terça-feira, março 20, 2007

«Novas orientações para o Ensino Superior [português]», opinião de Jorge Magalhães Mendes

O Conselho Nacional da Educação tem estado a organizar um Debate nacional sobre a Educação em Portugal. Neste âmbito o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior fez uma intervenção, que podemos considerar referencial, relativamente ao previsível futuro do Ensino Superior em Portugal.
No que respeita ao período que prepara o actual período de reforma legislativa referiu as sucessivas análises e avaliações do Ensino Superior que resultaram dos trabalhos efectuados pela ENQA [European Association for Quality Assurance for Higher Education], EUA [European University Association] e ainda OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico]. Pergunta-se se seriam necessárias tantas avaliações. Muitas avaliações e entidades a produzirem relatórios apenas servem para baralhar e custar dinheiro aos portugueses. Será que o Governo apenas pretendia parar quando um dos relatórios fosse favorável à sua estratégia já antes definida? Porque não assumiu o Governo frontalmente a sua política para a reforma do Ensino Superior?
Com vista a criar as condições legais para a concretização do processo de Bolonha o Governo publicou em Março de 2006 o diploma relativo aos Graus e Diplomas do Ensino Superior. Este diploma representa uma aproximação relativamente ao que se passa no Norte da Europa, particularmente na Finlândia. Este sistema privilegia o sistema binário constituído pelo subsistema Universitário e Politécnico.
O sistema binário é hoje, claramente, uma opção política do Governo, em que o ensino Politécnico se deve concentrar em formações vocacionais e formações técnicas avançadas de 1º ciclo orientadas profissionalmente. Pelo contrário, o ensino Universitário deverá reforçar a oferta de formações científicas sólidas e especialmente pós-graduações, juntando esforços e competências de unidades de ensino e investigação. Na prática o Governo pretende que o Ensino Superior Politécnico forme licenciados (1º ciclo) e o ensino Universitário forme preferencialmente mestres (2º ciclo) e doutores (3º ciclo). Com esta orientação pretende aumentar rapidamente o número de licenciados através do Politécnico e limitar a formação ao nível do grau de mestre e doutor eventualmente através de alguns instrumentos financeiros ainda não claros.
Convém realçar que as novas formações de Bolonha não permitem obter as mesmas competências de idênticos graus do Ensino Superior antes de Bolonha. Este deve ser sempre o ponto de partida para qualquer análise que o leitor pretenda realizar sobre o Ensino Superior seja qual for o ângulo ou a forma pela qual a faz (por exemplo, no caso das engenharias um mestre de 5 anos por Bolonha tem as mesmas competências que um licenciado de 5 anos antes de Bolonha).
Com a orientação binária do Ensino Superior o Governo afirma a intenção de modernizar as instituições. Para modernizar são necessários recursos, particularmente financeiros. Como vai ser possível o Governo aumentar os recursos financeiros se no ano de 2007 as Universidades e os Politécnicos tiveram uma redução média dos seus orçamentos em 6%? Os recursos financeiros têm naturalmente reflexo na criação/melhoria das infra-estruturas bem como na formação dos docentes do Ensino Superior (obtenção de graus, pós-doutoramentos, bolsas para mobilidade na Europa, ...). Que pretende fazer o Governo? Mobilidade dos melhores docentes do Politécnico para as Universidades?
Por mais estranho que possa parecer o caminho para que aponta o Governo parece ser muito semelhante ao tempo “da outra senhora”, isto é, as Universidades formam a elite.
Os próximos passos de iniciativa legislativa pelo Governo vão ser esclarecedores nomeadamente quanto a diplomas ligados à governação e estatuto legal das instituições, financiamento e estatuto da carreira docente (este último muito desajustado face ao tempo que vivemos).
Em todo este processo de reforma do Ensino Superior apenas conhecemos as orientações do Governo. A oposição política, particularmente ao nível de Parlamento, tem estado ausente do debate. Não contesta, não apresenta soluções alternativas. Esta oposição também devia ser reformada (mais no sentido da exoneração sem qualquer reforma...).
Este tempo de reforma do Ensino Superior que se vive em toda a Europa merecia trabalho de fundo pelos profissionais da política, isto é, daqueles que são pagos pelos impostos dos portugueses para fazer política. Fazer política também é saber intervir com profundidade em áreas estruturantes para o desenvolvimento do país. Deixar o Governo e o partido do Governo completamente livres para reformarem o Ensino Superior como entenderem só pode resultar num trabalho menos conseguido para todos.
____________________
Jorge Magalhães Mendes é doutorado em Engenharia Mecânica e investigador no Centro de Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Mecânica [CIDEM] ligado ao ISEP [Instituto Superior de Engenharia do Porto].
O presente artigo de opinião de Jorge Magalhães Mendes foi publicado n' «O Primeiro de Janeiro», do passado dia 6; anteriormente já havíamos transcrito dois textos seus: «Os caminhos [do processo] de Bolonha» e «Ensino Superior vs [processo de] Bolonha».

Sem comentários: