diminuído. No orçamento de 2007, a defesa aumentou 2,5 por cento (Expresso, 21/10/06). No Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) registou-se um corte global de 8,2; só para o ensino superior o corte foi de 14 por cento (Diário de Notícias, 8/11/06). No orçamento de 2008, a defesa cresce 8,5 por cento e o MCTES cresce 8,9. Porém, as verbas do MCTES vão fundamentalmente para a ciência (PÚBLICO, 13/10/07). Os reitores fizeram as contas e concluíram que, primeiro, em 2008 o corte real no superior é de 5 por cento e, segundo, o esforço de contenção que tem sido feito ao longo da legislatura é quatro vezes superior ao esforço que tem sido feito nas restantes áreas da governação (Primeiro de Janeiro, 19/10/07). E, de 2005 para 2007, o número de alunos aumentou de valores inferiores a 40.000 e 35.000, respectivamente no universitário e no politécnico, para 51.472 e 41.938 (PÚBLICO, 16/10/07). Alguém falou em prioridades?
P.S.: As recentes eleições para a Assembleia Estatutária na Universidade Técnica de Lisboa revelam que não são só os sindicatos que não se revêem nas políticas do MCTES: a Lista A, "Por uma universidade pública" e contra o modelo fundacional, venceu em todas as faculdades (Técnico e ISEG incluídos), obtendo 8 lugares em 12.
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André Freire é professor universitário de Ciência Política no ISCTE [Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa] e investigador no ICS [Instituto de Ciências Sociais] da Universidade de Lisboa e no CIES [Centro de Investigação e Estudos de Sociologia] do ISCTE; este seu presente artigo de opinião foi publicado na edição de ontem (4 de Dezembro) do jornal «Público».

Anteriormente já havíamos publicado um outro texto do mesmo autor: «Opções técnicas e opções políticas para o Ensino Superior [português]».

quarta-feira, novembro 28, 2007

Índice de Desenvolvimento Humano desceu em Portugal entre 2000 e 2005 (1ª vez desde 1975!!!)

O índice de desenvolvimento humano de Portugal desceu entre 2000 e 2005, o que acontece pela primeira vez nos intervalos quinquenais desde 1975. Portugal foi mesmo o único país da União Europeia e do conjunto da Europa onde esta tendência se registou nesse período, de acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2007-2008, divulgado hoje pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Nesta lista ordenada (“ranking”), que abrange 177 países, houve 14 países cujo índice desceu no mesmo período, mas nenhum outro dos classificados com desenvolvimento humano elevado (onde Portugal se encontra), que abrange os países com os 70 melhores resultados e tem o Brasil a encerrar o grupo.

Entre os 13 países que acompanharam Portugal nesta tendência estão sobretudo Estados africanos, como a África do Sul, o Zimbabwe e outros da região, ou ainda o Gana, o Quénia, o Togo e o Chade. Mas há também países como o Belize e a Papua-Nova Guiné. Estão sobretudo no grupo dos classificados como tendo desenvolvimento humano intermédio.

Portugal ficou na 29 posição na lista hoje divulgada pelo PNUD, tendo descido uma posição face ao ano precedente. O valor do índice de desenvolvimento humano de Portugal foi de 0,897 em 2005, quando no ano 2000 tinha sido de 0,904.

Mas uma descida de posição poderia no entanto ter acontecido mesmo com uma eventual subida do índice, o que significava que a situação no país continuava a melhorar, mas a um ritmo inferior à daquele(s) que nos ultrapassava(m). Uma descida do valor do índice como a que agora se conhece revela à partida uma degradação das condições de vida médias da população.

Desde 1975, quando o valor do índice era de 0,793, a tendência tinha sido sempre de subida nos intervalos quinquenais até ao ano 2000 – 0,807 em 1980, 0,829 em 1985, 0,855 em 1990 e 0,904 no ano 2000.

O índice de desenvolvimento humano é calculado para cada país com base num conjunto de indicadores estatísticos nacionais, como a esperança de vida à nascença, os níveis de instrução e o rendimento por habitante.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Reitor [da Universidade Clássica de Lisboa] acusa o Governo de financiar [com] mai$ as instituiçõ€$ norte-americanas do que as IES portuguesas

O reitor da Universidade de Lisboa (UL), António Sampaio da Nóvoa, acusou hoje o Governo de cortar no financiamento do Ensino Superior Público, transferindo para Universidades norte-americanas, a troco de "contrapartidas reduzidas", verbas superiores às atribuídas a algumas instituições nacionais.

No discurso de abertura do ano académico 2007-2008 da UL, António Sampaio da Nóvoa falou na necessidade de mudança, mas apontou o dedo ao Governo enquanto responsável por alguns entraves a essa mudança, como a "falta de modelos claros e transparentes de financiamento".

O reitor referiu que nos últimos dois anos Portugal foi o único país da Europa que reduziu o investimento no ensino superior, "remetendo as instituições para uma lógica de pura sobrevivência", apesar de estas terem cumprido as suas obrigações, nomeadamente no que respeita ao aumento do número de estudantes e à melhoria da qualidade da formação.

"Mas, ao mesmo tempo, o Governo transfere anualmente para universidades norte-americanas, ao abrigo de acordos interessantes, mas com contrapartidas reduzidas, verbas superiores às que transfere para algumas universidades portuguesas", acusou o reitor da UL.

António Nóvoa criticou também a proliferação de escolas por todo o país, considerando que, com o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, o Governo está a contribuir para essa situação.

"Faz-nos falta uma política corajosa de reordenamento da rede do ensino superior, pondo fim à proliferação de escolas que se criaram por todo o país, com a cumplicidade de poderes nacionais, regionais e locais", afirmou o reitor, acrescentando que "sobre isto, até agora, o Governo nada disse, tendo mesmo aprovado uma lei que convida, estranhamente, a uma maior fragmentação das instituições".

Ainda a propósito do regime jurídico, António Nóvoa reconheceu, contudo, que era necessário um novo modelo de governação das universidades e que esta lei contém inúmeros aspectos positivos, mas considerou que, ao mesmo tempo, "corre o risco de se transformar numa mera reforma orgânico-burocrática".

Para o reitor, só as universidades podem resolver os seus próprios problemas, o que não será possível se lhes for retirada "vida própria" e se forem descapitalizadas e incapacitadas de recrutar recursos humanos qualificados.

"Ao não favorecer a iniciativa, ao valer-se de argumentos de autoridade, ao debilitar as instituições, este Governo cria o desânimo entre todos aqueles que, genuinamente, se batem pelo progresso e pela inovação", disse o reitor da UL, sublinhando que "nada é pior do que a ilusão da mudança que deixa tudo na mesma".

Outra das críticas do reitor da UL prende-se com a falta de revisão do Estatuto da Carreira Docente Universitária, que considera "a mais urgente de todas as mudanças".

O responsável lamenta que, até agora, o Governo nada tenha dito sobre o assunto. "Sem um estatuto que permita recrutar e promover os melhores, pondo fim à mediania e à endogamia, estabelecendo uma ligação forte entre ensino e investigação, é impossível reformar a universidade".

A adopção de novas regras de avaliação e acreditação das instituições de ensino superior é outro aspecto que António Nóvoa considera fundamental para as universidades e nessa matéria deixa um elogio aos governantes.

"Faz-nos falta a adopção de normas exigentes de avaliação e de acreditação, acabando com a multiplicação de cursos que, com a conivência de governos e instituições, tem contribuído para degradar a qualidade do ensino superior. Sobre isto, merece aplauso a iniciativa do Governo: mais e melhor avaliação, feita com critérios internacionais", disse ainda o reitor.

Quanto às medidas que a UL pretende desde já adoptar, no âmbito da sua renovação, o reitor destaca a criação de massa crítica na universidade, o início da revisão dos estatutos (já foi eleita a assembleia estatutária), a junção com outras escolas no sentido de congregar esforços e a atribuição de maior peso às estruturas de investigação.

Universidades públicas sem dinheiro em 2008

O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), Seabra Santos, disse, ontem, que há pelo menos quatro universidades públicas em colapso financeiro, sem orçamento para as despesas até ao final do ano.

"Em 2008, todas as universidades públicas vão chegar ao ponto em que estão algumas em 2007", acrescentou Seabra Santos durante a audição do CRUP na Comissão parlamentar de Educação e Ciência.

A audição teve como objectivo dar a conhecer à Comissão, de acordo com Seabra Santos, "o contexto de gravíssimas dificuldades financeiras" que as instituições de Ensino Superior públicas enfrentam e que podem ser agravadas pelo investimento previsto no Orçamento de Estado de 2008 para o Ensino Superior.

O presidente do CRUP anunciou ainda, para os próximos dias, a entrega ao presidente da Comissão de Educação e Ciência, o socialista António José Seguro, de um pedido de compensações das despesas adicionais que as instituições de ensino vão ter no próximo ano.

Em causa estão, segundo Seabra Santos, os pagamentos dos salários de docentes e funcionários e a manutenção do normal funcionamento das instituições, despesas para as quais as universidades já não têm orçamento devido à redução do investimento público no Ensino Superior e a novos encargos financeiros que os estabelecimentos têm que assegurar, como aumentos salariais e aumentos nas contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (de 7,5 para 11%).

"Em 2008 as contribuições para a Caixa Geral de Aposentações representam metade do valor obtido com o pagamento das propinas", referiu o presidente do CRUP, que acrescentou que a maioria das universidades públicas em Portugal não tem meios de gerar receitas próprias.

