Em 1993, dirigido pelo CNAVES a partir de 1998, teve início em Portugal um processo de avaliação, segundo um modelo internacional (holandês), que incidiu na totalidade dos cursos leccionados em instituições portuguesas de ensino superior. Conscientes da necessidade de uma reflexão regular e sistemática sobre o modo de funcionamento dos cursos ministrados - organização curricular, acção pedagógica, qualificação do corpo docente, instalações e equipamentos, etc. - todos os que, desde início, participaram neste processo foram unânimes em reconhecer-lhe méritos e deméritos e, mais de dez anos volvidos, acordaram na necessidade de uma avaliação da própria avaliação tendente ao aperfeiçoamento do modelo e à sua eventual correcção.
O relatório solicitado à European Network for Quality Assurance in Higher Education (ENQA) sobre o modelo de avaliação em vigor enquadra-se lógica e naturalmente neste sentimento partilhado. Mas, na sequência da sua recente divulgação, entende a Universidade de Coimbra dever pronunciar-se acerca dos resultados apresentados, e sobretudo da forma como foram tornados públicos.
Estranha-se, desde logo, o destaque que é agora dado a questões há muito conhecidas. Muito embora pouco cauteloso nos termos, tendo em consideração a moderação exigível a uma entidade à qual se pretende atribuir um papel central no novo processo de avaliação de qualidade pedagógica internacionalmente referenciado, o relatório apenas identifica as fragilidades e as virtudes que todos reconheciam no sistema, distribuindo as primeiras, salomonicamente, pelos diferentes intervenientes: as instituições de ensino superior, o CNAVES e o Governo.
Estranha-se, portanto, igualmente, que tenham sido (profusamente) referidos os aspectos negativos e liminarmente elididas todas as referências aos aspectos positivos de um processo que contribuiu para criar, em Portugal, uma cultura de auto-avaliação. De facto, só quem dele esteve de todo ausente pode ignorar a importância que revestiu, para cada curso, o confronto da instituição consigo própria, a ponderação e reflexão aberta, construtiva e dialogante dos vários corpos que nele se envolveram, indispensável momento de análise crítica num processo de autognose fundamental para induzir mudanças. Menorizar e anular o trabalho, sério e empenhado, de dezenas de equipas que emprestaram o seu saber e a sua experiência, acreditando num esforço colectivo de repensar o ensino superior, em liberdade e segundo um juízo criticamente lúcido, com vista a um aumento da qualidade dos modos de funcionamento pedagógico e científico das suas instituições, é incompreensível, injusto e inaceitável.
Por isso, a Universidade de Coimbra quer deixar uma palavra de apreço a todos os que, desde 1993 e nas diferentes Faculdades, se empenharam com zelo e dedicação no processo de auto--avaliação dos seus cursos: graças a eles foi possível levar a cabo uma tarefa - que agora se despreza - de detecção e análise minuciosa dos pontos fortes e fracos do ensino superior português, em radiografia cuidadosa de um corpo que, por ser e estar vivo, age, reage e se transforma. E uma palavra ainda, não apenas de reconhecimento, mas de incondicional gratidão pelo labor desinteressado, competente, sério e rigoroso - que agora se enxovalha - de todos os membros das Comissões de Avaliação Externa, que atentamente leram e ouviram as nossas escolas, que as enriqueceram com os seus pontos de vista e as suas sugestões e em muito contribuíram para o crescimento científico, pedagógico e humano das nossas instituições e de cada um de nós. Este reconhecimento é, obviamente, estendido a todos os membros do CNAVES.
Estranha-se ainda que seja tão fortemente imputada às instituições de ensino superior a ineficácia de um sistema político nacional. Refere o relatório a inconsequência de um processo longo e realizado em duas fases, e queixa-se o senhor ministro da incapacidade das instituições na execução das recomendações contidas nos relatórios das várias comissões de avaliação externa. Queixamo-nos nós da inércia dos sucessivos governos a quem competia dotar as universidades de meios e instrumentos para o cabal cumprimento das reformas apontadas. Porque, a par de recomendações de natureza pedagógica e científica - a que as instituições foram sensíveis e puderam responder, procurando corrigir ou atenuar as deficiências -, muitas outras, e ponderosas, decorriam da falta de condições logísticas que só o apoio da tutela poderia ajudar a remediar. Queixamo-nos nós da total omissão dos governos em todo o processo, da falta de coragem política para fazer escolhas, para promover e reforçar o que tem qualidade e para descontinuar o que manifestamente a não possui. Queixamo-nos do público e notório desinvestimento no ensino superior por parte de quem o tutela.
Montado o novo processo de avaliação pedagógica dos cursos, os seus resultados não serão melhores do que os que agora se criticam se o Governo mantiver a mesma atitude de alheamento e de desresponsabilidade. É sobretudo por aí que as coisas terão que mudar.
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Fernando Seabra Santos é reitor da Universidade de Coimbra.
sábado, dezembro 09, 2006
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