quinta-feira, julho 20, 2006

O Processo de Bolonha e a Constituição Europeia

O processo de Bolonha é, pela forma como tem vindo a ser introduzido, um tema de discussão recente para muita gente, no entanto as transformações que ele traz são maturadas há muito pelos senhores do poder europeu.
É preciso recuar na história e relembrar as primeiras negociações feitas pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, European Round Table (grupo industrial que inclui nomes como a Renault, Deutsche Bank, Fiat, Volvo, Standard Oil, Shell, Nestlé) e Comissão Europeia, com vista ao projecto de um novo Ensino Superior europeu.
Como prova disso mesmo relembre-se o primeiro relatório sobre a educação, datado de 1989, que é da responsabilidade da ERT [European Round Table]. Nesse relatório assume-se que a educação e a formação são investimentos de interesse vital para as empresas. O sector industrial já ai lamentava a sua pouca influência sobre os cursos leccionados e também que os docentes ignorassem o contexto económico e as necessidades da indústria. Este foi mais que um relatório, foram recomendações, objectivos que os governos deveriam incorporar nas suas políticas.
A OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] e a Comissão Europeia, não esperam muito e rapidamente puseram mãos à obra encarregando-se de espalhar a "boa nova" pelos governos. No entanto o projecto inicial da comparabilidade entre formações homólogas adquiridas em países distintos através de um sistema de créditos universal [ECTS] e da mobilidade de estudantes é da responsabilidade de um conjunto de países europeus, não estando ligado ao projecto de mercantilização do ensino preconizado pela Comissão Europeia, OMC [Organização Mundial do Comércio] e Banco Mundial. Mas o projecto acabaria por ser apropriado pelas entidades antes referidas e assim em 1999 é assinado o Tratado de Bolonha com vista à harmonização do Ensino Superior europeu.
[O processo de] Bolonha tem uma retórica esplêndida, mas a verdade é que tudo não passa disso mesmo, retórica pura e simples porque os objectivos são outros mas claros, tais como: facilitar a privatização do Ensino Superior, prosseguindo a estratégia mercantilizadora dos serviços públicos como acontece nos Estados Unidos; favorecer as instituições e economias dos principais centros económico-financeiros europeus; elitizar o acesso aos mais elevados graus de ensino, reproduzindo e acentuando (através da desigual distribuição de conhecimento entre os que podem pagar e os que não o podem fazer) as graves desigualdades sociais; criar trabalhadores mais baratos, aumentar a exploração, sendo a aquisição do conhecimento responsabilidade do trabalhador e não um direito de todos.
A prova destes objectivos reside no Tratado Constitucional Europeu, mais um produto de beleza retórica da Comissão Europeia. No ponto III-167 é bem explícito que “qualquer ajuda concedida por um Estado membro ou através de recursos do Estado em qualquer forma que seja que distorça ou ameace distorcer a competição ao favorecer certos empreendimentos ou a produção de certos bens no futuro, na medida em que afecte o comércio entre Estados membros, será incompatível com o mercado interno.” Não se faz menção de que os serviços públicos sejam isentos deste mercado, podendo-se apenas concluir que os serviços públicos onde se inclui a educação estão também sujeitos ás regras do mercado.
E o que é o mercado? O mercado é a submissão dos serviços e bens ao dinheiro e, principalmente, à acumulação de lucro. Nem é preciso procurar muito no quotidiano para se percepcionar este novo paradigma económico, repare-se no aumento de propinas, encerramento de maternidades, serviços de urgência, na redução do valor das reformas, na liquidação dos sectores empresariais do Estado, condicionamento do acesso à justiça. Está-se a por em causa o princípio da gratuitidade ou tendencial gratuitidade de serviços públicos, como na saúde e educação. O dinheiro em primeiro as pessoas depois. Não deixo de mencionar: [o processo de] BOLONHA FAZ PARTE DESSE PROCESSO.
É pois preciso lutar contra [o processo de] Bolonha.

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