O relatório da OCDE [sobre o Ensino Superior português] deve ser lido com atenção e as suas recomendações seguidas rapidamente.Os males das nossas Universidades há muito que estão identificados. São inúmeros os relatórios internacionais que recomendam remédios que ou são rejeitados, ou são ignorados, ou tardam a ser aplicados. Por isso era bom que o relatório da OCDE que divulgamos ajudasse a impedir o que está a suceder à nossa frente - as Universidades estão a afundar-se mas recusam[-se a] aprender a nadar.
Num país mais aberto ao risco, à inovação e à promoção do mérito, a recomendação de que as Universidades passem a Fundações sem perderem o financiamento público e o seu pessoal deixe de ser enquadrado pelas regras da função pública seria vista como um momento de libertação. Provavelmente sucederá o contrário e amanhã [hoje, quinta-feira] muitos gritarão contra algo que não está em parte alguma do relatório da OCDE: a "privatização" das Universidades.
O que é que o modelo proposto [pela OCDE] permitiria?
Em primeiro lugar, uma real autonomia associada à responsabilização. Hoje as Universidades gozam de ampla autonomia para gerirem os seus cursos, para escolherem os seus professores, para elegerem os seus "gestores", mas não só têm dificuldade em utilizar essa autonomia até às últimas consequências - não podem, por exemplo, competir pelos melhores professores nem possuem mecanismos que permitam adaptar as suas estruturas às mudanças sociais e da procura de diferentes formações - como continuam a funcionar partindo do princípio de que, em momento de crise, o nosso Estado generoso não deixará de pagar os salários dos seus professores e funcionários. Quanto às contas de água ou de electricidade, todos sabem que por vezes muitas ficam anos por pagar.
Em segundo lugar, a possibilidade de as Universidades se libertarem do colete-de-forças das normas vigentes para poderem encerrar departamentos, abrir laboratórios, repensar a sua estrutura de recursos, contratar professores de excelência ou adaptar os seus quadros a uma demografia implacável, que lhes destinará cada vez menos alunos, seria em si mesma gratificante. Hoje há cursos desenhados em função dos professores que as Universidades empregam, no futuro tem de haver cursos pensados em função das necessidades dos alunos e do país, assim como das oportunidades disponíveis. Tem de se poder dar oportunidade aos novos talentos e não viver com os quadros completos, sem possibilidade de renovação e sem estímulo para os que estão no topo da carreira evoluírem.
Em terceiro lugar, mesmo continuando a ser financiadas pelo Estado, as Universidades deveriam poder ter ainda mais liberdade na procura de fontes complementares de rendimento. Podiam admitir alunos que quisessem pagar os custos integrais dos seus cursos. Podiam ser mais pró-activas na ligação às empresas, às escolas da sua região ou aos diferentes organismos da sociedade civil. Teriam de ser melhor geridas - o que quer dizer que deveriam ser geridas por profissionais e dirigidas por Reitores cuja eleição poderia obedecer a regras variáveis.
Assim as Universidades teriam mais condições para serem diferentes e competitivas. Sentiriam a necessidade de prestar contas perante a sociedade, de ser mais transparentes e menos corporativas. Mas se este ou outro caminho semelhante não for percorrido o futuro da maioria das nossas Universidades está escrito nas estrelas: envelhecerão, cristalizarão, perderão alunos, perderão financiamentos, definharão. Exactamente o contrário do que sucede com as melhores Escolas Superiores do mundo, pois não é por acaso que as duas Universidades inglesas que gozam de maior autonomia e são mais diversas mesmo no seu interior são também as duas únicas Universidades europeias que se mantêm no "top 20" das melhores do mundo. Falamos, está bem de ver, [das Universidades] de Oxford e [de] Cambridge.
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José Manuel Fernandes é director do jornal «Público» e escreveu o presente editorial na edição de ontem (dia 13).
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