Seabra Santos referiu ainda a necessidade de criação de mecanismos que permitam a gestão do orçamento períodos superiores a um ano.

quinta-feira, outubro 18, 2007

sábado, outubro 06, 2007

«Empréstimos para estudantes: a crise do crédito chega a Portugal», artigo de Rui Namorado Rosa

A nova medida de conceder empréstimos aos estudantes que o desejem para pagamento das propinas, trombeteada por Sócrates, com pompa e circunstância como uma medida de imenso alcance social, trata-se de facto de mais um ataque ao ensino público e mais um negócio milionário para o capital financeiro. Os futuros licenciados vão iniciar a sua vida profissional em empregos precários ou pagos a recibo verde e com uma dívida que para muitos será incomportável. O exemplo do EUA, donde a UE copiou a medida, está aí para o demonstrar. A rendição do PS e do seu governo maioritário às inovações do capitalismo neoliberal atinge agora os jovens estudantes...
EUA: CUSTOS E BENEFÍCIOS DA SOCIEDADE DO CRÉDITO

O conceito de empréstimos para estudantes foi concebido e posto em lei pelo Congresso dos EUA em 1965 (Higher Education Act). O conceito expandiu-se sobretudo ao longo da última década e meia, e alastrou à outra margem dos Atlântico. Um novo mercado estava criado oferecendo um imenso potencial financeiro.

O sistema abriu caminho à constituição de uma rede de companhias que operam um sector de serviços que movimenta anualmente cerca de US$ 85 biliões. Os maiores fornecedores de crédito a estudantes são a SLM.N mais conhecida como Sallie Mae, o Citigroup e o JPMorgan Chase.

O nível das propinas praticadas por algumas universidades privadas mais conceituadas é superior ao rendimento mediano das famílias norte-americanas. Este indicador dá para perceber por que é que a maioria dos jovens norte-americanos se não desiste do aceder ao ensino superior tem de necessariamente se endividar profundamente, mesmo sendo prudentes, para conseguir obter um grau académico.

Em face de frequentes quebras de contrato por parte de estudantes incapazes de reembolsar as suas dívidas, o Congresso primeiro alargou o período de carência e reembolso. Mas mais tarde (mediante alterações introduzidas no Higher Education Act) retirou aos devedores em falta as protecções em geral facultadas no quadro dos direitos dos consumidores, negou a oportunidade de renegociação da dívida, facultou poderes de excepção às entidades credoras, incluindo a apropriação de salários e de subsídios sociais. Alguns Estados chegaram ao ponto de confiscarem as licenças profissionais aos faltosos.

E o problema não é episódico. Quase 5 milhões de jovens norte-americanos estão em falta no reembolso das suas dívidas; este número exorbitante é impulsionado por propinas muito elevadas, altas taxas de juro, penalizações incorridas por atraso nos reembolsos, e dificuldades de emprego. As consequências sociais são óbvias: adiamento do estabelecimento de vidas familiares, emigração forçada, doenças do foro psíquico e até suicídio.

Este negócio bilionário presta-se a jogos de influência e a transacção de favores envolvendo legisladores (que fixam as regras), oficiais governamentais (que supervisam a sua aplicação), universidades (que fixam propinas excessivas e beneficiam dos empréstimos para o seu financiamento) e as companhias que exploram o negócio dos empréstimos para estudantes (acumulando enormes lucros e mordomias).

Os casos de corrupção são presentemente objecto de investigação. O Congresso considera reduzir os subsídios federais de que esta “indústria” (já de si lucrativa) ainda por cima tem beneficiado (supostamente para mobilizar capitais privados em benefício dos estudantes). Este ano de 2007 o Procurador-Geral já concedeu retirar a Sallie Mae e o Citigroup da lista de entidades sob investigação em curso, em troca do pagamento de uma penalização simbólica e da promessa de se absterem de futuros conluios com funcionários universitários.

Sallie Mae tem 10 milhões de “clientes” e administra anualmente US$ 142 mil milhões; o seu administrador executivo é o mais bem pago CEO em Washington; e os ganhos anuais dos accionistas gozam de um crescimento de dois dígitos percentuais (29% em 2003) que o CEO atribuiu tanto ao crescimento da emissão de empréstimos como de taxas cobradas a devedores em falta. Propinas elevadíssimas e emprego não qualificado e precário alimentam cinicamente este sucesso financeiro.

Os títulos de empréstimos a estudantes são activos financeiros das casas emissoras, que estas consolidam em pacotes e transaccionam como valores mobiliários tipo “securities” (ABS), sobretudo a investidores institucionais; só em 2006 foram vendidos US$ 79 mil milhões. A mesma Sallie Mae alimenta a maior parcela deste negócio. A responsabilidade e o risco são desse modo dispersos, encorajando a atribuição de crédito mesmo em casos de duvidosa cobrança. O crédito ABS tem protecção muito limitada, quer porque a garantia federal só é aplicável a situações muito restritas, quer porque é já grande a proporção de empréstimos privados obtidos directamente por estudantes junto de bancos comerciais.

O mercado de crédito ABS é muito menor que o mercado hipotecário de imóveis que, através do colapso de agentes e casas de crédito operando com hipotecas “subprime”, entrou em grave crise neste Verão de 2007. Mas o crédito ABS é considerado ter comportamentos de algum modo análogos, e ter também entrado em terreno de excessiva exposição a risco.

O FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL É QUE SABE

Os EUA foram pioneiros neste território de criação de crédito para o enorme e renovado universo de jovens procurando prosseguir estudos e, por esta via, de uma assentada financiar o sistema de ensino superior, “educar” os jovens no consumo de crédito, e ampliar o mercado financeiro.

A “teoria económica” para as propinas e os empréstimos no ensino superior foi formulada pelo Fundo Monetário Internacional em termos claros. Primeiro, as Universidades devem ser financiadas por uma combinação flexível de fundos públicos e propinas, podendo estas ser cobertas por um título de dívida; o acesso ao crédito é invocado para argumentar que com ele os jovens de origem modesta não seriam descriminados no acesso a estudos superiores. Segundo, o empréstimo deve acomodar as propinas e, em países mais ricos os custos de manutenção também, ficando sujeito a uma taxa de juro próxima da taxa de referência bancária; o reembolso será feito em amortizações proporcionais à remuneração e colectado com os impostos sobre rendimentos, após a presumível conclusão de estudos e colocação no mercado de trabalho. “Idealmente” os custos iniciais deste esquema de empréstimo deveriam ser suportados pelo sector privado mas, em países em desenvolvimento, uma garantia governamental é chamada a cobrir os riscos da operação, sem o que o prémio de risco cobrado pelo capital privado seria insuportável. Terceiro, a aspiração de acesso ao ensino superior é crítica e deve ser promovida; jovens de origens mais modestas, pouco motivados e não informados sobre os custos e benefícios do prosseguimento de estudos, terão relutância em se endividar para esse efeito; os fundos públicos seriam necessários para captá-los.

Os três elementos da estratégia preconizada pelo FMI são pois: propinas não limitadas e adiáveis, reembolso dos empréstimos a ritmo adequado aos rendimentos futuros, e promoção activa do acesso ao ensino superior. A máquina de contribuições e impostos, já montada pelo estado, irá recolher os proveitos futuros dos investidores privados, sem margem de fuga.

No Reino Unido, as propinas foram fixadas e os empréstimos introduzidos em 1998. As reformas depois legisladas em 2004 adequaram finalmente o Reino Unido ao esquema recomendado pelo FMI. Desde 2006 as propinas são livremente fixadas pelas universidades. Assim, actualmente os estudantes britânicos podem optar por pagar as propinas ou por contrair um empréstimo a um agente bancário, o qual pagará as propinas directamente à universidade; mas os empréstimos são extensíveis à cobertura dos custos de manutenção; e, desde 2005, estudantes carenciados são elegíveis para receberem uma bolsa também, mas só para além da contracção do empréstimo, numa malha fina de captação de clientes bancários. O salário líquido que o futuro graduado auferirá será deduzido do reembolso da dívida, em conjunto com o imposto sob rendimento e contribuição para a segurança social; a fronteira público-privado esbate-se neste sistema em que as políticas públicas servem linearmente o capital privado.

Nas palavras do FMI, o esquema instaurado no Reino Unido pode ser tomado como exemplar. Austrália, Canada, Nova Zelândia são outros “bons exemplos”.

A CRISE DO CRÉDITO EM EMPRÉSTIMOS PARA ESTUDANTES

No início de Setembro de 2007 o governo Português anunciou com pompa o lançamento de um inovador sistema de empréstimos para estudantes. Ameaçado pelo governo de Guterres, o de Sócrates passou à acção. E a promoção publicitária oficial não se fez esperar, mesmo antes de a banca se dar a esse trabalho. A velha onda de estudos superiores por empréstimo chegou assim a Portugal.

Para o efeito, o governo aprovou previamente o Decreto-Lei n.º 309-A/2007, que alarga a actividade das sociedades de garantia mútua à prestação de serviços conexos em benefício de estudantes do ensino superior. O sistema de garantia mútua baseia-se numa parceria público-privado, em que sociedades de garantia mútua, instituições de crédito maioritariamente privadas, são resseguradas por um fundo público, o Fundo de Contragarantia Mútuo. A banca comercial ficou assim habilitada a conceder acesso automático ao crédito a estudantes do ensino superior, com garantia do estado. O Decreto-Lei esclarece: a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários foi ouvida; porém as associações de estudantes e de pais, o Conselho Nacional de Educação ou o Conselho de Concertação Social não tiveram nada a dizer no que foi exposto ser uma inovação a favor da educação, do ensino superior, da “sociedade do conhecimento” em Portugal. Para que conste, para o governo trata-se de uma operação financeira, sejam quais forem os custos sociais e culturais em que o povo Português forçadamente incorre.

Os empréstimos terão uma taxa de juro apurada com base na taxa dos “swaps”, e um “spread” máximo de 1,0%, e não carecem de avales ou garantias patrimoniais. O montante do crédito pode atingir € 5.000 por ano, por estudante, até um máximo de € 25.000. O reembolso deverá concluir-se até 12 a 16 anos após a contracção do empréstimo (anos de curso, mais 1 ano de carência de capital, mais 6 a 10 anos de reembolso). Para uma população escolar da ordem de 400 mil alunos em formação superior inicial ou intermédia, o montante do crédito a ser assim gerado aponta para vários biliões de Euros. Os fundos de valores mobiliários agradecem as novas oportunidades de especulação e ganhos.

