quarta-feira, junho 21, 2006

Processo de Bolonha, visto por alguns professores

Diogo Pires Aurélio (docente de Jornalismo na FCSH-UNL): «por força da aplicação da Declaração de Bolonha, (...) a partir de Setembro próximo, a Universidade tradicional tem os seus dias contados.
[O Processo de] Bolonha é também o triunfo do eduquês e, pior ainda, leva a Universidade a abdicar de tudo quanto foi a sua vocação secular, transformando-a em mais um centro de preparação de "recursos humanos", ao sabor de conjunturas empresariais ou políticas. Se não houver, em paralelo com esta reforma, uma política de estímulo à investigação nos vários domínios, corre-se o risco de ficar com um sistema racionalizado, mas que já pouco terá de Superior e ainda menos de Universitário.
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João Sousa Andrade (catedrático de Economia na FEUC): «[É "pensamento" corrente que] O importante é ensinar e não dominar um conhecimento científico. Em conformidade, o ensino passou, muitas vezes, a valorizar aspectos lúdicos que afastam o estudante da iniciativa de estudo e do esforço de aprendizagem de uma ciência. (...) No Ensino Superior deparamos com um abandono considerável dos jovens, com taxas de insucesso enormes e uma fraca assiduidade dos estudantes às aulas. E mesmo assim, temos, globalmente, um número de licenciados superior à sua procura. Este desequilíbrio tem empurrado a Universidade a multiplicar os cursos de natureza profissional.
Onde pretendemos chegar? Na Universidade, o passo está dado para confundirmos o ensino científico com o ensino que cria profissionais. A dialéctica do "saber" (ou "conhecimento") e do "fazer" não pode ser encarada em geral, e não pode ser encarada da mesma forma na Universidade e no Ensino Superior Politécnico.
Quais as ideias-base da "revolução" [do Processo] de Bolonha? Para além dos objectivos de um Ensino Superior Universitário Europeu de qualidade, pretende-se fazer uma "revolução" de práticas pedagógicas e de aprendizagem. Que "revolução"? Em que consiste? Será que posso discutir currículos sem discutir no que consistem aquelas novas práticas? Claro que penso na aplicação das "novas ideias", por forma a melhorar o nosso ensino e a resolver os nossos actuais problemas. Não estou assim a admitir a solução adoptada noutros países, que foi de simples adequação. Porque se a questão é de adequação, depressa nos adaptamos ao "figurino" de Bolonha, e não vale a pena perder muito tempo com o assunto.
Penso que existem motivos de preocupação. A ideia que tenho visto nalgumas propostas, de redução de aulas, parece-me abusiva e perigosa. Significa isto que as horas de contacto estarão reduzidas ao "contacto directo"? E o "contacto de apoio"? E a "tutoria"? Quais as novas metodologias de aprendizagem e de estudo que vamos introduzir em proveito do estudante que tornam essas propostas adequadas? As nossas bibliotecas, frequentemente com três ou quatro exemplares de livros usados por várias centenas de estudantes, e com espaços de leitura exíguos, estão adequadas a uma maior iniciativa de estudo e investigação dos estudantes?
A ausência de assiduidade dos estudantes pode ser agravada com uma simples adaptação ao dito "figurino". Como poderemos combater os nossos problemas com as novas reformas? Os métodos pedagógicos e as práticas de aprendizagem nos primeiros semestres não deverão ser diferentes dos últimos semestres. Mas como?
Quanto à questão da dialéctica do "saber" e do "fazer", ou do "conhecimento" e da "formação profissional", os objectivos e os instrumentos adequados ao que entendemos ser uma licenciatura estão em documentos de auto-avaliação. Trata-se de aplicar esses princípios.
O que não é fácil em face do desvio para a formação profissional e da exigência posta na lei sobre o que deve ser uma licenciatura. Mas não se trata de inventar de novo, o que seria mais complicado.
Desde há vários anos que o ensino das licenciaturas tem convergido na Europa. (...) Para essa convergência muito contribuiu a mobilidade de estudantes e docentes. Impor prazos, antecipando [a total aplicação do Processo de Bolonha até] 2010, para uma convergência completa não faz sentido. Impor prazos que podem arrastar e, pior que isso, justificar a simples adequação pode ter efeitos catastróficos.
A regra mais útil a respeitar deveria ser a de que nenhum curso adopta o "figurino" de Bolonha se não alterar a forma de ensinar e aprender. A regra deveria ser a inversa da que impõe prazos para a "reforma".
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