quarta-feira, março 21, 2007

«A boa Universidade», por João Cardoso Rosas

Em muitas formações [superiores], os melhores cursos não estão em Lisboa nem em Coimbra, mas em Aveiro, no Porto ou no Minho.
Esqueçamos o desapontante Processo de Bolonha e concentremo-nos no essencial. Aquilo que faz a boa Universidade são, basicamente, duas coisas: os bons professores e os bons alunos. Esta é a raiz do sucesso das melhores Universidades americanas e implica uma clara distinção entre as instituições de elite e aquelas que o não são. Como não existem bons professores e alunos em abundância, apenas algumas instituições os podem ter. Por essa razão, há muitas Universidades nos Estados Unidos que são bastante piores do que as nossas.

As limitações da Universidade portuguesa – mas também a sua maior homogeneidade por comparação com a Universidade americana – podem ser parcialmente ilustradas pela dificuldade das instituições em lutar pelos bons alunos e pelos bons professores. O primeiro problema é o recrutamento dos alunos. Se exceptuarmos o curso de Medicina, nenhuma Universidade tem hoje a possibilidade de recrutar os melhores alunos. Por um lado, o alargamento da rede de instituições e o abaixamento da curva demográfica gerou um excesso de oferta em algumas zonas. Por outro lado, o aumento das propinas e a escassez de bolsas de estudo criou um encargo suplementar para as famílias que é dificilmente conciliável com os custos da deslocação do aluno para outra cidade. A consequência foi a regionalização de todas as Universidades portuguesas. Hoje em dia, a Universidade de Lisboa só recruta em Lisboa, a de Coimbra em Coimbra, e por aí em diante. Praticamente todos os alunos conseguem entrar numa Universidade da sua região.

Neste aspecto, a informação providenciada pelo Ministério sobre os ‘rankings’ dos diferentes cursos de licenciatura seria da maior importância. Apesar do excesso de oferta e dos custos de deslocação, as famílias poderiam fazer um esforço suplementar para enviar os filhos para as melhores escolas caso dispusessem da informação adequada. Mas o Ministério da tutela nada fez para divulgar os ‘rankings’ já existentes e diz agora que é necessária nova avaliação. Assim, as famílias ficam sem saber que, de acordo com o processo de avaliação conduzido pelo professor Adriano Moreira, concluiu-se que, em muitas formações, os melhores cursos não estão em Lisboa nem em Coimbra, mas em Aveiro, no Porto ou no Minho.

O segundo problema da nossa Universidade é, como foi sugerido acima, o recrutamento dos professores. Muitos docentes foram recrutados por convite e sem base concorrencial. Embora este tipo de recrutamento se justifique para personalidades com um currículo extenso, ele tem sido usado de forma generalizada e pouco criteriosa. Mas, muito pior do que isso, é a permanência no sistema daqueles que, ao longo de anos, nunca provaram ter o perfil adequado para associar docência e investigação. Há docentes universitários em Portugal que nunca fizeram mestrado ou doutoramento e há mesmo alguns que nunca publicaram um artigo científico. A permanência destes elementos no sistema tem contribuído para a licealização do ensino universitário.

Neste aspecto, caberia aos Reitores e directores de Faculdade gerar uma concorrência efectiva entre os que estão dentro do sistema e aqueles que estão fora, tantas vezes com provas dadas e melhores qualificações do que aqueles que estão dentro. Cabe a cada instituição indicar os docentes cujo contrato não deve ser renovado e definir o perfil dos docentes a contratar. Mas é necessário que esse perfil seja depois tomado a sério mediante concursos abertos. A grande dificuldade inerente a este processo não está no Estatuto da Carreira Docente. Se fosse bem aplicado, o actual serviria perfeitamente. O problema reside no facto de Reitores e outros dirigentes serem escolhidos por eleição e, naturalmente, tenderem a trabalhar para proteger os que estão dentro e os elegeram e não a qualidade da instituição mediante o recrutamento dos melhores. Por isso a única reforma realmente importante é a que modifique e torne mais ágil o sistema de governo das Universidades.

Por fim, note-se que os bons alunos fazem os bons professores e estes os bons alunos. Quando a Universidade não tem capacidade para escolher uns e os outros, este círculo virtuoso transforma-se num ciclo vicioso.
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João Cardoso Rosas é professor universitário de Teoria Política na Universidade do Minho, tendo publicado o presente artigo de opinião («A boa Universidade») no «Diário Económico», no passado dia 8. Anteriormente já havíamos publicado dois outros textos do mesmo autor: «A confusão [do Processo] de Bolonha» e «O Processo de Palermo».

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