No quadro de drástica redução do financiamento público para o ensino superior, as famílias Portuguesas recebem agora o “privilégio” de terem de se endividar, ainda por cima em condições expeditas junto das instituições bancárias, para por essa via poderem vir a liquidar as propinas de que crescentemente se alimentam as universidades. O governo achou oportuno garantir que as propinas não serão agravadas – este ano – diplomaticamente adiando por um ano esse novo passo da reforma do sistema de ensino superior em curso.

Os “clientes” elegíveis para este negócio são alunos inscritos em cursos pós-secundários de especialização tecnológica, licenciatura ou mestrado, no quadro da reforma de Bolonha imposta pelo governo. Mas com ingénua surpresa ficamos sabendo que o esquema é extensível a bolseiros de doutoramento e pós-doutoramento e, pasme-se, investigadores também.

Quer dizer que um “estudante” aplicado e brilhante atingirá o grau de doutor cerca dos 26 anos de idade, ao fim de cerca de 20 anos de frequência escolar ininterrupta, acumulando já 8 anos de dívida, no mínimo. E que, no quadro actual da “sociedade do conhecimento”, elevada “competição” e “mobilidade” e inovador empreendedorismo”, terá provavelmente de continuar a recorrer ao crédito para continuar a trabalhar, por mais três ou seis anos como pós-doc, que o governo entende ser um prosseguimento natural de “formação ao longo da vida”, ou então, com ou sem recibo verde, como micro-empresário contingente.

Quer também dizer que um jovem licenciado ou mestre, que queira ou tenha de entrar na “vida activa” iniciará um percurso profissional já carregando aos ombros uma divida e seus juros acumulados, sabendo que a banca e a autoridade do estado estão vigilantes. Esse jovem não só pagará os custos da sua educação como a pagará várias vezes. E, sob a pressão de ter de a pagar, terá de estar “disponível” para aceitar o trabalho que puder alcançar, como trabalhador precário e flexível, ou emigrar, com o espaço da União à sua frente.

Este quadro, que se foi compondo nos EUA e outros países anglo-saxónicos, e que agora a União Europeia se esforça por alargar a todo o continente Europeu, é indissociável do modelo económico e ideológico neoliberal da presente etapa do capitalismo. Para além do retrocesso social que se contem na agressão a direitos fundamentais dos cidadãos, em benefício do poder imperial e omnipresente do capital industrial e financeiro, esta etapa configura a financeirização extrema da vida económica e social, um salto em afrente na procura da sustentação de um “crescimento económico” já completamente fictício, que procura iludir a sobrevivência presente deste sistema inumano à custa de hipotéticos recursos, bem estar ou até a sobrevivência, de vidas e gerações futuras.
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Rui Namorado Rosa é professor catedrático da Universidade de Évora, sendo também professor convidado do Instituto Superior Técnico.
O presente artigo de opinião foi retirado de «ODiário.info», do qual Rui Namorado Rosa é editor, anteriormente já havíamos publicado outros textos do mesmo autor: «De Bolonha a Lisboa» e «O Ensino Superior em Crise».

terça-feira, outubro 02, 2007

Durão Barroso sobre o Ensino Superior [nos 70's]

José Manuel Durão Barroso [actualmente presidente da Comissão Europeia] falando [algures na época do PREC] após um plenário de alunos da Faculdade de Direito de Lisboa [em que o camarada Zé Manel era um dos líderes da FEM-L (Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas), a "jota" do PCTP-MRPP]: "Inter-Comissões de Luta ... fazer avançar a luta ... conduz[ir] no sentido correcto a luta ... medida [do Governo] não é mais do que o reflexo da crise do sistema do ensino burguês ... medida que é inteiramente incorrecta, anti-operária e anti-popular, que lança estudantes contra trabalhadores e trabalhadores contra estudantes".

quinta-feira, setembro 13, 2007

Calcule os juros que vai pagar no seu crédito universitário

Um estudante do ensino superior que opte por contrair um empréstimo bancário garantido pelo Estado, no valor global de 25 mil euros para financiar a frequência num curso de cinco anos, e se decida pelo período máximo de desembolso - 10 anos - pagará 12 mil euros só em juros. Entre aqui para simular quanto terá que pagar pelo seu crédito.

Destes, 3.500 terão que ser amortizados ainda durante os estudos e 1.400 no ano imediatamente a seguir.

As contas resultam da utilização do simulador de crédito disponibilizado ao Jornal de Negócios pelo Santander Totta, um dos sete bancos que aceitaram assinar com o Governo, na passada sexta-feira, um protocolo de adesão ao Crédito para Estudantes do ensino superior com garantia mútua que estará disponível no ano lectivo que está prestes a começar.

Entre aqui, para aceder ao simulador efectuado pelo Santander Totta e testar o seu caso concreto.

No simulador efectuado pelo Santander Totta e que o Jornal de Negócios disponibiliza, há duas folhas de cálculo, consoante o prazo de duração do seu curso tenha três ou cinco anos. Para preencher tem os campos do montante do empréstimo (máximo de 25 mil euros) e a nota de curso, que se for superior a 14 valores traduz-se num juro mais baixo.

A ideia central passa por deixar de ser necessário que o estudante, ou a sua família, sejam obrigados aprestar qualquer tipo de garantia junto das entidades bancária para terem acesso a um empréstimo bonificado que lhes permita financiar os estudos e a vida estudantil. Ou seja, através da criação de um fundo de garantia, é o próprio Estado que assume o risco de incumprimento. Por isso, o "spread" praticado pelos bancos é mais baixo. Mas, ainda assim, os juros não são de negligenciar.

De acordo com o protocolo assinado por BPI, BCP, BES, Santander-Totta, CGD, Montepio Geral, Banif e Banco Comercial dos Açores, a taxa de juro máxima a aplicar nestes créditos bancários, cujo montante total não poderá ir além dos 25 mil euros - 5 mil euros ano -, irá resultar da aplicação da "swap" sobre as taxas juros, acrescida de um "spread" máximo de 1%.

Então vamos às contas. Um estudante que tenha média de 12 valores e opte por pedir ao banco 25 mil euros para financiar um percurso académico de cinco anos, e decida amortizar o empréstimo no prazo máximo de 10 anos, terá que preparar-se para desembolsar quase metade do valor contratulizado só em juros. Mais propriamente, 12 mil euros. Deste montante, 3.500 euros vão ser pagos ainda durante os cinco anos em que está a estudar, 1.400 no ano logo a seguir, e o restante (32.000 euros) durante os dez anos seguintes quando se iniciar a amortização do capital em dívida propriamente dito.

Também foram conhecidas sexta-feira as condições que vão limitar a aprovação do crédito. Isto é, apesar do Governo declarar a "universalidade do produto" em causa, a verdade é que este tipo de empréstimos vão estar vedados aos alunos que, não tendo rendimentos, assumam já um nível de endividamento no sistema bancário igual ou superior a 5 mil euros. Por outro lado, mesmo o aluno que tenha rendimentos não poderá contratualizar o empréstimo se o montante mensal das actuais prestações for superior a um terço do rendimento mensal.

O ministro da Ciência e do Ensino Superior, Mariano Gago, explicou, citado pela Lusa, que quando o novo sistema de empréstimos estiver em velocidade de cruzeiro "deverá abranger um total de 30 mil estudantes".

sexta-feira, setembro 07, 2007

Bancos e Governo assinam protocolos para empréstimos aos estudantes universitários

Sete instituições bancárias assinaram hoje com o Governo os primeiros protocolos de adesão ao sistema de empréstimos para estudantes do ensino superior. A medida vai abranger mais de 30 mil alunos, ou seja, dez por cento dos actuais 350 mil.

Os empréstimos situam-se entre os mil e os cinco mil euros por ano, para um máximo de 25 mil euros nos cinco anos de curso, e terão uma taxa de juro mínima com um spread máximo de um por cento.

Segundo o Ministério de Ensino, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, os empréstimos arrancam já neste ano lectivo.

O ministro Mariano Gago considera o sistema de empréstimos "uma peça central na política sistemática de modernização e qualificação do ensino superior".

No entanto, salientou "o carácter complementar" deste sistema, lembrando que, em paralelo, o Governo já garantiu o aumento progressivo dos fundos disponíveis para bolsas de acção social escolar aos estudantes mais carenciados e a manutenção das propinas nos níveis fixados pela lei actual.

"Pela primeira vez, o Estado responsabiliza-se pela garantia para permitir que todos os estudantes, independentemente dos seu níveis de património ou rendimento, possam ter acesso a este sistema de empréstimos", acrescentou, lembrando que até agora cabia aos próprios estudantes e famílias apresentar as garantias.

Portugal "precisa urgentemente de formações mais exigentes e medidas à escala da competição internacional", sobretudo no que diz respeito a "recursos humanos qualificados", defendeu.

O primeiro-ministro, José Sócrates, também presente na cerimónia, sublinhou que o sistema de empréstimos representa "um ponto de viragem no acesso ao Ensino Superior e uma mudança qualitativa muito importante".

"O que nós pretendemos com este medida é que os jovens tenham possibilidade de construir com liberdade a sua carreira académica e o seu projecto de vida e que se criem mais oportunidades para que todos realizem o seu potencial, recorrendo a suas escolhas e opções", disse José Sócrates.

terça-feira, agosto 28, 2007

Bancos têm melhor crédito que o Governo

A proposta do Governo para crédito universitário não é necessariamente a melhor para todos os estudantes. Há pelo menos três bancos que conseguem ter taxas de juro mais competitivas, segundo apurou o DN. Se precisar de recorrer a empréstimos, vale a pena comparar a oferta.

O Governo anunciou o tão esperado sistema de empréstimos a universitários, colocando a tónica na ausência de fiador e de outras garantias e na existência de taxas de juro mais reduzidas.

O DN apurou, no entanto, que a Caixa Geral de Depósitos (CGD), líder de mercado no segmento, o BPI e o Santander Totta conseguem negociar taxas mais baixas do que as previstas pelo Governo. Esta taxa de juro é calculada através da soma da taxa dos swaps, com um valor diferente consoante o prazo do empréstimo. Um exemplo: se um estudante contratar um crédito a dois anos, pode pedir 1o mil euros, no máximo. A taxa de juro a aplicar resultaria da soma da taxa dos swap a dois anos, que ontem era 4,534, com o spread de 1,35 (no máximo), ou seja, 5,884%.

No entanto, a CGD conseguiria uma taxa de 4,947%, somando o valor da euribor a um mês (4,447%) com um spread reduzido de 0,5 pontos. A esta vantagem junta-se o prazo de carência alargado (até sete anos), o facto de o spread poder baixar a 0,25 com médias superiores a 14 e a possibilidade de pedir empréstimos até 50 mil euros.

O BPI tem financiamentos até 30 mil euros em Portugal e 60 mil no estrangeiro, pedindo uma taxa fixa a partir de 5,3%. O prazo e a mensalidade (de um a dez anos) podem ser negociados, bem como o período de carência, total ou parcial, até 50 meses. Se o estudante quiser, pode amortizar a dívida sem penalizações.

O Santander Totta tem uma oferta competitiva para alunos com mais de 14 valores, com uma taxa fixa de 5,45%. A proposta do Governo (5,592) fica sempre acima, mesmo com o swap mais baixo (4,512) e o spread bonificado de 1,08%.

Confrontado com estas ofertas, o secretário de Estado do Ensino Superior, Manuel Heitor, disse que "as taxas de juro não podem ser comparáveis entre sistemas com e sem fiador e que a ausência deste é a grande novidade do sistema".

Em relação ao facto de a apresentação de garantias ou fiadores não ser difícil para muitos estudantes, o secretário de Estado apontou que "é preciso garantir que os estudantes que não as tenham obtenham um crédito". Quanto às taxas, admitiu que "vão baixar", com a concorrência entre bancos, a actual negociação e "a entrada de cada vez mais estudantes neste sistema". De resto, lembra que o sistema depende de análise de risco e que se baseia, por isso, num spread máximo.

Outros bancos apresentaram propostas menos competitivas. O BES, por exemplo, indexa a taxa à euribor a 12 meses (agora em 4,78%) e junta um spread de 3% (7,78%); o Millennium BCP soma 3% à euribor a seis meses (4,757%), conseguindo uma taxa de 7,757. Com garantias, o Banif tem uma taxa de 6,921 (2,5% de spread e euribor a três meses).

domingo, agosto 19, 2007

Open letter to the Generalbundesanwaltschaft

Open letter to the Generalbundesanwaltschaft against the criminalization of critical academic research and political engagement

On 31st July 2007 the flats and workplaces of Dr. Andrej Holm and Dr. Matthias B., as well as of two other persons, were searched by the police. Dr. Andrej Holm was arrested, flown by helicopter to the German Federal Court in Karlsruhe and brought before the custodial judge. Since then he has been held in pretrial confinement in a Berlin jail. All four people have been charged with “membership in a terrorist association according to § 129a StGB” (German Penal Code, section 7 on ‘Crimes against Public Order’). They are alleged to be members of a so-called ‘militante gruppe’ (mg). The text of the search warrant revealed that preliminary proceedings against these four people have been going on since September 2006 and that the four had since been under constant surveillance.

A few hours before the house searches, Florian L., Oliver R. und Axel H. were arrested in the Brandenburg region and accused of attempted arson on four vehicles of the German Federal Army. Andrej Holm is alleged to have met one of these three persons on two occasions in the first half of 2007 in supposedly “conspiratorial circumstances”.

The Federal Prosecutor (Bundesanwaltschaft) therefore assumes that the four above mentioned persons as well as the three individuals arrested in Brandenburg are members of a “militant group,” and is thus investigating all seven on account of suspected “membership in a terrorist association” according to §129a StGB.
According to the arrest warrant against Andrej Holm, the charge made against the above mentioned four individuals is presently justified on the following grounds, in the order that the federal prosecutor has listed them:

  • Dr. Matthias B. is alleged to have used, in his academic publications, “phrases and key words” which are also used by the ‘militante gruppe’;
  • As political scientist holding a PhD, Matthias B. is seen to be intellectually capable to “author the sophisticated texts of the ‘militante gruppe’ (mg)”. Additionally, “as employee in a research institute he has access to libraries which he can use inconspicuously in order to do the research necessary to the drafting of texts of the ‘militante gruppe’”;
  • Another accused individual is said to have met with suspects in a conspiratorial manner: “meetings were regularly arranged without, however, mentioning place, time and content of the meetings”; furthermore, he is said to have been active in the “extreme left-wing scene”;
  • In the case of a third accused individual, an address book was found which included the names and addresses of the other three accused;
  • Dr. Andrej H., who works as urban sociologist, is claimed to have close contacts with all three individuals who have been charged but still remain free;
  • Dr. Andrej H. is alleged to have been active in the “resistance mounted by the extreme left-wing scene against the World Economic Summit of 2007 in Heiligendamm”;
  • The fact that he – allegedly intentionally -- did not take his mobile phone with him to a meeting is considered as “conspiratorial behavior”.

Andrej H., as well as Florian L., Oliver R. und Axel H., are detained since 1st August 2007 in Berlin-Moabit under very strict conditions: they are locked in solitary confinement 23 hours a day and are allowed only one hour of courtyard walk. Visits are limited to a total of half an hour every two weeks. Contacts, including contacts with lawyers, are allowed only through separation panes, including contact with their lawyers. The mail of the defense is checked.

The charges described in the arrest warrants reveal a construct based on very dubious reasoning by analogy. The reasoning involves four basic hypotheses, none of which the Federal High Court could substantiate with any concrete evidence, but through their combination they are to leave the impression of a “terrorist association”. The social scientists, because of their academic research activity, their intellectual capacities and their access to libraries, are said to be the brains of the alleged “terrorist organization”.

For, according to the Federal prosecutor, an association called “militante gruppe” is said to use the same concepts as the accused social scientists. As evidence for this reasoning, the concept of “gentrification” is named - one of the key research themes of Andrej Holm und Matthias B. in past years, about which they have published internationally. They have not limited their research findings to an ivory tower, but have made their expertise available to citizens’ initiatives and tenants’ organizations. This is how critical social scientists are constructed as intellectual gang leaders.

Since Andrej Holm has friends, relatives and colleagues, they now also are suspect to be “terrorists”, because they know Andrej. Another accused individual was blamed for having the names of Andrej Holm and of two others charged (but not jailed) in his address book. Since the latter are also deemed to be “terrorists” – this is how “guilt by association” is established.

Paragraph § 129a, introduced in Germany in 1976, makes it possible for our colleagues to be criminalized as “terrorists”. This is how, through § 129a, the existence of a “terrorist group” is claimed.

Through these constructs, every academic research activity and political work is presented as potentially criminal – in particular when politically engaged colleagues who intervene in social struggles are concerned. This is how critical research, in particular research linked with political engagement, is turned into ideological ring leadership and “terrorism”.

We demand that the Federal Prosecutor (Bundesanwaltschaft) immediately suspend the § 129a-proceedings against all parties concerned and to release Andrej Holm and the other imprisoned from jail at once. We strongly reject the outrageous accusation that the academic research activities and the political engagement of Andrej Holm are to be viewed as complicity in an alleged “terrorist association”. No arrest warrant can be deduced from the academic research and political work of Andrej Holm. The Federal Prosecutor, through applying Article § 129, is threatening the freedom of research and teaching as well as social-political engagement.

quarta-feira, agosto 01, 2007

Reitores usam Bolonha para adiar prescrições no Superior

As universidades públicas suspenderam, por dois anos lectivos, a aplicação do regime de prescrições dos alunos que não perfizessem determinado número de créditos num dado espaço de tempo. A prescrição está prevista num decreto-lei de 2003 e teria a sua primeira aplicação no ano lectivo que está agora a terminar. Mas o Processo de Bolonha veio alterar a lógica dos cursos e os reitores estão ainda a afinar as suas regras de aplicação, inviabilizando a aplicação da lei.

A informação foi confirmada ao JN por António Ferrari, vice-reitor da Universidade de Aveiro. "A Comissão Especializada de Educação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) ainda vai analisar a forma de aplicar o regime de prescrições. Poderá acontecer logo no início do ano lectivo de 2008-09, limite temporal da transição de Bolonha, ou só em Setembro de 2009. Outra questão a resolver é se, nesse momento, terá ou não efeitos retroactivos em termos de contagem de créditos".

Gago em silêncio

Desde meados de Junho, o JN tinha tentado obter a confirmação desta informação por parte de outros reitores e do próprio CRUP, mas todos se recusaram a comentar a questão em concreto. Há um mês, numa entrevista ao JN, o próprio ministro esquivava-se a uma resposta, dizendo apenas que não era altura para falar do assunto - embora concordasse com o decreto-lei em causa.

Se aplicado com rigor, o diploma colocaria em risco de prescrição cerca de 1400 estudantes só da Universidade de Coimbra, no ano lectivo que agora terminou. Como medida de precaução, o Senado da Universidade de Coimbra tinha já aprovado uma deliberação, na qual era recomendada às faculdades a organização de uma época plena de exames para os estudantes em risco de prescrição em 2006/07, a realizar até ao final do mês de Setembro de 2007, bem como a organização de uma época idêntica no ano lectivo de 2007/08.

Punição de um ano

O decreto-lei 193, de 2003, assinado pelo primeiro-ministro Durão Barroso, determinava que as disposições do diploma entrassem em vigor no ano seguinte, isto é, 2004/05. O terceiro ano de inscrição, 2006/07, era o período em que os primeiros problemas poderiam surgir.

Para os alunos que, por exemplo, não tivessem completado pelo menos 60 unidades de crédito (ECTS), a punição era não poderem inscrever-se durante dois semestres, reingressando mais tarde sem sujeição a qualquer limite de vagas no curso.

Para a instituição, o problema era que os alunos prescritos não eram financiados pelo Estado naquele período de paragem. Cada instituição teve a liberdade de instituir o seu próprio regime de prescrições, mas aquele nunca poderia ser mais facilitador do que o decreto-lei 193.

