quinta-feira, novembro 09, 2006

«O Futuro das crianças - A Educação no MercoSul: harmonização ou padronização?»

Compreender a educação superior como um valor cultural e tecnológico e não como um produto a produzir conhecimentos é imperioso, em contraposição aos termos da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O cenário educacional: enfrentamento da questão

O enfrentamento da questão educacional superior no Brasil e no MEercosul se faz premente, a partir dos acontecimentos europeus sob a influência da Carta de Bolonha.
Embora regionalmente não tenhamos moral para discutir a problematização além-mar, faz-se mister detectar o fenômeno para somarmos aos questionamentos que enfrentamos.
A discussão sobre a padronização da educação superior no Mercosul, gestada nos moldes do Banco Mundial, ainda encontra-se no âmbito da academia que, de alguma maneira encontra dificuldades em trazê-la para o foro legítimo, que é a comunidade acadêmica, composta por docentes e discentes e a sociedade no entorno destes.
A estrutura educacional na América do Sul é aplicada de acordo com o modelo copista do norte, sem nenhum respeito às variáveis ambientais geofísico-institucionais.
Nossa educação superior preocupa-se em formar “serviçais qualificados” para servir ao parque tecnológico implantado pelos povos do norte, seja no novo ou do velho continente, sem o compromisso da utilização do conhecimento para criar tecnologias próprias, que certamente nos desprenderão das amarras do obscurantismo desenvolvimentista.
Os especialistas stricto sensu, seja no mestrado ou doutorado acadêmico, já se formam distorcidamente, pois, sendo os modelos criados para a formação de conhecimento (acadêmicos), são “empurrados” para a sala de aula com o dever de “multiplicar” (sic) informações. Resultado: não formamos geradores de ciência tecnológica, mas “alcagüetes de conhecimentos”, com a missão de repassar e multiplicar tudo que apreenderam na academia. Como já disseram: não há risco de dar certo!

O desvio estrutural do sistema

O desvio educacional no Brasil é de origem, pois concentra a educação superior no Ministério da Educação, quando deveria, (como deverá) estar no Ministério da Ciência e Tecnologia.
No MEC, o modelo aplicado estruturalmente é pedagógico. O centro do saber é o professor, que alimenta o ser sem luz que é o aluno, sendo crível o agasalho dos ensinos pré-escolar (que lá não está), o fundamental e o médio em suas múltiplas variações, incluindo-se aí o superior tecnológico.
A educação superior plena identifica-se com o Ministério da Ciência e Tecnologia, onde a transferência de conhecimentos deve ser horizontalizada, com trocas recíprocas: orientador versus orientando.
Não se pode desprezar a interface existente na bagagem experimental de cada graduando, em que, pelo modelo atual, o professor age eclesiasticamente. O ambiente andragógico deve ser analisado e respeitado, bem como valorizado na busca e construção de conhecimentos.
Na educação superior, não se tratará de descobrir conhecimentos, cabendo ao docente apenas a orientação lógica e ordenada dos fenômenos, respeitadas a diversidade e variáveis ambientais de cada região. A busca do conhecimento é somente um meio (encarada por muitos como o fim), objetivando o aperfeiçoamento tecnológico

