domingo, junho 24, 2007

Entrevista do ministro Mariano Gago ao «DN»

P: Em que vai o novo Regime Jurídico do Ensino Superior (RJiES) melhorar o sector?

R: Os regimes jurídicos não fazem só por si as reformas. Espero que este estimulem as camadas mais dinâmicas e reformadoras do ensino superior português. Acredito que vai melhorar muito a diversidade das instituições, em função da missão e condições de cada uma. A sua governabilidade, a capacidade de cumprirem os objectivos a que se propõem. Vai aumentar a sua autonomia financeira, administrativa e de gestão de pessoal, como nunca aconteceu em Portugal. Ao mesmo tempo, responsabiliza-as, sobretudo os seus líderes eleitos. Aumenta a abertura à sociedade. A presença de elementos externos, escolhidos pela instituição, não apenas como consultores mas no seu governo, é fundamental. O regime deixa ainda as instituições portuguesas em melhores condições no dificílimo combate internacional para reter e atrair recursos humanos qualificados.

P: Disse que se opõe à reforma quem está confortável na situação actual. Mas já ouviu algumas críticas da parte de Jorge Sampaio e de Marcelo Rebelo de Sousa...

R: Toda a mudança suscita uma reacção conservadora, é natural. Estou convencido de que muitos dos que hoje exprimem dúvidas em relação às propostas cedo verificarão que estas são essenciais, e muito próximas das que permitiram reformar e modernizar a maioria das universidades e institutos politécnicos da Europa nas últimas décadas. Os modelos de eleição do reitor que propomos, e sobretudo de organização dos órgãos de maior responsabilidade, foram adoptados há muito em toda a Europa. O que é estranho é essa consciência não ser generalizada em Portugal. Isso é um factor de atraso numa reforma tardia.

P: Já admitiu ampliar o prazo de implementação do regime. Até quando? Setembro de 2008, no início desse ano lectivo?

R: É preciso ver que, após a publicação, a lei só entra em vigor ao fim de 30 dias. Por isso, estamos a falar de 13 meses. Mas, sim, esse parece-me um prazo razoável, dentro das nossas expectativas. Não será um atraso de um mês ou dois que vai pôr em causa a reforma.

P: Há quem o acuse de não ter dado margem de debate do diploma, ao divulgá-lo a 20 de Junho e levá-lo ao Parlamento oito dias depois.

R: Quem faz essa afirmação ou é por distracção ou por má-fé. A reforma foi anunciada no princípio deste Governo, há mais de dois anos, preparada durante mais de um ano através da visita, da análise detalhada, da discussão pública, de peritos internacionais [OCDE] que estiveram em Portugal repetidamente, que produziram relatórios que foram discutidos. É uma reforma que, já ao longo do ano de 2007, foi antecedida da publicação de linhas orientadoras e de um anteprojecto submetidos também à apreciação da comunidade universitária e fora dela. Não deve ter havido uma reforma tão longamente preparada. Este é o ponto final do processo que dura há mais de ano e meio.

P: Com críticas reincidentes, por exemplo ao fim da eleição do reitor nos moldes actuais...

R: Tem de ficar claro que a comunidade académica continuará a eleger o reitor. Hoje, a eleição é feita através de assembleias gerais: metade representantes de professores e a outra de funcionários e alunos. O modelo muda em duas vertentes: em primeiro, os professores passam a ser a maioria no órgão que elege o reitor, a que se chama Conselho Geral. Os estudantes mantêm-se nesse órgão. Em segundo, surgem elementos externos. São os membros eleitos da universidade que vão escolher esses elementos da sociedade civil. É garantida a total autonomia da instituição. Além disso, qualquer professor de fora se poderá candidatar a reitor. Nesse aspecto, a situação actual é mais restritiva.

P: O conselho terá muitos poderes...

R: Não é apenas uma assembleia eleitoral que depois de eleger o reitor se dissolve. É um órgão de supervisão da instituição, com poderes próprios. Foi eleito e portanto tem a possibilidade de aprovar os orçamentos, os planos de actividade da instituição. Esta mudança tem uma função e um objectivo. Promover que se candidatem a cargos de chefia, de responsabilidade, com muito mais poder, as pessoas mais capazes. E que haja um processo de selecção que envolve candidaturas, discussão pública dos programas.

P: Está muito confiante no papel da sociedade civil nos conselhos. Acredita nessa mobilização?

R: Se todas as universidades e politécnicos públicos tivessem o máximo de elementos previstos no conselho geral, eram precisas cerca de 250 de pessoas para o País inteiro. Estamos a falar de pouco mais de uma trintena de instituições e de um máximo de oito elementos. Não há em Portugal 250 pessoas profissionais, competentes, que queiram contribuir para o destino das instituições do ensino superior? Peço desculpa, recuso-me a aceitar isso.

P: Os estudantes queixam-se de terem perdido representatividade nas decisões...

R: Os estudantes estão no centro dos objectivos da reforma do ensino superior. A sua participação nas instâncias pedagógicas é reforçada, e associada a objectivos de avaliação interna da qualidade do ensino. A participação de representantes eleitos de estudantes no novo órgão de governo de topo das instituições é garantida imperativamente.