Já a Universidade do Porto (UP) diz-se tranquila, uma vez que nenhum dos seus alunos corria o risco de prescrição em 2006/07. "As universidades devem actuar no sentido de prevenir estes casos extremos de insucesso", afirma José Marques dos Santos, reitor da UP.

domingo, julho 29, 2007

quarta-feira, junho 27, 2007

Concentração contra o RJiES: em frente da Assembleia da República, amanhã às 13h!!!!

Estudantes de Lisboa manifestam-se amanhã em frente à Assembleia da República

Estudantes do Ensino Superior público de Lisboa manifestam-se quinta-feira [amanhã, dia 28] frente à Assembleia da República contra o novo Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior, que nesse dia será debatido no Parlamento, disse fonte estudantil.
No dia anterior, quarta-feira [hoje], uma delegação da Associação Académica da Universidade do Algarve e representantes dos estudantes do Ensino Superior do Porto vão juntar-se a um grupo de alunos de Universidades e Politécnicos públicos de Lisboa para, em conjunto, entregarem na Assembleia da República um documento de contestação ao RJiES.

Os três grupos vão encontrar-se às 13 horas em frente ao Parlamento, disse à Lusa André Solha, porta-voz das Associações de Estudantes do Ensino Superior Público de Lisboa.

As Associações de Estudantes do Ensino Superior de todo o país estão ainda «a debater» outras acções de protesto contra o RJiES, pelo que poderá haver mais iniciativas nesta semana, disse André Solha.

As Associações de Estudantes do Ensino Superior Público de Lisboa, a Federação Académica do Porto e a Associação Académica da Universidade do Algarve contestaram [na passada sexta-feira], através de vários comunicados, o novo RJiES, aprovado na semana anterior em Conselho de Ministros.

Também alunos da Associação Académica de Coimbra entregaram [na passada sexta-feira] na Assembleia da República - local onde finalizaram um marcha estudantil que começou em Coimbra - um documento de protesto contra o RJiES com 5.000 assinaturas.

Entre outros pontos, os estudantes consideram que o diploma levará à privatização e elitização do Ensino Superior, retirando poder aos alunos e dificultando a sua participação na vida académica.

O Governo aprovou na quinta-feira [dia 14], em Conselho de Ministros a versão final da proposta de lei de Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior, um documento único que vem substituir os vários diplomas que até aqui regulavam o sector.

Esta nova Proposta de Lei regulará a constituição, as atribuições, a organização, o funcionamento, a competência e a fiscalização pública das instituições de Ensino Superior, substituindo e revogando as Leis de Autonomia das Universidades e dos Institutos Politécnicos, o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo e o Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior.

Esta proposta de lei introduz um modelo inovador que consiste na possibilidade de transformar instituições de Ensino Superior públicas em Fundações de direito privado, bem como a possibilidade de criação de consórcios entre instituições.

O diploma cria um Conselho Geral, o órgão de topo das Universidades e Politécnicos, maioritariamente composto por representantes eleitos de professores e investigadores.

Este organismo vai incluir obrigatoriamente representantes de estudantes e ainda um conjunto significativo de personalidades «de reconhecido mérito» externas à instituição, que estimulem e garantam a sua abertura à vida social, cultural e económica exterior, em percentagem não inferior a 30%, cujo parecer é obrigatório em «matérias fundamentais».

Os Conselhos Pedagógicos, compostos por igual número de estudantes e professores, são órgãos de consulta prévia obrigatória em matérias de organização pedagógica e de métodos de avaliação de desempenho do corpo docente e discente.

A proposta de Lei prevê também a criação da figura do Provedor do Estudante e o reconhecimento do papel das Associações de Estudantes e das Associações de Antigos Alunos.

Esta proposta segue as recomendações da OCDE num relatório encomendado pelo Governo e tornado público em Dezembro de 2006.

Estudantes colocam faixas negras no Marquês de Pombal

Estudantes do Ensino Superior colocaram esta terça-feira faixas negras na estátua do Marquês de Pombal, em Lisboa, em sinal de protesto contra o Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior que o Governo aprovou e enviou para o Parlamento.
Além das faixas negras, os estudantes encerraram simbolicamente a porta da Universidade de Coimbra que se encontra naquela estátua e colocaram um cartaz numa outra imagem com a inscrição «Menos democracia=pior Ensino Superior».

Jean Barroca, coordenador de Política Educativa da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, disse à Agência Lusa que os estudantes vão agora colocar imagens de enforcados nas principais estações do Metro de Lisboa, numa referência ao que consideram ser a morte do Ensino Superior.

Ao mesmo tempo vão distribuir panfletos explicando os motivos por que lutam contra o Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior (RJiES), aprovado pelo Governo a 14 de Junho e enviado para a Assembleia da República.

O RJiES tem provocado reacções negativas tanto de alunos como professores, que contestam, entre outros pontos, a nova forma prevista de eleição do Reitor e o novo modelo de gestão.

Ao abrigo do novo regulamento, os Reitores deixam de ser eleitos e passam a ser nomeados por um Conselho Geral, cuja composição deve incluir personalidades externas, num mínimo de 30 por cento.

Por outro lado, as instituições universitárias podem passar a ser geridas por Fundações de direito privadas.

As Associações de Estudantes estão contra o sistema de eleição do Reitor, contra o afastamento dos alunos dos órgãos de gestão, «pondo-se em causa a democraticidade do sistema», e «a falta de regras no que respeita à participação de entidades externas no processo de formação de vontade das instituições».

O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), que tal como as Associações de Estudantes contesta o escasso período de tempo concedido para a discussão pública do RJiES, discorda do modo de eleição do Reitor e critica a possibilidade de uma Faculdade ou unidade de uma instituição universitária se separar da Universidade sem intervenção ou contra a vontade dos órgãos a que pertence.

Contesta ainda a junção num único instrumento, o RJIES, dos sistemas universitário e politécnico, considerando que tal viola o princípio da autonomia universitária.

PSD propõe ao Governo acordo sobre reforma do Ensino Superior

O PSD propôs [ontem] ao Governo um acordo sobre a reforma do Ensino Superior assente em cinco princípios, entre os quais a "não governamentalização" do sistema.

"O PSD propõe ao Governo um entendimento que favoreça uma reforma profunda e estável para o Ensino Superior", afirmou o vice-presidente social-democrata Calvão e Silva, em conferência de imprensa.

O entendimento sobre a reforma do Ensino Superior, que será debatida no Parlamento depois de amanhã, deverá, segundo Calvão e Silva, ter como base "cinco princípios essenciais": diversidade, flexibilidade, não governamentalização, confiança nas comunidades académicas e não fragmentação.

A proposta de lei de Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior, aprovada a 14 de Junho em Conselho de Ministros, irá regular a constituição, as atribuições, a organização, o funcionamento, a competência e a fiscalização pública das instituições de Ensino Superior.

A proposta de lei introduz um modelo inovador que consiste na possibilidade de transformar instituições de Ensino Superior públicas em Fundações de direito privado, bem como a possibilidade de criação de consórcios entre instituições.

O documento propõe também a criação de um Conselho Geral, o órgão de topo das Universidades e Politécnicos, maioritariamente composto por representantes eleitos de professores e investigadores. Este novo órgão ficará responsável pela nomeação dos Reitores das Universidades.

Há um ano, o PSD apresentou igualmente uma proposta de reforma do Ensino Superior, que está, neste momento, em discussão na Comissão Parlamentar de Educação, e que prevê, entre outras matérias, que o órgão responsável pelo desenvolvimento estratégico das Universidades públicas seja maioritariamente composto por elementos externos à própria instituição.

O diploma do PSD consagra ainda a criação de órgãos colegiais científicos e pedagógicos, nos quais os alunos e corpos docentes ficarão representados, assim como o princípio de que os Reitores das Universidades e os Presidentes dos Politécnicos possam ser professores ou então "uma qualquer outra personalidade de reconhecido mérito".

Para que o acordo seja possível, os sociais-democratas avançam com uma proposta de calendário que prevê um "período razoável" de discussão do diploma na especialidade, com consultas aos parceiros e agentes envolvidos no Ensino Superior, e a aprovação final da lei até ao fim do mês de Outubro.

"É esta a proposta que fazemos ao Governo. Se o Governo aceitar este desafio, tanto melhor. O país, o Ensino Superior e os jovens portugueses só ganharão com isso", considerou Calvão e Silva, referindo que a Lei da Autonomia actualmente em vigor é de 1988 e foi aprovada por unanimidade, durante o primeiro Governo de maioria de Cavaco Silva.

"É uma lei que vigora há quase 20 anos. É, portanto, legítimo aspirar a que a nova lei venha a beneficiar de uma estabilidade ao menos similar, não devendo a estruturação do Ensino Superior em Portugal ficar refém do oscilar da alternância de Governos ou de maiorias absolutas", afirmou também Calvão e Silva, defendendo que o novo diploma venha a ser aprovado, "de preferência, por unanimidade".

Caso o Governo não aceite a proposta de entendimento do PSD e persista "na sua teimosia", acrescentou o vice-presidente social-democrata, "o PSD votará contra" a proposta do Executivo socialista, recusando ser "conivente com uma legislação que só criará instabilidade no Ensino Superior".

Apesar do desafio para um entendimento, Calvão e Silva não deixou de tecer duras críticas à proposta do Governo que será discutida depois de amanhã, considerando que se trata de um diploma "que agrava, de forma ostensiva, o intervencionismo estatal e o controlo governamental".

"É uma proposta que contraria o princípio da autonomia, à revelia das melhores práticas internacionais", disse o vice-presidente do PSD, justificando ainda a proposta de acordo com o Governo com a necessidade de um "amplo consenso cívico e político" na "causa nacional" que é "a melhoria da qualidade e a busca da excelência do Ensino Superior".

terça-feira, junho 26, 2007

Vera Jardim defende mais tempo de debate

O deputado socialista Eduardo Vera Jardim defende que o Regime Jurídico das Universidades e Politécnicos não deve ser aprovado antes do Verão como quer o Governo. No programa "Falar Claro", na Rádio Renascença (RR), o deputado [do Partido Socialista] juntou ontem a voz às centenas de professores, estudantes e até pessoal não docente que exigem mais tempo de discussão pública.

