quarta-feira, maio 09, 2007

Trechos de «Duas reformas, muitos perigos», editorial do "Público" por Manuel Carvalho

Estas (...) iniciativas reforçam a sensação de que em Portugal o poder central caminha no sentido de se transformar numa enorme cabeça que tudo controla e em tudo manda.
O Governo quer passar a ter o poder de transformar as Universidades em Fundações, reservando-se o direito de nomear a equipa de curadores responsável pela sua administração. (...) No preâmbulo destas iniciativas legislativas, o Governo há-de justificar as propostas com um sem-número de argumentos em favor da governabilidade, da lógica, da modernização, da transparência ou da exigência que uma apregoada modernidade recomenda aos diferentes braços do serviço público. Em muitos aspectos, terá provavelmente razão. De uma certeza, porém, o Governo não se livra: a de que estas (...) iniciativas reforçam a sensação de que em Portugal o poder central caminha no sentido de se transformar numa enorme cabeça que tudo controla e em tudo manda.
A contrariar esta suspeita, o Governo terá a seu favor a necessidade de dar resposta a modelos de governação e a desempenhos que nos últimos anos têm sido sujeitos a críticas generalizadas. (...) O balanço entre todos estes argumentos, porém, não resiste à comparação do que está em causa: de um lado uma resposta contra a burocracia asfixiante que nenhum Estado moderno consegue hoje tolerar ou a urgência de agitar a letargia que é a imagem de marca da governação de boa parte das Universidades; do outro, princípios de natureza política que ameaçam a indispensável autonomia de pensamento e acção das Universidades e dos seus dirigentes (...).

O que, neste particular, está em causa configura um abuso de poder. (...) É um abuso que revela um sintoma perigoso: o sintoma do déspota esclarecido e paternal, que se julga investido de um poder suficientemente iluminado para impor a outros (...) o que mais convém aos seus titulares.
A reforma das Universidades, embora vá, em termos gerais, no bom sentido, contempla um ponto ainda mais perigoso. Porque se é verdade que a instituição de Fundações para se apossarem de Universidades pode ser um bom antídoto contra a incompetência ou o laxismo, também pode servir como arma de arremesso para cercear a iniciativa, irreverência e liberdade que as escolas do Ensino Superior têm o dever de alimentar. Se hoje os «campus» universitários são, muito pela sua autonomia, uma reserva onde germina boa parte do espírito de criação e de crítica do país, a possibilidade de haver um Ministro maldisposto que erradique os seus Reitores e os substitua por um grupo de curadores com cartões de militante do partido no poder é um cenário aterrador que merece toda a atenção.
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Manuel Carvalho escreveu hoje este editorial e é director-adjunto do jornal diário «Público».

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