Onde está [Mariano Gago] o ministro do Ensino Superior, provavelmente a maior desilusão deste Governo? Onde está agora e onde esteve ao longo deste último ano n[a implementação d]o, tão publicitado mas profundamente apressado e desgovernado, processo de Bolonha?Diz-se, na minha terra, quando se desconfia de alguém, que "não dá a bota com a perdigota". Que é como quem diz, não combina a aparência com a substância, o discurso com as acções. Essa foi precisamente a sensação que me evocou o discurso do primeiro-ministro sobre o Ensino Superior. Com algumas propostas interessantes, outras duvidosas e algumas francamente preocupantes.
Senão vejamos. Diz o primeiro-ministro [José Sócrates] que quer órgãos de gestão compostos por uma maioria de docentes (o bom senso regressa!), que o doutoramento será condição de acesso à carreira e que se promoverá a mobilidade. Excelente. Excelente também o reconhecimento de que é preciso aumentar o número de licenciados (contra a visão tacanha de que "já temos doutores a mais") e a manutenção do carácter primariamente público do sector.
Diz também que quer que as Universidades se abram à comunidade exterior. Enunciado que fica sempre bem, mas suficientemente nebuloso para nada dizer. Se se traduz na criação de Conselhos Consultivos, compostos por pessoas a que a própria Universidade reconhece competências e saberes que a podem enriquecer, tal como já ocorre em diversas instituições, não podia estar mais de acordo. Mas se estamos a falar de atribuir a estes membros externos capacidade decisória em matérias de gestão, todo um campo de dúvidas se abre. Nebulosas também as ideias avançadas sobre a necessidade de rever o estatuto da carreira docente (há quantos anos estamos à espera?) e sobre o reforço da avaliação do desempenho dos docentes (eu sei que cai sempre bem lançar a suspeita sobre alguns corpos profissionais, mas é estranha a insistência, quando há muitos anos os cursos são periodicamente avaliados, para não falar já dos docentes, sujeitos a mais provas públicas do que sucede em talvez qualquer outra carreira).
De nebuloso a negro vai o quadro quando o primeiro-ministro propõe, cautelosamente, manter as propinas, mas contorna o óbvio estrangulamento financeiro do sistema com a ideia peregrina dos empréstimos aos alunos (pois, não é óbvio que estamos ainda pouco endividados e que os mais jovens precisam imenso de um encargozito que os ajude a assumir responsabilidades?). E quanto ao sistema de eleição dos Reitores, estamos conversados: mantém-se a concentração dos desígnios das instituições num grupo restrito de decisores, contribuindo para o crescente alheamento dos docentes da gestão universitária.
Deste conjunto singular de ideias boas, más e assim-assim, o mais surpreendente é, contudo, o que não foi dito. Em primeiro lugar, onde está o ministro do sector, provavelmente a maior desilusão deste Governo? Onde está agora e onde esteve ao longo deste último ano no, tão publicitado mas profundamente apressado e desgovernado, processo de Bolonha?
Em segundo lugar, como pretende o Governo compatibilizar as reformas anunciadas com os cortes dramáticos no financiamento que tem operado e que colocam Portugal entre os países que menos investem no sector? Que colocam as instituições à beira da ruptura financeira e fazem pairar sobre os docentes a ameaça do desemprego, como se já não bastasse a falta do dito subsídio e o congelamento na prática da progressão na carreira que se vive em muitas instituições.
Já sabemos que o destino usual das paixões é o esquecimento. Nunca esperei muito mais, confesso, do anunciado arrebatamento socialista pela Educação. Mas mesmo nas desilusões amorosas há, como todos sabemos, uma ética mínima a cumprir. Na qual uma das regras básicas é não prometer com as palavras o que os actos depois negam. Será isso muito a pedir?
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Carla Machado é professora universitária no Instituto de Educação e Psicologia (IEP) da Universidade do Minho, tendo o seu presente artigo de opinião sido publicado na edição do passado dia 28 de Dezembro do jornal «Público».
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