"Um período de três a quatro meses é muito importante", sustentou, considerando que a seguir à votação da proposta na generalidade, quinta-feira [depois de amanhã, dia 28], "deve seguir-se um período de discussão pública na Assembleia da República".

Esta posição vai ao encontro do PSD para quem, segundo disse Pedro Duarte ao «Jornal de Notícias», "sendo uma lei estruturante, a sua aprovação não pode ser precipitada".

No programa [radiofónico], a ex-ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite, exigiu que "este diploma não seja tomado como um facto consumado". E como Vera Jardim, teme que com a lei venha a "desmantelar o tecido universitário".

José Paulo Carvalho, do CDS, disse ser "inadmissível que uma proposta desta envergadura seja submetida à discussão num tão curto espaço de tempo".

O vice-presidente da bancada do PS, Jorge Strecht Ribeiro admitiu ao «JN» que o PS terá que esclarecer se quer alargar o prazo de debate. "O grupo parlamentar terá que se pronunciar", disse. Cecília Honório, do BE, manifestou-se contra o diploma, dizendo ao «JN» que a lei "irá desfigurar completamente a Universidade".

Pelo alargamento do prazo de discussão pública do novo Regime Jurídico para o Ensino Superior

À comunidade académica portuguesa:

1. A recente proposta do Governo de um novo RJiES [Regime Jurídico para as instituições do Ensino Superior], constitui uma profunda alteração da concepção do sistema de ensino, quer da sua estrutura e modo de funcionamento, quer da sua natureza e função na sociedade em que vivemos.
Pela sua importância, uma tal proposta deverá necessariamente obrigar à participação de todos os que constituem a comunidade académica: funcionários, estudantes, investigadores e professores.

Em face do calendário adoptado pelo Governo, que implica a discussão e aprovação do presente diploma legal no próximo dia 28 de Junho na AR [Assembleia da Reoública], tal expectativa será completamente gorada. É inadmissível que o essencial da discussão tenha lugar durante o período de exames que antecede as férias de Verão, comprometendo de um modo decisivo a participação exigente e rigorosa de uma boa parte do corpo docente e da quase totalidade dos estudantes.

2. A gravidade do que está em jogo não se esgota na questão metodológica comportando, para além desta, um fundado receio de que a nova proposta de RJiES possa pôr em causa a autonomia das instituições de Ensino Superior, desvirtuando aspectos fundamentais da natureza plural do seu funcionamento.

A colegialidade inerente à governação das Universidades é substituída por um Conselho Geral [CG], diminuindo drasticamente a representação e participação de estudantes e acabando na prática com a representação de funcionários não docentes. O CG terá no mínimo 30% de personalidades de reconhecido mérito externas à instituição, de entre as quais se elege o presidente deste órgão de gestão.
Caberá ao CG definir as linhas estratégicas de orientação e gestão das Universidades, incluindo competências de natureza científica, pedagógica e académica, como seja a abertura dum concurso público para nomeação do Reitor, que substitui o actual sufrágio pelos três corpos que compõem a Universidade.

3. A possibilidade de transformação de instituições de Ensino Superior Público em Fundações Públicas de direito privado, administradas por um Conselho de Curadores externos à instituição e nomeados pelo Governo, remete fortemente para um quadro de governamentalização e empresarialização das Universidades.
Qual a verdadeira margem de manobra, em instituições de direito privado, para prosseguir linhas estratégicas de orientação em função de critérios que não sejam eminentemente economicistas? Que espaço para áreas não tecnológicas como as ligadas às ciências puras ou às ciências sociais?

O Ensino Superior não pode ser tutelado pelos princípios de funcionamento do mercado.
Pelo contrário, deve um serviço público fundamental para o desenvolvimento do país, integrado na administração autónoma do Estado, e regido pelo Direito Público.

4. Por estas razões, os signatários apelam à Assembleia da República pelo alargamento do prazo de consulta e discussão da proposta do Governo do novo RJiES, até início do ano 2008.

Entrevista de Mariano Gago ao «JN» (parte 2/2)

Fundação tem motivado poucas Universidades

P: Tem recebido da parte de algumas instituições manifestações de interesse, mesmo que informais, relativamente às Fundações?

R: Sim, existem muitas pessoas de várias instituições de Ensino Superior que já me fizeram saber que iam começar a fazer estudos de viabilidade da mudança de Regime Jurídico.

P: Estamos a falar de 50% das instituições a manifestar esse interesse?

R: Não. Estamos a falar de um número relativamente reduzido de instituições, na medida que um dos critérios de escolha, pelo menos na primeira leva, tem a ver com critérios relativamente exigentes ao nível da capacidade de gestão e nível de receitas próprias da instituição (pelo menos 50% do total da receita necessária). Não há muitas instituições que cumpram para já esses critérios.

P: A transformação em Fundação beneficia o défice público?

R: Não ajuda nada. Ajuda a própria instituição. A consequência para o Estado e para o défice é neutra. Essas instituições irão gerar receita para suportar a despesa. O financiamento público continuará a existir e as despesas extraordinárias terão de ser complementadas com receitas extra, como acontece hoje. Nada muda nessa matéria. O que muda é a possibilidade de o Estado, nessas condições, dar mais autonomia de gestão à instituição em causa.

P: E em termos de contabilidade pública?

R: Em termos de contabilidade pública, aquilo que era a receita e a despesa da instituição fica fora do Estado e, portanto, passa para a responsabilidade da Fundação. Nada se altera no que diz respeito ao défice do Estado. A instituição já não contribui actualmente para o défice público e continuará a ser assim.

P: O Instituto Superior Técnico, de onde provém na qualidade de professor catedrático, parece-lhe um caso óbvio para proceder à autonomização como instituto universitário?

R: A Universidade Técnica de Lisboa é uma instituição muito "sui generis", tendo sido criada a partir de escolas autónomas que mantiveram a sua autonomia. Agora, estamos a falar da eventual mudança para o estatuto fundacional de alguma delas. Ainda é cedo para falar desse assunto. Essa é uma decisão que tem de ser tomada pelas próprias instituições, mas não tenho a mais pequena dúvida que essa ou outras encontrarão formas de contratualização ou associação com as respectivas universidades, qualquer que seja o cenário da sua evolução.

P: Os Reitores receiam a fragmentação.

R: Antes pelo contrário, a proposta prevê a criação de consórcios com funções próprias. Esse receio não tem fundamento.

Entrevista de Mariano Gago ao «JN» (parte 1/2)

Financiamento passará a depender de resultados
José Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, é um professor catedrático no Instituto Superior Técnico que aceitou pela segunda vez ser governante. Entre o tempo de António Guterres e o actual Executivo liderado por José Sócrates, a diferença para Mariano Gago foi basicamente terem-lhe acrescentado o Ensino Superior. Muitas chegaram a acusá-lo de só saber nadar em águas de Ciência. Se era verdade, parece ter aprendido depressa. Até ao final da legislatura, o [Ensino] Superior vai transfigurar-se.
Mariano Gago convidou-nos a sentar com ele para a entrevista. Na Reitoria da Universidade do Porto, tinha passado mais de três horas, quase sempre em pé, a ouvir e a responder a todos que o quiseram questionar sobre o novo Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJiES). Faz aqui a defesa de alguns pontos dessa e doutras reformas conexas.

«Jornal de Notícias»: Há quem o acuse de passar a ter poderes excessivos com o formato que deu ao RJiES. Estamos a falar da criação de Fundações (no caso de novas instituições), da capacidade de intervenção na definição das provas específicas ou nas formas de controlo do número de alunos nas Universidades públicas (apesar de dizer que terminaram os números clausus).

Mariano Gago: É natural que o Estado tenha mais responsabilidade relativamente ao sector público. O Governo tem a responsabilidade de utilizar da melhor maneira os dinheiros públicos. Uma das críticas principais que é feita ao sistema de ensino português é a diminuta regulação e intervenção, em termos estratégicos e não ao nível da gestão quotidiana, por parte do Governo - designadamente na rede pública. Mas essas críticas (excessivo poder do ministro) não têm fundamento. A criação de fundações não é decidida pelo ministro, mas sim pelo Governo através de decreto-lei.

P: E quanto ao poder de intervir nas específicas?

R: Não é aceitável que hoje seja integralmente livre a escolha por parte das instituições, relativamente ao elenco das provas específicas, sem cuidar da coerência do sistema. Sabe-se que existem casos em que, por força da competição pelo número de alunos, não existem os requisitos críticos para um determinado curso. A Lei vem até clarificar e limitar a intervenção do Estado para o estabelecimento de regras gerais.

P: Quando coloca mais critérios de exigência nas públicas, isso liga-se ao facto de o financiamento estar em causa, o que não acontece com as instituições privadas?

R: Liga-se com a qualidade do sistema. Estamos a falar de critérios mínimos. Esta Lei apenas aponta critérios comuns para instituições públicas e privadas quanto aos requisitos da qualificação do corpo docente, designadamente quantos doutorados face um determinado número de alunos. Há instituições que têm rácios muito melhores do que os critérios mínimos estabelecidos.

P: Quanto ao "numerus clausus", o Governo dá rédea solta aos privados e aperta a malha de exigência nas instituições públicas?

R: Não é verdade. Primeiro, o Governo define a possibilidade de intervir no ordenamento da rede. Segundo, os critérios são muito estritos em matéria da qualificação do corpo docente para que um determinado número de alunos possa ser aceite numa determinada instituição ou curso. Quando um curso é acreditado, tem a ver não só com o plano de estudos, mas também com a qualidade e quantidade do corpo docente disponível.

P: A futura lei do financiamento vai mudar a lógica segundo a qual quanto mais alunos mais dinheiro terão as instituições?

R: É claro que parte dessa lógica tem de se manter. Mas a tendência em todos os países vai no sentido de fazer uma lógica de financiamento por resultados, não tendo tanto a ver com o número de alunos inscritos, tendo mais a ver com actividade e resultados da instituição - designadamente quanto ao número de diplomados que são formados. As leis de financiamento têm de encorajar o sucesso escolar e não incentivar o insucesso.

P: Admite, portanto, que a futura lei do financiamento vá implementar essa lógica em Portugal?

