quarta-feira, setembro 27, 2006

«O novo ano lectivo», por Pedro Lourtie

Muitos serão os casos em que o orçamento [das instituições de Ensino Superior público] não chegará para pagar [os] salários [de professores e demais funcionários]. A aprovação dos cursos [para implementação do processo de Bolonha] parece ter sido apenas baseada em [meros] critérios formais.
O ano lectivo de 2006/07 começa sob o signo da incerteza quanto ao futuro. Incerteza quanto à sobrevivência das instituições [de Ensino Superior público] face ao que se prevê para o orçamento, com a comunicação social a noticiar reduções de 8%. Uma redução desta ordem de grandeza criará fortes problemas às instituições públicas. Obrigará a uma redução de corpo docente, não renovando contratos de [professores] convidados ou equiparados, quando tal for possível. E, mesmo assim, muitos serão os casos em que o orçamento [dessas instituições] não chegará para pagar os salários.
A haver uma redução [da dotação orçamental] desta dimensão, penso que será impossível aplicar uma qualquer fórmula de financiamento minimamente consistente.
Para procurar evitar roturas orçamentais [nas instituições públicas de Ensino Superior], com salários a não ser pagos nos últimos meses de 2007 e contas de água e electricidade em atraso, poderá a distribuição do orçamento pelas instituições ser feita em função dos compromissos fixos de cada uma delas. O que já aconteceu no passado, nomeadamente com reforços orçamentais no final do ano, mas numa escala muito maior e penalizando as que optaram por conter a dimensão do corpo docente para poder dispor de verbas para melhorar as condições de funcionamento.
O reforço das verbas para a Ciência pode permitir colmatar falhas do orçamento de Ensino [Superior]. Mesmo que se trate de verbas de PIDDAC [Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central], não seria inédito que [este] pagasse vencimentos [de professores e demais funcionários]. No entanto, ao usar verbas de Ciência para cobrir as falhas do orçamento de Ensino [Superior], não se estará a contribuir para a transparência orçamental.
Em termos de opinião pública, fora da comunidade académica, os cortes [orçamentais às instituições públicas de Ensino Superior] até poderão ser bem recebidos. Criou-se a ideia de que [est]as instituições são uma fonte de desperdício, estando sob suspeita, e cortar nos sectores que não nos afectam directamente, para controlar o défice, é bem visto. No entanto, não será por reduzir o financiamento [destas instituições] que se resolverão os problemas de insucesso escolar excessivo ou de deficiências na formação. Cortar no financiamento é como retirar a alguém o dinheiro para alimentação, com o argumento de que a dieta está errada. A solução terá de ser outra.

Por outro lado, a Comissão Europeia, em várias comunicações, tem diagnosticado o baixo nível de financiamento, relativamente a outras regiões, como uma das causas de um défice de atractividade das instituições de Ensino Superior europeias. O que se aplica também a Portugal, pelo que a perspectiva de reduções no financiamento [estatal] é preocupante.
Mas, também, incerteza, ou talvez seja melhor dizer intranquilidade, quanto ao que resultará do trabalho da OCDE, quer das propostas que apresentará, correndo inclusivamente que irá propor a redução do número de [Institutos] Politécnicos a cinco, quer do que, dessas propostas, virá a ser adoptado pelo Governo.
Este ano lectivo é marcado pelo início do funcionamento de cursos adequados a[o processo de] Bolonha. Se este facto é de saudar, receio que, em muitos casos, as alterações sejam de mera cosmética. Mudam as disciplinas, agora designadas unidades curriculares, mas os métodos de ensino e aprendizagem, nem tanto. Há casos em que se está a fazer um esforço sério de mudança, com a dificuldade de conseguir uma adesão generalizada dos docentes, por desconhecimento ou incompreensão, e correm ideias desencontradas do que é essencial nesta mudança para o paradigma [do processo] de Bolonha.
A aprovação das adequações dos cursos [ao processo de Bolonha] parece ter sido apenas baseada em critérios formais. Dificilmente seria de outra forma nos prazos disponíveis. Terá de ser por via da avaliação e/ou da acreditação das formações que se terá de ir corrigindo os aspectos que não são meramente formais.
A incerteza quanto à sobrevivência das instituições [públicas de Ensino Superior] e o aperto orçamental, não é o melhor ambiente para conseguir pôr em marcha mudanças pedagógicas que requerem trabalho de coordenação, reflexão sobre a melhor forma de atingir os objectivos e investimento na reformulação dos meios utilizados no Ensino [Superior].

Existe um clima de suspeição em relação às instituições de Ensino Superior, pagando os justos pelos pecadores, e que se poderá estar a ultrapassar a barreira do escrutínio democrático para a “caça às bruxas”, em que o anedótico toma o lugar da regra. Fomentado ou não, como forma de preparar medidas drásticas, a melhor resposta das instituições [públicas de Ensino Superior] a este clima é fazer[em] o seu trabalho de forma séria e serena. Divulgando o que estão a fazer, a forma como se insere no que tem sido definido para o Processo de Bolonha a nível internacional, poder-se-á, progressivamente, alterar a forma como [essas instituições] são vistas pela opinião pública.
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Pedro Lourtie, é professor do Instituto Superior Técnico, membro do CRISES (Colectivo para a Reflexão e Intervenção Sobre o Ensino Superior) e foi o representante português do Follow Up Group europeu do Processo de Bolonha, tendo sido também um dos responsáveis pela Declaração de Bolonha e, posteriormente, pelo relatório da Conferência Ministerial de Praga (em 2001) sobre o Processo de Bolonha.

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