A atração do conhecimento: o eurocentrismo

Para Aníbal Quijano, enquanto a maioria das populações da América não conquistarem a igualdade básica e a descolonialidade do poder, parece difícil que a integração da América Latina possa avançar e se consolidar. A construção de uma sociedade mais justa no continente passa, necessariamente, por uma superação, na própria esquerda, de uma visão eurocêntrica. A derrota mundial entre meados dos anos 70 e final dos anos 80 no século XX foi, antes de tudo, uma conseqüência do domínio do eurocentrismo.
O Tratado de Bolonha é a referência para o Mercosul, pois influenciará sobremaneira todo o processo regional. A Declaração de Bolonha, embora não obrigue seus signatários, reveste-se de caráter imposicionista e hegemônico aos países periféricos, clientes colaterais do sistema europeu de ensino superior.
O impacto a ser causado até 2010, no ensino superior europeu, ordenará o ciclo de mudanças tanto na Europa, como no resto do mundo.
A intenção de fortalecimento do bloco econômico a partir da educação superior visa a construção de uma economia mais competitiva, fora dos parâmetros naturais, que é a produção, mas com conhecimento.
A estratégia de unificação esbarra nas variáveis ambientais de cada um dos 29 estados nacionais subscritores do tratado, o que nos faz repensar o título deste artigo: padronização ou harmonização? Eis a questão.
Ampliar a estratégia de competitividade da União Européia, por meio do mecanismo da massificação da Educação em busca do conhecimento, gerará um estereótipo construcional do futuro, com conseqüências sem precedentes na história da Humanidade.
A União Européia, premida entre a Índia, China e os Estados Unidos, está dividida entre a competição global e a queda significativa do número de jovens qualificados para se tornar bons profissionais, nas palavras de Renato Marques.
Maria Clara Corrêa Tenório analisando a obra de Aldous Huxley5, questiona se o cientificamente possível é eticamente viável. O Admirável Mundo Novo, escrito em 1931, é uma “fábula” futurista relatando uma sociedade completamente organizada sob um sistema científico de castas.
Não haveria vontade livre, abolida pelo condicionamento. A servidão seria aceitável devido a doses regulares de felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam ministradas em cursos durante o sono. Olhando o presente, podemos imaginar um futuro semelhante em termos de avanços tecnológicos.
Unificar, padronizar significará a construção de modelo exclusivo nos moldes europeus que, embora resulte numa circulação mais universalizada e rápida de conhecimentos, poderá não conseguir estende-la além-mar.
Vislumbrar-se-á o isolacionismo do conhecimento, voltando a humanidade aos primórdios de sua história, tendo a fragmentação como fator de novas guerras e conquistas, agora na busca do produto que é a tecnologia.
Estrategicamente, a União Européia se conduz em processo centrípeto de desenvolvimento, a exemplo da China. Mas não se pode desprezar a oxigenação evolucional do conhecimento entre os diversos povos.
Por meio da educação seletizada, certamente a profecia de Aldous Huxley se concretizará, a despeito da impossibilidade de contenção dos movimentos migratórios e imigratórios, como ocorreu na Índia, onde, segundo dados do Banco Mundial, 1 milhão de cérebros indianos foram acolhidos pelas universidades européias em mais de 30 países, principalmente na Inglaterra, componentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Pode ler-se o texto integral de Sebastião Sardinha [mestrando em Relações Internacionais e pós-graduando em Docência do Ensino Superior], na revista «Consultor Jurídico», de 29 de Outubro de 2006.

1 comentário:

Nelson Fraga disse...

Relativo a esta temática encontrei esta notícia no portal Universia do Brasil:

Integração: o que vamos fazer?
Evento propõe que América Latina comece a pensar efetivamente no tema


Teve início nesta segunda-feira, [dia] 27, o Seminário Latino-Americano da IAUP (Associação Internacional de Reitores de Universidades). Sob o tema "Integração Educativa: na Europa há o Processo de Bolonha e na América Latina?", o evento irá debater alternativas de integração para a região. Como foco, as mudanças provocadas pelo Processo de Bolonha, que irá mudar as relações do Ensino Superior mundial.

"Esse é um debate extremamente oportuno sobre o tema do Processo de Bolonha, que está sendo intensamente discutido na Europa", disse, durante a cerimônia de abertura, o secretário-geral eleito da IAUP, Heitor Gurgulino de Souza.

Na última semana, os ministros da Educação dos países do MercoSul se reuniram para debater os caminhos de integração para o bloco. De concreto, no entanto, houve apenas a criação de um Grupo de Alto Nível, que irá discutir a possibilidade de criação de um espaço latino-americano de Ensino Superior, e a apresentação da proposta da Universidade do MercoSul. Ou seja, ainda estamos muito distantes dos europeus.

"O MercoSul está caminhando para se integrar nas questões comerciais e de taxas, mas pouco fizemos pela integração da Educação na América Latina", disse Gurgulino. "Esse é um tema muito importante, e prático, agora que nossos países estão buscando alternativas concretas de integração."

Integração e nova Universidade

Para o director de Desenvolvimento da Educação Superior (SESu/MEC), Manoel Palácios, a integração na América Latina é uma tendência forte entre as universidades da região. "As nossas universidades estão comprometidas com processos de integração de modo que a mobilidade dos estudantes e docentes possa ser feita de maneira cada vez mais intensa", afirmou.

Palácios destacou, ainda, que nos próximos dias o MEC organizará um evento complementar à discussão sobre integração. Segundo ele, o tema será a nova universidade, que debaterá a reforma da arquitectura académica brasileira, que pretende servir de modelo para a região. "É uma proposta ousada e inovadora. Quem sabe ela não pode vir a ser o nosso processo de Bolonha", disse.

Debates

O reitor da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) destacou a importância do espaço para discussões sobre um tema tão relevante no Ensino Superior actual. "Tenho certeza que viveremos momentos de relevantes debates e saudável confraternização nos próximos dias", finalizou.