R: Sim.

P: É sensível ao facto de os reitores dizerem que as universidades não têm dinheiro para pagar todas as acreditações à futura Agência?

R: Seria extraordinário. É uma visão estranha. É imaginar que existem custos proibitivos para essas avaliações, o que não é verdade. Hoje em dia, muitas universidades já financiam elas próprias avaliações bem mais caras, como por exemplo as acreditações junto das ordens profissionais.

"Há, de facto, a necessidade de racionalizar o politécnico"

P: Vai haver uma racionalização da rede dos politécnicos? Isso está implícito no RJIES ao dizer-se que haverá "consolidação e integração institucional dos institutos politécnicos que deixam de ser federações de escolas separadas e autónomas".

R: Há, de facto, a necessidade de racionalizar a rede do politécnico. É por esse motivo que se aponta para a necessidade de realizar as unidades orgânicas (escolas) dentro dos politécnicos e consolidá-los. Hoje, os politécnicos são apenas federações de escolas. Vão mudar e passar a ser partes de uma instituição consolidada que é o instituto politécnico. Por outro lado, aponta-se para a necessidade de criar consórcios entre instituições quando isso for adequado, medida importante para haver um ajuste da oferta formativa em determinadas áreas. Há instituições em permanência de competição entre si num território muito pequeno..

P: Entre a 5.ª versão do RJIES e a aprovada no Conselho de Ministros, as exigências ao nível do corpo docente nas universidades diminuíram. No rácio de um doutorado para cada 30 estudantes, primeiro exigia-se que todos aqueles docentes estivessem a tempo integral, mas depois só se pede que metade esteja nesse regime de vinculação (artigo 47.º, alínea c do ponto 1).

R: Não há cedências. Quando se analisam vários documentos que estão em discussão é natural que haja uma evolução em função da análise do concreto. Face à situação que existe hoje, o que propõe o diploma é de uma extraordinária exigência. Mas é uma exigência que se pode cumprir num prazo razoável. Introduzir uma exigência maior num prazo mais alargado seria menos interessante. Estes são os requisitos mínimos que podem ser cumpridos num prazo razoável.

P: Acha que temos personalidades para preencher os tais 30% de elementos externos nos conselhos gerais das universidades?

R: Acho que sim. Não estamos a falar de órgãos de gestão quotidiana. São órgãos que se reúnem quatro a seis vezes por ano.

segunda-feira, junho 25, 2007

Lei de Mariano Gago tem pontos inconstitucionais

Jorge Miranda critica proposta do Governo. Reitores apelam a mudanças e avisam que não vão baixar os braços.
A proposta de lei do Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJiES) pode ter pontos inconstitucionais. Quem o diz é Jorge Miranda, constitucionalista e professor de Direito da Universidade de Lisboa (UL). Também o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) se insurge contra o texto do diploma e apela a mudanças, "em defesa do Ensino Superior".
"Poderemos estar um dia, um mês, um ano ou até ao final do nosso mandato, para o qual fomos eleitos, mas não assistiremos sem reacção ao desmembramento das nossas Universidades", declara Seabra Santos, presidente do CRUP e Reitor da Universidade de Coimbra.
A proposta de lei que visa regulamentar o actual sistema de Ensino Superior prevê que as Universidades ou algumas das suas Faculdades possam ser transformadas em Fundações de direito privado, com um Conselho de Curadores nomeados pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior. O texto prevê ainda que o Reitor possa ser eleito por um novo órgão, o Conselho Geral, onde 30 por cento dos representantes são da sociedade civil.
Para Jorge Miranda, a "liberdade de aprender e de ensinar e a participação activa de professores, estudantes e funcionários nos órgãos de gestão das Universidades estão ameaçados". Por isso, diz que a proposta tem aspectos inconstitucionais.
Durante a sua intervenção na Convenção da Universidade de Lisboa - um encontro com o objectivo de debater o RJiES, que começou ontem [passada quinta-feira, dia 21] e termina hoje [sexta-feira, dia 22] -, Jorge Miranda alerta que a lei dará a possibilidade ao Governo de "desmembrar as Universidades", já que pode dar autonomia a apenas uma Escola, sem o consentimento da Universidade, para se autonomizar. Com esta medida, "qualquer Ministro pode destruir em poucos dias" uma instituição que demora muitas décadas a construir, alerta António Nóvoa, Reitor da UL. Jorge Miranda critica ainda o modelo de Fundação previsto pelo RJiES - "essas Fundações desconhecidas no ordenamento jurídico português, inventadas por Vital Moreira, com Conselhos de Curadores nomeados pelo Governo", apelida.
Adriano Moreira também pediu a palavra para lembrar que já o Governo de António Guterres queria aplicar o regime de Fundação e que, na altura, foi feito um diploma para o permitir, cuja autoria era do constitucionalista Vital Moreira, do ex-Reitor de Coimbra Rui Alarcão e de um actual Ministro, mas que não chegou a ser aprovado. "É necessário um enquadramento específico" para introduzir o modelo fundacional, alerta.
E como é que se criam Fundações cujos fundos são provenientes do Estado?, pergunta Marcelo Rebelo de Sousa. "Fundações sem fundos é coisa que não existe", analisa.
O CRUP, em conferência de imprensa na UL, diz que o Governo segue um caminho inverso ao do resto da Europa que é o da fusão das instituições e não da sua fragmentação. Os Reitores defendem que devem continuar a ser eleitos e que é necessário haver estabilidade nas escolas para criar os novos estatutos previstos pelo RJiES. "Os próximos tempos não hão-de ser de tédio", avisa Seabra Santos.

domingo, junho 24, 2007

Regime Jurídico na Assembleia da República com alterações significativas, afirma o SNESup

Deu entrada na Assembleia da República, onde passou a ser a Proposta de Lei nº 148/X, a chamada versão final do RJiES [Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior].
  • lamentavelmente, o MCTES [Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior], sem que disso tivesse sequer informado as associações sindicais, veio sujeitar a aplicação do Código do Trabalho a um regime especial, circunstância que irá alimentar a resistência das entidades patronais à regularização da situação do seu pessoal docente (cfr. nova redacção do actual artigo 53º);
  • foram tidas em conta, embora nem sempre a redacção seja a mais feliz do ponto de vista formal, algumas das observações que lhe foram dirigidas pelo SNESup e pela FENPROF, reiteradas na reunião realizada em 5 de Junho último, sobre a inconveniência de, através do RJiES, consagrar formulações que restrinjam directa ou indirectamente o âmbito da negociação da revisão dos estatutos de carreira (cfr. nova redacção dos actuais artigos 48º a 50 º, artigo 102º nº 3, artigo 120º) ;
  • muito embora na reunião de 5 de Junho o Ministro Mariano Gago tenha reafirmado a sua ideia de que os conselhos científicos deveriam ter um papel puramente consultivo, a redacção adoptada acabou por salvaguardar, conforme o SNESup defendeu então, aspectos importantes da competência deliberativa daqueles órgãos (artigos 100º d) e 103 º - 1).

No restante, o texto divulgado consagra algumas soluções cuja justificação se afigura duvidosa e acolhe algumas formulações marcadamente inconstitucionais, aguardando o SNESup o pedido formal de parecer da Assembleia da República para apresentar as propostas que tem em preparação.

18-6-2007

Entrevista do ministro Mariano Gago ao «DN»

P: Em que vai o novo Regime Jurídico do Ensino Superior (RJiES) melhorar o sector?

R: Os regimes jurídicos não fazem só por si as reformas. Espero que este estimulem as camadas mais dinâmicas e reformadoras do ensino superior português. Acredito que vai melhorar muito a diversidade das instituições, em função da missão e condições de cada uma. A sua governabilidade, a capacidade de cumprirem os objectivos a que se propõem. Vai aumentar a sua autonomia financeira, administrativa e de gestão de pessoal, como nunca aconteceu em Portugal. Ao mesmo tempo, responsabiliza-as, sobretudo os seus líderes eleitos. Aumenta a abertura à sociedade. A presença de elementos externos, escolhidos pela instituição, não apenas como consultores mas no seu governo, é fundamental. O regime deixa ainda as instituições portuguesas em melhores condições no dificílimo combate internacional para reter e atrair recursos humanos qualificados.

P: Disse que se opõe à reforma quem está confortável na situação actual. Mas já ouviu algumas críticas da parte de Jorge Sampaio e de Marcelo Rebelo de Sousa...

R: Toda a mudança suscita uma reacção conservadora, é natural. Estou convencido de que muitos dos que hoje exprimem dúvidas em relação às propostas cedo verificarão que estas são essenciais, e muito próximas das que permitiram reformar e modernizar a maioria das universidades e institutos politécnicos da Europa nas últimas décadas. Os modelos de eleição do reitor que propomos, e sobretudo de organização dos órgãos de maior responsabilidade, foram adoptados há muito em toda a Europa. O que é estranho é essa consciência não ser generalizada em Portugal. Isso é um factor de atraso numa reforma tardia.

P: Já admitiu ampliar o prazo de implementação do regime. Até quando? Setembro de 2008, no início desse ano lectivo?

R: É preciso ver que, após a publicação, a lei só entra em vigor ao fim de 30 dias. Por isso, estamos a falar de 13 meses. Mas, sim, esse parece-me um prazo razoável, dentro das nossas expectativas. Não será um atraso de um mês ou dois que vai pôr em causa a reforma.

P: Há quem o acuse de não ter dado margem de debate do diploma, ao divulgá-lo a 20 de Junho e levá-lo ao Parlamento oito dias depois.

R: Quem faz essa afirmação ou é por distracção ou por má-fé. A reforma foi anunciada no princípio deste Governo, há mais de dois anos, preparada durante mais de um ano através da visita, da análise detalhada, da discussão pública, de peritos internacionais [OCDE] que estiveram em Portugal repetidamente, que produziram relatórios que foram discutidos. É uma reforma que, já ao longo do ano de 2007, foi antecedida da publicação de linhas orientadoras e de um anteprojecto submetidos também à apreciação da comunidade universitária e fora dela. Não deve ter havido uma reforma tão longamente preparada. Este é o ponto final do processo que dura há mais de ano e meio.

