terça-feira, janeiro 09, 2007

«Ensino Superior vs [processo de] Bolonha», artigo de opinião de Jorge Magalhães Mendes

A designação de “Bolonha” nasceu em Junho de 1999, quando os Ministros da Educação de 29 Estados Europeus, entre os quais Portugal, subscreveram a Declaração de Bolonha que contém, como objectivo claro, o estabelecimento, até 2010, do Espaço Europeu de Ensino Superior, coerente, compatível, competitivo e atractivo para estudantes europeus e de países terceiros.
Partindo dos objectivos gerais de mobilidade, de empregabilidade dos diplomados e de competitividade dos sistemas europeus de Ensino Superior, esta declaração define vários objectivos específicos, dos quais consta a inteligibilidade e comparabilidade dos graus conferidos nos sistemas europeus de Ensino Superior. Além disso aponta para alguns elementos de estruturação dos graus académicos em três ciclos, em que o acesso ao 2° ciclo pressupõe completar um primeiro ciclo com a duração mínima de três anos.
O primeiro passo em Portugal para a implementação do Processo de Bolonha foi a 11 de Janeiro de 2006 (cerca de sete anos após a Declaração de Bolonha) em que o Governo de Portugal deu o primeiro passo ao publicar o Anteprojecto de Graus e Diplomas de Ensino Superior com vista a uma discussão pública. Até esta data pouco ou nada se fez. Desde 1999 vários Governos se sucederam mas nenhuma orientação foi dada quanto a um projecto político adequado ao espírito de Bolonha. As sucessivas oposições têm sido um deserto de ideias (que alternam entre o Governo e a oposição...).
Refira-se que este Anteprojecto de 11 de Janeiro viria a ser aprovado em 24 de Março de 2006 transformando-se no Decreto-Lei nº 74/2006, aprovando o Regime Jurídico dos graus e diplomas do Ensino Superior, em desenvolvimento do disposto nos artigos 13º a 15º da Lei nº 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), bem como o disposto no nº 4 do artigo 16º da Lei nº 37/2003, de 22 de Agosto (estabelece as bases do financiamento do Ensino Superior).
O Decreto-Lei nº 74/2006 “reforma” o Ensino Superior em Portugal tal como o conhecemos desde há muito tempo:
1. Desaparece o grau de Bacharel;
2. O grau de Licenciatura, com a designação de 1º Ciclo, passa a ter uma duração de 3 anos (na maioria dos casos) ou 4 anos;
3. O grau de Mestre, com a designação de 2º Ciclo, passa a ter uma duração de 2 anos (na maioria dos casos) ou 1,5 anos;
4. O grau de Doutor, com a designação de 3º Ciclo, apenas pode ser conferida por Universidades (é a designação que prevalece e não as competências);
5. O grau de Mestre [junto] com o de Licenciado tem uma duração média de 5 anos;
6. Os tempos de horas presenciais diminuem relativamente aos planos de curso actualmente em vigor;
7. Esta diminuição dos tempos de horas presenciais é supostamente “compensada” pelo novo paradigma de ensino aprendizagem baseado entre outras técnicas no PBL (Aprendizagem Baseda em Problemas ou Projecto [Problem Based Learning, no inglês]);
8. A aprendizagem é centrada no desenvolvimento das competências dos alunos.

Convém esclarecer alguns aspectos que são essenciais. Os novos Mestrados de 2º Ciclo (na realidade são Mestradinhos) correspondem à actual Licenciatura. As novas Licenciaturas (em média de 3 anos) correspondem ao actual Bacharelato (em média de 3 anos e nas engenharias dos ISE´s já foi de 4 anos). Esta situação vai lançar muita confusão em várias carreiras, nomeadamente na função pública, em que se exige o grau de Licenciado. Numa fase de concurso vai-se discriminar a Licenciatura? Para ser docente no Ensino Superior é suficiente uma Licenciatura de 3 anos? E um Bacharelato de 4 anos?
Nesta matéria, que não vai ser nada pacífica, tudo seria muito simples se o Governo e a Assembleia da República tivessem deixado cair a designação de Licenciado e mantido a de Bacharel. Muito mais coerente e de acordo com o que se faz na maioria esmagadora dos países desenvolvidos da Europa...
A acrescentar a estes aspectos existem outros de não menor importância, como o papel das Associações Profissionais. Até agora a maioria das associações conferia cédula profissional aos Licenciados. E a partir de agora?
O Decreto-Lei nº 74/2006 prevê uma agência de acreditação dos cursos. A pergunta é óbvia: vai existir uma agência de acreditação e simultaneamente acreditação de cursos pelas Associações profissionais? Mais uma vez o Governo não esclarece e a oposição nem percebe o problema...
Mas como diz o povo “o andor ainda vai no adro”. Nesta data, o Ensino Superior Politécnico não tem informação sobre se os Mestrados (2º Ciclo) estão ou não aprovados, não sendo possível preparar o próximo ano lectivo com a responsabilidade desejável. O Governo não deu ainda sinais claros do que pretende. Mas também nisto a oposição não pede esclarecimentos nem percebe o problema...
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Jorge Magalhães Mendes é Doutor em Engenharia Mecânica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e investigador no Centro de Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Mecânica [CIDEM] ligado ao ISEP [Instituto Superior de Engenharia do Porto], tendo o presente artigo de opinião de Jorge Magalhães Mendes sido publicado n' «O Primeiro de Janeiro», do passado dia 12 de Dezembro. Anteriormente já havíamos transcrito um seu anterior texto: «Os caminhos [do processo] de Bolonha».

1 comentário:

Xosé Manuel Carreira disse...

Todo o meu apoio para a luta contra Bolonha também em Portugal. Os europeus, especialmente os europeus do Sul, temos de estar juntos neste ataque terrível contra a universidade.

Temos direito a uma formação de qualidade e a um preço justo.