quinta-feira, janeiro 18, 2007

Carta de Berkeley: «Contributos da PAPS para uma discussão à volta de endogamias [universitárias]»

A revisão do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) tem sido tema de atenção recorrente nas políticas propostas pelos diferentes Governos nos últimos anos em Portugal. Apesar da aparente vontade política para alterar certas directivas vigentes, verifica-se que o ECDU ainda não foi alvo da tão desejável revisão do seu conteúdo.

A Portuguese American Post-Graduate Society (PAPS) [blogue], atenta à importância de um ECDU promotor da excelência do Ensino Superior em Portugal, considera que a última declaração, referente a este tema, apresentada pela PAPS em 2001 (anexo em www.papsnet.org) se mantém actual na sua generalidade. O documento que agora apresentamos pretende reiterar as directivas apresentadas anteriormente e propor algumas medidas orientadoras para a revisão do ECDU.

«Por um ECDU moderno» (da autoria de Maria Elvira Callapez, em co-autoria com Pedro [Santos] Vieira e Tiago [Fleming] Outeiro)

Um ECDU moderno e promotor da excelência do Ensino Superior deveria assentar em quatro pilares fundamentais: Excelência, Competição, Inovação e Mobilidade.

1 – Excelência

1.1 – A promoção da excelência no Ensino Superior requer a elevada qualificação do seu corpo docente. Nesse sentido, é fundamental que a qualidade do currículo científico e pedagógico do docente sejam factores determinantes na sua contratação e progressão na carreira. A avaliação do corpo docente deve ser feita por um comité independente e, sempre que possível, contendo membros da comunidade científica internacional. Dadas as restrições orçamentais que afectam as instituições de Ensino Superior, a constituição destes júris poderia ser apoiada pela tutela do Ensino Superior quer através de mecanismos de apoio financeiro ou da contratação de uma equipa de cientistas internacionais pela referida tutela.

1.2 – A excelência do corpo docente passa também pela sua formação científica. O grau de Assistente é, neste momento, detractor da qualidade da formação dos próprios assistentes e acaba por ser um veículo para minimizar a competição entre pares para evolução no sistema. Assim, a entrada no sistema Universitário deverá ser feita através da posição de Professor Auxiliar, e não de Assistente, requerendo portanto que o docente tenha obtido o grau de doutor para poder ser contratado. Esta situação já se verifica, em várias Universidades, e é importante que se mantenha como uma condição essencial. Para alterar este estado é recomendável que:

1.2.1 – Seja revista a forma de financiamento dos doutoramentos em Portugal dado que muitas vezes é através da posição de Assistente que muitos alunos conseguem suportar os seus estudos de doutoramento;

1.2.2 – Seja revista a forma como se procede à contratação de monitores. Uma forma de conjugar os pontos 1.1 e 1.2 passa por atribuir aos alunos de doutoramento o cargo de monitores, à semelhança do que ocorre em Escolas americanas. O estatuto de “monitor” deve ser revalorizado de modo a fornecer um aproveitamento de enquadramento de recursos que permita fixar os melhores alunos em actividades de investigação. A sua carga horária máxima e mínima deverá ser definida dentro de um intervalo de 4-6 horas por semana.

1.3 – Uma das mudanças para promover a excelência no Ensino Superior português deverá passar pela progressão na carreira em função do mérito científico e pedagógico e não pela simples abertura de vagas (pela saída de outros docentes). Admitindo que esta seja uma alteração de difícil implementação no contexto da Função Pública, a tutela poderia criar um sistema de “matching funds” ao qual as Escolas poderiam recorrer se quisessem contratar docentes num sistema de contratação paralelo ao da carreira académica da Função Pública. A aceitação da contratação pelas Escolas num regime paralelo já seria por si só, extremamente positiva.

1.4 - Deve ser abolido progressivamente e sem perda de direitos adquiridos o grau de professor associado. Tal facto deverá corresponder ao alargamento do quadro de professores catedráticos, algo que aliás se impõe no âmbito do processo de Bolonha e das necessidades daí decorrentes de possuir mais docentes habilitados para orientar mestrados e doutoramentos, projectos de investigação e linhas de investigação com completa autonomia, reforçando e descentralizando as lideranças científicas dentro da Universidade. A “massificação” de graus académicos presente nos documentos orientadores [do processo] de Bolonha terá assim de traduzir-se numa estrutura académica mais qualificada e internacionalizada, mas com menos patamares hierárquicos. Os graus académicos pós doutoramento passariam a ser três:

- professor auxiliar
- professor auxiliar com agregação
- professor catedrático

1.5 - A avaliação dos docentes para progressão na carreira não deveria corresponder exclusivamente aos momentos de provas académicas, passando a ser feita independentemente desses momentos. Importa introduzir sistemas de avaliação frequente onde seja contemplada quer a vertente cientifica, quer a pedagógica (qualidade das aulas leccionadas), vertentes essas que têm sido até ao presente claramente menosprezadas nos sistemas de avaliação e progressão da carreira. Face à generalização dos inquéritos aos alunos, este instrumento de reflexão, conjuntamente com o relatório do docente e com os resultados da avaliação final dos alunos, constituirão o suporte material para regular a avaliação dos docentes universitários.