P: Com críticas reincidentes, por exemplo ao fim da eleição do reitor nos moldes actuais...

R: Tem de ficar claro que a comunidade académica continuará a eleger o reitor. Hoje, a eleição é feita através de assembleias gerais: metade representantes de professores e a outra de funcionários e alunos. O modelo muda em duas vertentes: em primeiro, os professores passam a ser a maioria no órgão que elege o reitor, a que se chama Conselho Geral. Os estudantes mantêm-se nesse órgão. Em segundo, surgem elementos externos. São os membros eleitos da universidade que vão escolher esses elementos da sociedade civil. É garantida a total autonomia da instituição. Além disso, qualquer professor de fora se poderá candidatar a reitor. Nesse aspecto, a situação actual é mais restritiva.

P: O conselho terá muitos poderes...

R: Não é apenas uma assembleia eleitoral que depois de eleger o reitor se dissolve. É um órgão de supervisão da instituição, com poderes próprios. Foi eleito e portanto tem a possibilidade de aprovar os orçamentos, os planos de actividade da instituição. Esta mudança tem uma função e um objectivo. Promover que se candidatem a cargos de chefia, de responsabilidade, com muito mais poder, as pessoas mais capazes. E que haja um processo de selecção que envolve candidaturas, discussão pública dos programas.

P: Está muito confiante no papel da sociedade civil nos conselhos. Acredita nessa mobilização?

R: Se todas as universidades e politécnicos públicos tivessem o máximo de elementos previstos no conselho geral, eram precisas cerca de 250 de pessoas para o País inteiro. Estamos a falar de pouco mais de uma trintena de instituições e de um máximo de oito elementos. Não há em Portugal 250 pessoas profissionais, competentes, que queiram contribuir para o destino das instituições do ensino superior? Peço desculpa, recuso-me a aceitar isso.

P: Os estudantes queixam-se de terem perdido representatividade nas decisões...

R: Os estudantes estão no centro dos objectivos da reforma do ensino superior. A sua participação nas instâncias pedagógicas é reforçada, e associada a objectivos de avaliação interna da qualidade do ensino. A participação de representantes eleitos de estudantes no novo órgão de governo de topo das instituições é garantida imperativamente.

P: Mas... dois representantes?

R: A lei apenas define os órgãos mínimos das instituições que certamente criarão não apenas novos órgãos mas mecanismos de participação generalizada da comunidade académica. Estou convicto que muitas instituições vão definir formas inovadoras de consulta e participação alargada como forma de reforçar a preparação das decisões pelos órgãos eleitos.

P: A propósito de estudantes, o sistema de empréstimos sempre será realidade este ano?

R: Estou bastante optimista em relação a essa possibilidade, mas prefiro não me alongar muito. Não depende só da minha vontade.

P: O Conselho de Reitores acusa-o de desmembrar as universidades, ao permitir a passagem a fundações de algumas das suas unidades sem terem de ouvir as instituições...

R: Há aí uma posição alarmista e de grande conservadorismo. Na situação actual, sem qualquer mudança de regime jurídico, a criação, extinção ou fusão de faculdades é gerida pelo Governo. Não podemos aceitar que nenhum responsável máximo da universidade se arrogue o direito de proibir aos governos a responsabilidade democrática de recompor, em função das necessidades nacionais, a rede do ensino superior. Ao contrário do que se tem dito, se uma faculdade, por exemplo, disser ao Governo que tem melhores condições para cumprir a sua missão como fundação de direito privado, mantendo-se como instituição pública, a lei obriga a que a universidade seja consultada. E depois o Governo decide.

P: Já há essas manifestações de interesse?

R: Há instituições que o fizeram saber publicamente, mas não há manifestações de interesse até à aprovação da lei. Numa primeira fase, é normal que um dos critérios seja o nível das receitas próprias [50%]. Pouquíssimas terão as condições.

P: Uma eventual autonomização do Instituto Superior Técnico não seria grave para a Universidade Técnica?

R: Muitas das grandes universidades já têm faculdades com autonomia administrativa e financeira, que recolhem receitas próprias. Este modelo, provavelmente, permite mais articulação entre muitas das escolas actuais. Não imagino que algumas dessas instituições não fizessem contratos de parceria, de integração de consórcios com as suas próprias universidades de origem.

P: Fala-se também nos centros de investigação. Não se vai separar pesquisa e ensino?

R: Pelo contrário, acho que vai conseguir-se uma consolidação entre estruturas de ensino e de investigação numa matriz nova. Muita da investigação em Portugal foi feita contra as hierarquias e lideranças universitárias. Por isso é que teve de adoptar formas externas de organização.

P: Disse que o numerus clausus vai desaparecer. Mas o RJIES ainda sujeita a fixação de vagas às orientações da tutela e à sanção do ministro. O que muda afinal?

R: A avaliação e acreditação das instituições e dos cursos, a fixação de requisitos mínimos de quantidade e qualificação do corpo docente, definirão os limites da capacidade de cada instituição. Assim, em regra, deixará de ser necessária a fixação pela tutela do numero de vagas em cada curso de licenciatura, quer no sistema publico quer no privado. Isso já é assim hoje nos segundos e terceiros ciclos [mestrados e doutoramentos]. Progressivamente, sê-lo-á também nas licenciaturas. Não seria aceitável, por exemplo, que as instituições de um dado sector decidissem colectivamente reduzir as vagas em áreas de forte procura e relevância. Esta mudança vai requerer a entrada prévia em funcionamento pleno da Agência de Avaliação e Acreditação e a definição de regras estáveis de ordenamento da oferta de cursos.

P: As exigências ao nível do número de doutorados no corpo docente serão iguais para o público e para o privado. São de prever dificuldades?

R: Há algumas instituições públicas, e bastantes nos sector privado, que não atingem os mínimos pretendidos. Algumas, muito poucas, no privado, estão excepcionalmente longe. Mas, contas feitas, o número de doutorados de que falamos seriam algumas centenas. E é preciso o País não esquecer que, por ano, formamos cerca de 1300 a 1400 doutorados. Existem esses recursos e é indispensável que as instituições os utilizem.

P: Qual será o futuro de privadas como a Independente que, diz o Governo, não cumpre os mínimos. Extinção? Fusões?

R: Não me compete nem sinto que seja correcto pronunciar-me sobre essa matéria. As instituições são livres de procurar as melhores soluções para as suas necessidades.

P: Quais são os desafios concretos para os Institutos politécnicos?

R: A lei consagra o reforço do sistema binário nas instituições do ensino superior. Portugal precisa de ensino politécnico e de ensino universitário. Do que não precisa é do que tem vindo a acontecer nas últimas décadas, que são instituições que eram excelentes politécnicos e começaram a abandonar essa vocação para procurarem ser instituições universitárias para as quais não tinham a vocação nem os recursos. O País precisa de instituições politécnicas fortes.

P: O que será o grau de especialista nos politécnicos. Será reconhecido lá fora?

R: O grau de especialista visará reconhecer conhecimentos particularmente elevados. Por natureza, estará reservado às pessoas com mais experiência. A sua formalização dependerá ainda de negociações, nomeadamente com as ordens profissionais. Vários países já reconhecem estas qualificações.

sábado, junho 23, 2007

Fundações no Superior só para as €$colas rica$

O novo Regime Jurídico das instituições do Ensino Superior (RJiES) abre a possibilidade de as Universidades se transformarem em Fundações. Contudo, essa não será uma realidade para todas. Pelo menos por enquanto: é que Mariano Gago defende que o Governo apenas deverá aprovar as propostas das instituições [de Ensino Superior] quando estas tiverem um nível de receitas próprias superiores a 50%. Ou seja, quando não dependerem maioritariamente do Orçamento de Estado.

Assim, só instituições [de Ensino Superior] com um nível elevado de captação de recursos externos, por via da investigação ou de prestação de serviços à comunidade, poderão candidatar-se a uma transformação em Fundação. O que terá vantagens, explicou Mariano Gago, em termos de autonomia financeira das instituições. As despesas das Universidades vão deixar ser consolidadas nas contas públicas do Estado - com visíveis vantagens para o défice público - e isso significa que vão poder capitalizar e "poupar" recursos de um ano para o outro para investimentos próprios.

Esta foi uma das posições assumidas pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, durante a apresentação e debate público do RJiES, que ontem teve lugar na reitoria da Universidade do Porto. Um encontro muito participado, onde o ministro foi questionado e contestado por professores e estudantes sobre várias propostas concretas do novo documento. Mas Gago não recuou e, no final, justificou as opções criticadas.

Em destaque esteve a crítica severa levantada anteontem pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas relativamente à "pulverização" das Universidades, permitidas pela possibilidade de o Governo autorizar a autonomização de unidades orgânicas.

A questão foi trazida a debate pelo reitor do Porto, Marques dos Santos, e Mariano Gago não perdeu tempo a responder, garantindo que no quadro legal actual, o Governo já pode criar, extinguir e fundir Faculdades. E que, no futuro, se houver propostas de autonomização de Faculdades ouvirá a Universidade, mas que o poder de ponderação pertence ao "Governo inteiro" e é "uma responsabilidade colectiva do poder político".

O ministro não respondeu às dúvidas levantadas pelo ex-presidente da República, Jorge Sampaio, nem sobre possíveis inconstitucionalidades desta nova proposta de lei, mas trouxe consigo para apresentar o documento Vital Moreira, um constitucionalista que participou na sua formatação. O jurista apresentou-se como um "engenheiro", o técnico que deu à proposta "forma técnica e jurídica" - no que foi prontamente rectificado pelo ministro que, num momento de humor, disse: "Engenheiro não, que não está inscrito na Ordem".

Relativamente às dúvidas levantadas por presentes sobre a pertinência ou disponibilidade de elementos externos para integrarem os Conselhos Gerais - órgãos com poderes de gestão -, Gago foi incisivo: "Os membros não são um quadro de honra de uma feira de vaidades". Condenando o que chamou de "visão infantil", o ministro afirmou que esses elementos "vão dar o seu trabalho competente e não um nome".