Esqueçamos o desapontante Processo de Bolonha e concentremo-nos no essencial. Aquilo que faz a boa Universidade são, basicamente, duas coisas: os bons professores e os bons alunos. Esta é a raiz do sucesso das melhores Universidades americanas e implica uma clara distinção entre as instituições de elite e aquelas que o não são. Como não existem bons professores e alunos em abundância, apenas algumas instituições os podem ter. Por essa razão, há muitas Universidades nos Estados Unidos que são bastante piores do que as nossas.Em muitas formações [superiores], os melhores cursos não estão em Lisboa nem em Coimbra, mas em Aveiro, no Porto ou no Minho.
As limitações da Universidade portuguesa – mas também a sua maior homogeneidade por comparação com a Universidade americana – podem ser parcialmente ilustradas pela dificuldade das instituições em lutar pelos bons alunos e pelos bons professores. O primeiro problema é o recrutamento dos alunos. Se exceptuarmos o curso de Medicina, nenhuma Universidade tem hoje a possibilidade de recrutar os melhores alunos. Por um lado, o alargamento da rede de instituições e o abaixamento da curva demográfica gerou um excesso de oferta em algumas zonas. Por outro lado, o aumento das propinas e a escassez de bolsas de estudo criou um encargo suplementar para as famílias que é dificilmente conciliável com os custos da deslocação do aluno para outra cidade. A consequência foi a regionalização de todas as Universidades portuguesas. Hoje em dia, a Universidade de Lisboa só recruta em Lisboa, a de Coimbra em Coimbra, e por aí em diante. Praticamente todos os alunos conseguem entrar numa Universidade da sua região.
Neste aspecto, a informação providenciada pelo Ministério sobre os ‘rankings’ dos diferentes cursos de licenciatura seria da maior importância. Apesar do excesso de oferta e dos custos de deslocação, as famílias poderiam fazer um esforço suplementar para enviar os filhos para as melhores escolas caso dispusessem da informação adequada. Mas o Ministério da tutela nada fez para divulgar os ‘rankings’ já existentes e diz agora que é necessária nova avaliação. Assim, as famílias ficam sem saber que, de acordo com o processo de avaliação conduzido pelo professor Adriano Moreira, concluiu-se que, em muitas formações, os melhores cursos não estão em Lisboa nem em Coimbra, mas em Aveiro, no Porto ou no Minho.
O segundo problema da nossa Universidade é, como foi sugerido acima, o recrutamento dos professores. Muitos docentes foram recrutados por convite e sem base concorrencial. Embora este tipo de recrutamento se justifique para personalidades com um currículo extenso, ele tem sido usado de forma generalizada e pouco criteriosa. Mas, muito pior do que isso, é a permanência no sistema daqueles que, ao longo de anos, nunca provaram ter o perfil adequado para associar docência e investigação. Há docentes universitários em Portugal que nunca fizeram mestrado ou doutoramento e há mesmo alguns que nunca publicaram um artigo científico. A permanência destes elementos no sistema tem contribuído para a licealização do ensino universitário.
Neste aspecto, caberia aos Reitores e directores de Faculdade gerar uma concorrência efectiva entre os que estão dentro do sistema e aqueles que estão fora, tantas vezes com provas dadas e melhores qualificações do que aqueles que estão dentro. Cabe a cada instituição indicar os docentes cujo contrato não deve ser renovado e definir o perfil dos docentes a contratar. Mas é necessário que esse perfil seja depois tomado a sério mediante concursos abertos. A grande dificuldade inerente a este processo não está no Estatuto da Carreira Docente. Se fosse bem aplicado, o actual serviria perfeitamente. O problema reside no facto de Reitores e outros dirigentes serem escolhidos por eleição e, naturalmente, tenderem a trabalhar para proteger os que estão dentro e os elegeram e não a qualidade da instituição mediante o recrutamento dos melhores. Por isso a única reforma realmente importante é a que modifique e torne mais ágil o sistema de governo das Universidades.
Por fim, note-se que os bons alunos fazem os bons professores e estes os bons alunos. Quando a Universidade não tem capacidade para escolher uns e os outros, este círculo virtuoso transforma-se num ciclo vicioso.
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João Cardoso Rosas é professor universitário de Teoria Política na Universidade do Minho, tendo publicado o presente artigo de opinião («A boa Universidade») no «Diário Económico», no passado dia 8. Anteriormente já havíamos publicado dois outros textos do mesmo autor: «A confusão [do Processo] de Bolonha» e «O Processo de Palermo».
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