2 – Competição

A competição, dentro de regras claras, justas e transparentes, é uma das principais formas de promoção da excelência no Ensino Superior. Assim:

2.1 – Uma forma de promover a competição saudável entre pares é fazer concursos cujos pré-requisitos sejam estabelecidos em conjunto com membros externos à instituição de ensino.

2.2 – A competição deverá passar pela possibilidade de contratação de professores para as diversas categorias. Assim, deverá ser possível contratar um docente para qualquer posição da carreira académica desde que o mesmo tenha qualificações para tal. Para que esta medida possa ser implementada é necessário definir com antecedência as competências e as características de cada uma das posições na carreira académica.

3 – Inovação

A inovação é um dos motores de crescimento de qualquer nação e o papel do sistema de Ensino Superior e do seu corpo docente é de extrema importância para a sua promoção. Desta forma é necessário que:

3.1 – Se clarifiquem as regras de funcionamento das actividades de consultoria por parte dos docentes universitários, indicando o que são actividades permitidas e o que são actividades não-permitidas.

3.2 – Se permita uma maior flexibilidade na execução de serviços de consultoria, garantido no entanto que as Escolas recebem parte justa do rendimento proveniente destas actividades. O actual sistema, obrigando os docentes a abdicarem da exclusividade para poderem co-exercer certas actividades externas, desencoraja as actividades de empreendedorismo e promove situações dúbias no que respeita à sua legalidade ética ou profissional. Aqui será essencial um esforço continuado que culmine com a alteração de “mentalidades”, para que estas actividades passem a ser respeitadas e aceites, uma vez que poderão proporcionar rendimentos alternativos para as Universidades. Por outro lado, interacções com o sector empresarial irão permitir uma melhor coordenação e adaptação das necessidades de investigação do país, contribuindo para um desenvolvimento mais sustentado e adaptado à realidade, e uma integração mais eficaz dos formandos no mercado de trabalho.

3.3 – Se repense a distribuição da carga horária pelas diferentes categorias para que todos os docentes possam dedicar mais tempo a actividades de investigação, essenciais não só como fontes de receita para as Universidades, mas também como fonte de conhecimento actualizado, essencial para as actividades de docência.

4 – Mobilidade

4.1 – A endogamia do sistema em que as Escolas contratam ou promovem fundamentalmente (ou mesmo quase exclusivamente) docentes que já fazem parte dos seus quadros, é prejudicial para a qualidade do Ensino e investigação. Embora a exigência de uma política de mobilidade semelhante à do sistema americano (onde está implícita a necessidade de contratar docentes vindos de outras instituições) pode ser demasiado utópica, devido à diferença de escala/dimensão entre os dois sistemas, é importante reconhecer a necessidade de incentivar a contratação de concorrentes externos. Como forma de garantir que isto aconteça, a tutela deveria estabelecer regras que garantam a independência dos júris de contratação, a semelhança do que é proposto no ponto 1 deste documento. Por outro lado, os docentes deveriam ser fortemente encorajados e incentivados a contactarem com outras realidades noutras Universidades, quer em Portugal quer no estrangeiro, para assegurar uma constante “renovação” de ideias.

4.2 – As regras para as licenças sabáticas devem ser revistas de forma a promover uma maior mobilidade dos docentes (preferencialmente internacional). Não sendo possível garantir licenças sabáticas pagas com maior regularidade, então deverá pelo menos ser criada a possibilidade de dispensa da docência para a realização deste tipo de actividade.

Em suma:

1- Terminar com a endogamia do meio académico que é base para situações de atrofia do desenvolvimento científico: nesse sentido o ECDU deve especificar normas, para os concursos que abrem as portas à entrada na carreira e para os concursos de progressão na carreira, capazes de assegurarem a igualdade e oportunidades de todos os candidatos.

2 - Constituir júris cuja composição deve assegurar que pelo menos 50% dos docentes não pertençam à instituição que abre o concurso.

3 – Partilhar o processo de homologação final dos procedimentos de abertura de
concursos entre os estabelecimentos de Ensino Superior, no uso da autonomia consagrada pela lei, e uma entidade no âmbito do Ministério do Ensino Superior que ficará encarregue da supervisão e garantia da igualdade de oportunidades , que sancionará qualquer Despacho antes do seu envio para publicação em Diário da República.

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Sobre esta temática leia-se também o anterior texto: «GAMeets 2006: Endogamia e a [quase inexistente] mobilidade [docente] na Universidade portuguesa».

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