terça-feira, junho 26, 2007

Entrevista de Mariano Gago ao «JN» (parte 1/2)

Financiamento passará a depender de resultados
José Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, é um professor catedrático no Instituto Superior Técnico que aceitou pela segunda vez ser governante. Entre o tempo de António Guterres e o actual Executivo liderado por José Sócrates, a diferença para Mariano Gago foi basicamente terem-lhe acrescentado o Ensino Superior. Muitas chegaram a acusá-lo de só saber nadar em águas de Ciência. Se era verdade, parece ter aprendido depressa. Até ao final da legislatura, o [Ensino] Superior vai transfigurar-se.
Mariano Gago convidou-nos a sentar com ele para a entrevista. Na Reitoria da Universidade do Porto, tinha passado mais de três horas, quase sempre em pé, a ouvir e a responder a todos que o quiseram questionar sobre o novo Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJiES). Faz aqui a defesa de alguns pontos dessa e doutras reformas conexas.

«Jornal de Notícias»: Há quem o acuse de passar a ter poderes excessivos com o formato que deu ao RJiES. Estamos a falar da criação de Fundações (no caso de novas instituições), da capacidade de intervenção na definição das provas específicas ou nas formas de controlo do número de alunos nas Universidades públicas (apesar de dizer que terminaram os números clausus).

Mariano Gago: É natural que o Estado tenha mais responsabilidade relativamente ao sector público. O Governo tem a responsabilidade de utilizar da melhor maneira os dinheiros públicos. Uma das críticas principais que é feita ao sistema de ensino português é a diminuta regulação e intervenção, em termos estratégicos e não ao nível da gestão quotidiana, por parte do Governo - designadamente na rede pública. Mas essas críticas (excessivo poder do ministro) não têm fundamento. A criação de fundações não é decidida pelo ministro, mas sim pelo Governo através de decreto-lei.

P: E quanto ao poder de intervir nas específicas?

R: Não é aceitável que hoje seja integralmente livre a escolha por parte das instituições, relativamente ao elenco das provas específicas, sem cuidar da coerência do sistema. Sabe-se que existem casos em que, por força da competição pelo número de alunos, não existem os requisitos críticos para um determinado curso. A Lei vem até clarificar e limitar a intervenção do Estado para o estabelecimento de regras gerais.

P: Quando coloca mais critérios de exigência nas públicas, isso liga-se ao facto de o financiamento estar em causa, o que não acontece com as instituições privadas?

R: Liga-se com a qualidade do sistema. Estamos a falar de critérios mínimos. Esta Lei apenas aponta critérios comuns para instituições públicas e privadas quanto aos requisitos da qualificação do corpo docente, designadamente quantos doutorados face um determinado número de alunos. Há instituições que têm rácios muito melhores do que os critérios mínimos estabelecidos.

P: Quanto ao "numerus clausus", o Governo dá rédea solta aos privados e aperta a malha de exigência nas instituições públicas?

R: Não é verdade. Primeiro, o Governo define a possibilidade de intervir no ordenamento da rede. Segundo, os critérios são muito estritos em matéria da qualificação do corpo docente para que um determinado número de alunos possa ser aceite numa determinada instituição ou curso. Quando um curso é acreditado, tem a ver não só com o plano de estudos, mas também com a qualidade e quantidade do corpo docente disponível.

P: A futura lei do financiamento vai mudar a lógica segundo a qual quanto mais alunos mais dinheiro terão as instituições?

R: É claro que parte dessa lógica tem de se manter. Mas a tendência em todos os países vai no sentido de fazer uma lógica de financiamento por resultados, não tendo tanto a ver com o número de alunos inscritos, tendo mais a ver com actividade e resultados da instituição - designadamente quanto ao número de diplomados que são formados. As leis de financiamento têm de encorajar o sucesso escolar e não incentivar o insucesso.

P: Admite, portanto, que a futura lei do financiamento vá implementar essa lógica em Portugal?

R: Sim.

P: É sensível ao facto de os reitores dizerem que as universidades não têm dinheiro para pagar todas as acreditações à futura Agência?

R: Seria extraordinário. É uma visão estranha. É imaginar que existem custos proibitivos para essas avaliações, o que não é verdade. Hoje em dia, muitas universidades já financiam elas próprias avaliações bem mais caras, como por exemplo as acreditações junto das ordens profissionais.

"Há, de facto, a necessidade de racionalizar o politécnico"

P: Vai haver uma racionalização da rede dos politécnicos? Isso está implícito no RJIES ao dizer-se que haverá "consolidação e integração institucional dos institutos politécnicos que deixam de ser federações de escolas separadas e autónomas".

R: Há, de facto, a necessidade de racionalizar a rede do politécnico. É por esse motivo que se aponta para a necessidade de realizar as unidades orgânicas (escolas) dentro dos politécnicos e consolidá-los. Hoje, os politécnicos são apenas federações de escolas. Vão mudar e passar a ser partes de uma instituição consolidada que é o instituto politécnico. Por outro lado, aponta-se para a necessidade de criar consórcios entre instituições quando isso for adequado, medida importante para haver um ajuste da oferta formativa em determinadas áreas. Há instituições em permanência de competição entre si num território muito pequeno..

P: Entre a 5.ª versão do RJIES e a aprovada no Conselho de Ministros, as exigências ao nível do corpo docente nas universidades diminuíram. No rácio de um doutorado para cada 30 estudantes, primeiro exigia-se que todos aqueles docentes estivessem a tempo integral, mas depois só se pede que metade esteja nesse regime de vinculação (artigo 47.º, alínea c do ponto 1).

R: Não há cedências. Quando se analisam vários documentos que estão em discussão é natural que haja uma evolução em função da análise do concreto. Face à situação que existe hoje, o que propõe o diploma é de uma extraordinária exigência. Mas é uma exigência que se pode cumprir num prazo razoável. Introduzir uma exigência maior num prazo mais alargado seria menos interessante. Estes são os requisitos mínimos que podem ser cumpridos num prazo razoável.

P: Acha que temos personalidades para preencher os tais 30% de elementos externos nos conselhos gerais das universidades?

R: Acho que sim. Não estamos a falar de órgãos de gestão quotidiana. São órgãos que se reúnem quatro a seis vezes por ano.

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