O primeiro-ministro escolheu o tema da reforma do Ensino Superior em Portugal para o último debate mensal do corrente ano.
Fê-lo imediatamente a seguir à divulgação de um relatório da OCDE que traça um diagnóstico severo do estado do Ensino Superior entre nós. O relatório vem na linha do essencial das conclusões do processo de avaliação já desencadeado entre nós e apresenta um conjunto de remédios, alguns retidos pelo Governo e outros não.
A substância destas opções de fundo do Governo português vai ser agora discutida publicamente nos próximos meses. Mas importa clarificar dois pontos prévios.
O debate sobre esta reforma não pode ficar confinado aos muros das Universidades e dos Institutos Politécnicos, não pode ser um debate de castas ou um diálogo entre o poder político e os interesses organizados dentro das instituições do Ensino Superior. Com efeito, um dos pontos onde todos consensualmente convergem é o de assinalar como vulnerabilidade do modelo vigente a escassa articulação das instituições públicas de Ensino Superior e a sociedade envolvente. Daí que as opções da reforma tenham tanto a ver com a definição, por parte do poder político democrático, das regras de funcionamento e dos objectivos a fixar para as Universidades e os Politécnicos, na óptica do que delas espera o conjunto da sociedade portuguesa, como quanto ao que a própria sociedade civil deve esperar das suas instituições de Ensino Superior e a medida em que está disposta a participar no processo de modernização dessas mesmas instituições.
Neste debate seria incompreensível que as empresas, as associações empresariais e sindicais, as Fundações se remetessem ao silêncio ou a meras posições de "treinadores de bancada".
Se o sucesso de uma reforma se mede pela clareza das opções do poder político e pelo grau de envolvimento, empenhamento e mobilização dos actores no terreno, ele também se mede pelo tipo de participação e co-responsabilização que as organizações da sociedade civil estiverem dispostas a assumir nas suas específicas esferas de intervenção.
O segundo ponto prévio tem a ver com a desculpa de que os verdadeiros problemas do sistema de ensino em Portugal se situam no [Ensino] Secundário, logo as alterações a introduzir no Ensino Superior seriam apenas uma forma de "construir a casa a partir do telhado". É bem verdade que a raiz de muitos dos problemas da baixa qualificação dos nossos recursos humanos, do insucesso e abandono escolar, da escassez de oferta para a aprendizagem ao longo da vida tem a sua sede no Ensino Secundário. E para esses problemas têm sido adoptadas medidas específicas que estão em curso de aplicação. Só que o efeito induzido dessas medidas no Ensino Secundário sobre o funcionamento do Ensino Superior não só é diferido no tempo como não dispensa que se reconheça que há uma específica área de intervenção que ao [Ensino] Superior diz directamente respeito.
Desde logo no que concerne à articulação entre os Ensinos Secundário e Superior, que não podem continuar a ser concebidos como duas zonas estanques de um mesmo sistema, quer no que respeita às Universidades quer no que respeita aos Politécnicos. Há aqui um campo a explorar de acrescida responsabilização das instituições do Ensino Superior na preparação específica que para as diferentes instituições tem que ser conferida pelas Escolas Secundárias. Esta articulação tem que ser definida como um jogo de soma positiva e não como uma "ingerência" indevida das Escolas Superiores na autonomia das Escolas Secundárias.
No específico domínio do Ensino Superior a reforma terá que girar em torno de três eixos fundamentais:
- A igualdade de oportunidades no acesso, o que passa pelo reforço da Acção Social escolar para os alunos (tanto do Ensino público como do privado) e pelo estabelecimento de um sistema de empréstimos acessível e equitativo;
- A diferenciação de um sistema binário Universidades/Politécnicos que corresponda a diferentes necessidades da vida económica e social, às quais se reconhece idêntica relevância social;
- E a melhoria do sistema de governo das instituições de Ensino Superior mediante a abertura das escolas à sociedade envolvente, o reforço das instâncias executivas sem perda da base democrática na composição das instâncias de orientação estratégica dos estabelecimentos de Ensino Superior e a instituição de um sistema de prestação de contas e de avaliação segundo padrões internacionais que contribua decisivamente para a qualidade do ensino e da investigação levada a cabo entre nós.
Este processo de reforma deve integrar-se em pleno no esforço de internacionalização das nossas Universidades e Politécnicos, na senda do preconizado pelo denominado "processo de Bolonha". Participar nas redes de gestão do conhecimento e do saber, definir parcerias com instituições homólogas estrangeiras para promover a mobilidade de estudantes e professores, inserir os nossos centros de investigação em projectos bilaterais ou de âmbito europeu para potenciar as oportunidades do VII Programa-Quadro de Investigação da União Europeia são objectivos centrais do necessário salto qualitativo de que carece urgentemente o nosso sistema de Ensino Superior. E consequentemente de que carece o nosso país no combate à perifericidade e ao empobrecimento, o que passa pela importância e pela qualidade do nosso ensino e da afirmação da nossa cultura no mundo global em que vivemos.
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António Vitorino é membro da Comissão Nacional do Partido Socialista (partido pelo qual já foi deputado à Assembleia da República), tendo também sido Ministro da Presidência e da Defesa Nacional do XIII Governo Constitucional e Comissário Europeu para a Justiça e Assuntos Internos na Comissão Europeia presidida por Romano Prodi. Para além da coluna de opinião que tem no «Diário de Notícias» semanalmente às sextas-feiras [de que retiramos o presente artigo, da edição do passado dia 22 de Dezembro], António Vitorino também tem o programa «Notas Soltas», [às segundas-feiras à noite] na RTP 1.
sábado, janeiro 06, 2007
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