quinta-feira, maio 31, 2007

«Privatização de Universidades», artigo de opinião de Catarina Martins no "Jornal de Notícias"

O anúncio, por parte da tutela, da retirada de interesse público à Universidade Internacional (Lisboa e Figueira da Foz) acentua a discussão que o processo da [Universidade] Independente havia desencadeado em torno das Universidades privadas e do descalabro que se vive nestas instituições [de Ensino Superior].

Não há como escamotear a responsabilidade dos sucessivos Governos PS e PSD numa verdadeira bandalheira, criada a reboque de interesses privados, aos quais repetidamente estão associados nomes de responsáveis destes partidos políticos. Paradoxalmente, porém, as palmadas que o ministro do Ensino Superior, tardiamente, parece disposto a aplicar às Universidades privadas não escondem o objectivo maior do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, projecto de Proposta de Lei do Governo que já mereceu contestação alargada na Universidade de Coimbra, quer da parte do Senado, quer dos estudantes a privatização do sector.

Desde a apresentação do relatório da OCDE sobre o Ensino Superior em Portugal - um preceituário neoliberal elaborado à medida de um Governo cegamente obediente aos imperativos comunitários do PEC - que esta privatização se anunciava, surgindo agora sob a forma "mitigada" de um modelo fundacional.

Os argumentos em favor do novo regime - o acesso a financiamento privado e a flexibilização da gestão - são falsos, já que os mesmos objectivos poderiam ser alcançados dentro do actual quadro legal, desde que a autonomia universitária fosse respeitada de uma forma alargada pela tutela e desde que o Governo garantisse um financiamento adequado.

As consequências do novo modelo, porém, terão profunda gravidade Em primeiro lugar, na precarização dos laços contratuais dos funcionários das instituições do Ensino Superior - isto, num cenário caracterizado já pela precariedade alargada e por situações de desemprego cada vez mais numerosas, em relação às quais o Governo se mantém cego, surdo e mudo, persistindo na recusa do devido subsídio.

As bolsas de investigação com que [o ministro da Ciência e Ensino Superior] Mariano Gago quer mascarar este estado de coisas dificilmente respondem aos problemas dos docentes desempregados, mais não fazendo do que multiplicar as situações de falta de vínculo às instituições, de falta de direitos laborais e sociais, e de vida a prazo da maior parte dos investigadores portugueses, reduzidos ao estatuto de bolseiros.

Em segundo lugar, o novo modelo é um forte golpe na democraticidade interna das instituições do Ensino Superior, ao abolir órgãos colegiais (como o Senado) e a eleição do Reitor pela comunidade universitária, e ao restringir o direito de professores e alunos de participar na gestão das escolas, com profundas consequências na qualidade científica e pedagógica das mesmas.

Para além disso, é inaceitável a tentativa absurda de retirar a investigação do seio das Universidades, que corresponde a tirar-lhes a sua própria razão de ser.

Finalmente, a tecnocratização da gestão de Universidades e Politécnicos será sinónimo de mercantilização e terá efeitos graves sobre o país que somos e que queremos ser um país de "nerds" especializados em domínios que o mercado se dispõe a adquirir (o que torna previsível a extinção das Humanidades), ou uma sociedade de cidadãos bem formados, no sentido mais amplo da palavra, no qual se destaca o espírito crítico e a liberdade de pensamento, peças basilares de um estado democrático.

A base desta proposta do Governo é, na realidade, um profundo desprezo pela democracia e pela cidadania.
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Catarina Martins é docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo o seu presente artigo de opinião sido publicado no «Jornal de Notícias» de hoje.

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