P: Mas... dois representantes?

R: A lei apenas define os órgãos mínimos das instituições que certamente criarão não apenas novos órgãos mas mecanismos de participação generalizada da comunidade académica. Estou convicto que muitas instituições vão definir formas inovadoras de consulta e participação alargada como forma de reforçar a preparação das decisões pelos órgãos eleitos.

P: A propósito de estudantes, o sistema de empréstimos sempre será realidade este ano?

R: Estou bastante optimista em relação a essa possibilidade, mas prefiro não me alongar muito. Não depende só da minha vontade.

P: O Conselho de Reitores acusa-o de desmembrar as universidades, ao permitir a passagem a fundações de algumas das suas unidades sem terem de ouvir as instituições...

R: Há aí uma posição alarmista e de grande conservadorismo. Na situação actual, sem qualquer mudança de regime jurídico, a criação, extinção ou fusão de faculdades é gerida pelo Governo. Não podemos aceitar que nenhum responsável máximo da universidade se arrogue o direito de proibir aos governos a responsabilidade democrática de recompor, em função das necessidades nacionais, a rede do ensino superior. Ao contrário do que se tem dito, se uma faculdade, por exemplo, disser ao Governo que tem melhores condições para cumprir a sua missão como fundação de direito privado, mantendo-se como instituição pública, a lei obriga a que a universidade seja consultada. E depois o Governo decide.

P: Já há essas manifestações de interesse?

R: Há instituições que o fizeram saber publicamente, mas não há manifestações de interesse até à aprovação da lei. Numa primeira fase, é normal que um dos critérios seja o nível das receitas próprias [50%]. Pouquíssimas terão as condições.

P: Uma eventual autonomização do Instituto Superior Técnico não seria grave para a Universidade Técnica?

R: Muitas das grandes universidades já têm faculdades com autonomia administrativa e financeira, que recolhem receitas próprias. Este modelo, provavelmente, permite mais articulação entre muitas das escolas actuais. Não imagino que algumas dessas instituições não fizessem contratos de parceria, de integração de consórcios com as suas próprias universidades de origem.

P: Fala-se também nos centros de investigação. Não se vai separar pesquisa e ensino?

R: Pelo contrário, acho que vai conseguir-se uma consolidação entre estruturas de ensino e de investigação numa matriz nova. Muita da investigação em Portugal foi feita contra as hierarquias e lideranças universitárias. Por isso é que teve de adoptar formas externas de organização.

P: Disse que o numerus clausus vai desaparecer. Mas o RJIES ainda sujeita a fixação de vagas às orientações da tutela e à sanção do ministro. O que muda afinal?

R: A avaliação e acreditação das instituições e dos cursos, a fixação de requisitos mínimos de quantidade e qualificação do corpo docente, definirão os limites da capacidade de cada instituição. Assim, em regra, deixará de ser necessária a fixação pela tutela do numero de vagas em cada curso de licenciatura, quer no sistema publico quer no privado. Isso já é assim hoje nos segundos e terceiros ciclos [mestrados e doutoramentos]. Progressivamente, sê-lo-á também nas licenciaturas. Não seria aceitável, por exemplo, que as instituições de um dado sector decidissem colectivamente reduzir as vagas em áreas de forte procura e relevância. Esta mudança vai requerer a entrada prévia em funcionamento pleno da Agência de Avaliação e Acreditação e a definição de regras estáveis de ordenamento da oferta de cursos.

P: As exigências ao nível do número de doutorados no corpo docente serão iguais para o público e para o privado. São de prever dificuldades?

R: Há algumas instituições públicas, e bastantes nos sector privado, que não atingem os mínimos pretendidos. Algumas, muito poucas, no privado, estão excepcionalmente longe. Mas, contas feitas, o número de doutorados de que falamos seriam algumas centenas. E é preciso o País não esquecer que, por ano, formamos cerca de 1300 a 1400 doutorados. Existem esses recursos e é indispensável que as instituições os utilizem.

P: Qual será o futuro de privadas como a Independente que, diz o Governo, não cumpre os mínimos. Extinção? Fusões?

R: Não me compete nem sinto que seja correcto pronunciar-me sobre essa matéria. As instituições são livres de procurar as melhores soluções para as suas necessidades.

P: Quais são os desafios concretos para os Institutos politécnicos?

R: A lei consagra o reforço do sistema binário nas instituições do ensino superior. Portugal precisa de ensino politécnico e de ensino universitário. Do que não precisa é do que tem vindo a acontecer nas últimas décadas, que são instituições que eram excelentes politécnicos e começaram a abandonar essa vocação para procurarem ser instituições universitárias para as quais não tinham a vocação nem os recursos. O País precisa de instituições politécnicas fortes.

P: O que será o grau de especialista nos politécnicos. Será reconhecido lá fora?

R: O grau de especialista visará reconhecer conhecimentos particularmente elevados. Por natureza, estará reservado às pessoas com mais experiência. A sua formalização dependerá ainda de negociações, nomeadamente com as ordens profissionais. Vários países já reconhecem estas qualificações.

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