terça-feira, março 20, 2007

«O que é que o ministro Mariano Gago manda aqui?», artigo de opinião de Cecília Honório

A 23 de Fevereiro o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior [Mariano Gago] foi anunciar ao Parlamento que até ao Verão tem pronto o pacote de leis da reforma [a efectuar no Ensino Superior]. Ao PSD acabou por piscar o olho e para as perguntas e críticas da esquerda usou o capote do silêncio e dos adjectivos sonoros. O Bloco de Esquerda é reaccionário para o Ministro [Mariano Gago] poder ser moderno.
Nada de novo. Assinala-se hoje essa grande convergência para a criação do Espaço Europeu de Educação Superior e faz-se o luto de parte das referências da Universidade moderna: o compromisso com a formação cultural, o saber para a felicidade, para a emancipação, para o reforço da liberdade individual. Vive-se hoje à escala europeia o "grande consenso" que parasita a mais óbvia necessidade: as famílias e os jovens querem cursos para o emprego.

A pressão sobre o Ensino Superior é de adaptação crescente ao mercado de trabalho (de mutação rápida e internacionalizado) para a criação de um novo sistema à escala da Europa e em competição com os EUA, de que [o processo de] Bolonha é expressão. O mercado europeu de Ensino Superior reivindica-se da criação de pólos de competitividade, sob o lema de que ou a Universidade é competitiva ou morre.

Neste quadro, o ensejo reformista de Mariano Gago tem muito pouco de nacional. As metas do parto sem dor são definidas pela OCDE e todas as peças que parecem soltas se encaixarão na reforma liberal: estatuto dos professores, estatuto dos estudantes, modelos de autonomia, gestão e financiamento. Até a investigação estará europeiamente condicionada. Por exemplo, a investigação prevista no programa Cooperação do sétimo programa-quadro selecciona as TIC, a Saúde, os Transportes e a nano-produção como áreas temáticas prioritárias e concede às ciências socioeconómicas e ciências humanas uma percentagem ridícula de fundos (610 milhões de euros em mais de 36 mil milhões para o período de 2007-2013).

As transfigurações tocam professores (aumentar a carga de trabalho, criar elasticidade sobre as funções, reduzir pessoal e multiplicar formas de precariedade; incompatibilidade crescente entre ensino, burocracia e investigação, que potenciará a deslocalização da investigação das Universidades e a extinção do professor-investigador), funcionários e alunos. O aluno-cliente paga os saberes que não são nem gratuitos, nem para todos, o que reforçará a auto-reprodução das elites e o endividamento dos estudantes, uma banalidade em países como os EUA ou o Reino Unido.

O modelo de gestão assumirá a gestão por resultados e os novos chefes tenderão a assumir-se como gestores de empresas públicas com a liquidação a prazo de formas de representatividade, de eleições, de concursos. Em sintonia, a atracção do capital privado tornará reféns as instituições e os investigadores, enquanto o modelo de financiamento - já este ano a fórmula foi retorcida pelos "custos" - terá lugar com os contratos-programa.

É o sistema a adaptar-se à cartilha das empresas sob o lema da modernidade. Mas em Portugal, e recorrendo à denúncia de António Manuel Hespanha (na revista «História», edição de Novembro de 2006), nem o estudo prévio dos perfis de empregabilidade, nem a fome desvairada dos empregadores, que se estão nas tintas para os graus e saberes académicos e querem gente amestrada para o imediato da tarefa.

Se o Ministro [Mariano Gago], à luz deste quadro, pouco manda, algumas coisas, no entanto, poderia ter feito e não fez. Por exemplo, o "espírito" de Bolonha supõe a reforma pedagógica, tutorias, participação activa dos estudantes, seminários para grupos reduzidos, trabalhos dirigidos e o fim do jesuítico casamento entre professor e sebenta. Em Espanha, o debate teve outra dimensão e o acompanhamento do processo, também. O Conselho de Coordenação Universitária, que acompanha e avalia a renovação das metodologias, propôs, por exemplo, o plano específico para a renovação das metodologias educativas, incluindo a oferta de formação pedagógica. Mas em Portugal instalou-se o baldex por conta [do processo] de Bolonha com as instituições a improvisaram a conversão administrativa dos currículos e a esmagarem as mais legítimas expectativas dos alunos.

Se o ministro largou as instituições, e por maioria de razão os estudantes, aos bichos, domínios existem onde a governamentalização dá novos passos. Para além da governamentalização da ciência, denunciada nos consórcios com o MIT [Massachusetts Institute of Technology] e a CMU [Carnegie Mellon University], a avaliação das instituições dá conta da mesma síndrome. A Agência de Avaliação e Acreditação para a Garantia da Qualidade do Ensino Superior será uma Fundação de direito privado em que o Conselho Geral, constituído por três representantes do Governo, designa e pode demitir o Conselho de Administração.

Confirma-se: o populismo pós-moderno de [José] Sócrates adubou-se do combate aos privilégios e às corporações por conta do Estado; mas o Estado de [José] Sócrates tem, afinal, espaço para novos privilégios e modernas corporações.
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Cecília Honório é deputada à Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda, tendo publicado o presente artigo de opinião no portal Esquerda.net, no passado dia 2.
Anteriormente já havíamos publicado um anterior texto da mesma autora: «Bloco de Esquerda lança «S.O.S. pelo Ensino Superior Público»; iniciativa pública na próxima sexta-feira (dia 15) na Assembleia da República».

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