quarta-feira, janeiro 10, 2007

«O enredo», na opinião de Diogo Pires Aurélio

Passei uma boa parte do ano de 2006 a trabalhar para o chamado Processo de Bolonha. Horas e horas a estudar formulários e a procurar no estrangeiro Universidades análogas, a ver se colhíamos inspiração; semanas e semanas a discutir novos currículos, que correspondessem às novas exigências, sem descaracterizar o Ensino nem aviltar a sua natureza supostamente Superior; meses e meses a inventar novos cursos, que fossem ao encontro do interesse, tanto de alunos que terminam o Secundário como de outros possíveis candidatos. Tudo se fez de acordo com o previsto, tudo, inclusive, viria a ter essa recompensa máxima que é a aceitação positiva por parte do público, traduzida em Setembro pelo número de inscrições.

À partida, um tal sucesso, que felizmente foi comum a muitas Faculdades, deveria inspirar optimismo a rodos quanto à Universidade portuguesa em 2007. Não é, porém, o caso. Na realidade, o essencial continua por fazer e o verdadeiro alcance do que entretanto foi feito passa despercebido à maioria, até mesmo entre a população universitária, havendo sérios riscos de se tomar por casa acabada uma simples maquete. [O processo de] Bolonha era uma oportunidade para se regenerar esse corpo em estado vegetativo, há 30 anos ligado à máquina e dependendo dela para tudo e mais alguma coisa, que é a Universidade. Mas pode não vir a ser senão esse monte de papelada de que os "sábios" já se estão rir e que os sindicatos suspeitam ser só uma forma de desinvestimento no Ensino Superior. Tudo depende da velocidade e da convicção com que forem tomadas as medidas estruturais de que já se fala há duas décadas, mas que, ainda agora, não se sabe quando nem como irão por diante.

Veja-se, por exemplo, o enredo que é a autonomia universitária e a avaliação das escolas, dos professores e dos funcionários. Anos e anos volvidos, várias leis aprovadas, relatórios feitos e Comissões pagas, a responsabilização das escolas e de cada um dos seus elementos permanece nebulosa. Pior do que isso, instalou-se, não sem razão, a ideia de que este tipo de processos não depende senão de estados de alma do Governo ou caprichos de Bruxelas [e da Comissão Europeia]. O próprio quadro institucional vigente no sector é o mais convicto manifesto pela desresponsabilização. Se nada mudar, este ano, arriscamo-nos a que o trabalho iniciado em 2006 venha a ter o mesmo destino que teve na última década a avaliação do sistema [de Ensino Superior].
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Diogo Pires Aurélio é professor de Filosofia Política na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e investigador no Instituto de Filosofia da Linguagem, tendo também sido director da Biblioteca Nacional.
O presente artigo de opinião de Diogo Pires Aurélio foi publicado no «Diário de Notícias» do passado dia 2, anteriormente já havíamos transcrito alguns excertos de um outro seu artigo: «Bolonha».

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