terça-feira, novembro 07, 2006

Reitor da Universidade de Lisboa faz fortes críticas às políticas do Governo para o Ensino Superior

O que pode dar ao País a Universidade [Clássica] de Lisboa?
É esta a pergunta que colocarei hoje na cerimónia de abertura do ano académico, na Aula Magna. A Universidade existe para servir o País e tem o dever de [lhe] prestar contas do seu trabalho. Na ciência. Na inovação. Na formação. O olhar externo é essencial para a mudança interna [da Universidade].

Dar um novo impulso à Ciência que se faz em Portugal. A Ciência define-se num quadro global e, por isso, estamos a consolidar parcerias com as melhores Universidades do mundo. Assinámos, também, os acordos com o MIT [Massachusetts Institute of Technology] e a Carnegie Mellon University, que se destinam, no essencial, à formação avançada de alto nível.

O Governo tem o direito, tem mesmo o dever, de definir as áreas prioritárias de investimento. Mas não tem competência, nem legitimidade, para, através de uma "decisão política de topo" [sic], seleccionar os grupos e os investigadores. Exigimos a abertura de concursos públicos transparentes, uma avaliação externa rigorosa e um envolvimento efectivo das instituições. Só assim aproximaremos a política científica que se faz em Portugal das melhores práticas internacionais. Será pedir muito?

Não esquecemos que, graças aos esforços dos últimos 15 anos, Portugal possui, já hoje, uma geração qualificada de jovens cientistas. Agora, o mais importante é criar condições efectivas de trabalho e de emprego científico, nas Universidades e nas empresas. Assumimos com o País o compromisso de integrar os melhores investigadores na Universidade de Lisboa. Queremos contribuir para que não haja "fuga de cérebros" ou situações de precariedade profissional. Infelizmente, nesta matéria, não se vislumbra uma política científica coerente. O Portugal arcaico sempre soube revestir-se de uma retórica de modernidade. Mas não chega!

Contribuir para a inovação e modernização da sociedade portuguesa. A afirmação das grandes Universidades no mundo fez-se, ao longo do séc. XX, através de uma ligação forte à sociedade e às suas dinâmicas de desenvolvimento. Não se trata de opor a Ciência aplicada à Ciência fundamental. Trata-se, sim, de envolver o trabalho científico num contexto propício à inovação. Para isso, é necessário criar estruturas de articulação com o mundo empresarial, de estímulo à invenção e ao registo de patentes, de suporte à transferência tecnológica.

As Universidades têm pessoal altamente qualificado e convivem diariamente com as energias mais criativas da sociedade. São espaços de cultura, de partilha e de diálogo. Possuem um potencial único como forças de inovação. Não podem, pois, deixar de se interrogar sobre o seu impacto real na economia e na sociedade.

A Universidade de Lisboa não é lugar para ambições menores. Queremos assumir, por inteiro, a nossa responsabilidade social. Para cumprir este desígnio, contaremos, a partir de agora, com um Conselho Consultivo, de orientação estratégica, constituído por personalidades de referência na vida social, cultural e económica.

Promover uma formação de qualidade, segundo padrões internacionais. O Processo de Bolonha tem trazido muita agitação ao meio universitário. Não basta ajustar ciclos e alterar planos curriculares. A mudança principal, que se situa numa nova "organização dos estudos", induz uma redefinição das instituições e do trabalho dos professores.

Em sintonia com grandes Universidades internacionais, designadamente Harvard, estamos a consolidar dispositivos que permitam concretizar três objectivos: um melhor aconselhamento e orientação dos estudantes; uma organização do trabalho universitário centrado na aprendizagem; um conhecimento mais rigoroso dos estudantes e das situações do insucesso e do abandono escolar.

A abertura da Universidade a novos públicos é uma condição necessária da sua transformação e da sua projecção como espaço insubstituível da contemporaneidade, das sociedades do conhecimento e da cultura.

Uma instituição forte, aberta e credível. Os processos de mudança geram desequilíbrios e resistências. Mas nada será feito sem um reforço das instituições. O segredo é articular a avaliação externa e a prestação de contas com dinâmicas de responsabilização e de autonomia das Universidades. Do lado do Governo, parece haver uma grande insensibilidade, para não dizer indiferença, em relação às instituições do Ensino Superior. O Orçamento [de Estado] para 2007 traduz o maior desinvestimento neste sector de que há memória no nosso país (cerca de 10% a menos em relação ao ano passado). Qual foi o país europeu que reduziu tão drasticamente as verbas para o Ensino Superior? A resposta é fácil: nenhum! Os cortes no ensino são mais significativos do que em qualquer outro grande sector do Estado.

Face a esta realidade, é inaceitável a demagogia, persistentemente repetida na comunicação social, de que a Ciência aumentou 64% ou 77%. Este aumento não compensa os cortes [orçamentais] no Ensino Superior. Tendo em conta que a estrutura da despesa das Universidades é muito rígida, estamos, de facto, perante políticas de erosão das instituições, que lhes retiram qualquer possibilidade de planeamento e de gestão estratégica.

O Governo não tem criado os instrumentos que sustentem uma verdadeira mudança: a reorganização da rede do Ensino Superior, o reforço da autonomia e do governo das instituições, a revisão do Estatuto da Carreira Docente Universitária, um novo modelo de financiamento.

Temos [a Universidade de Lisboa] apresentado, publicamente, propostas concretas para a melhoria das Universidades e do espaço do Ensino Superior. Precisamos de "massa crítica" e de capacidade para competir num contexto internacional. Até agora, só ouvimos silêncio por parte do Governo. O Portugal futuro não se constrói com comportamentos obsoletos. Não desistiremos de um esforço de renovação, de abertura e de internacionalização. O País sabe que pode contar com a Universidade de Lisboa.
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Para além do presente artigo de opinião [publicado no «Diário de Notícias»], pode ler-se um resumo das críticas do Reitor da Universidade (Clássica) de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, numa outra notícia do «Público».

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