Em Portugal, a rápida adequação imposta pela saída da lei que regulamentou, efectivamente, a formatação dos cursos ao Processo de Bolonha fez com que as unidades orgânicas tivessem de avançar para adequações que, em muitos casos, não foram muito além de bipartições das licenciaturas existentes.
Estas bipartições, além de não terem em conta a realidade infraestrutural das faculdades - a profusão de 2ºs ciclos, mesmo quando não há reais condições para estes serem ciclos de excelência -, levantam situações pérfidas, como a exclusão de formação especializada no 1º ciclo, nomeadamente, os estágios.
Como decorre da letra da lei, foi ponto norteador da implementação de Bolonha a comparação dos ciclos existentes na própria universidade com ciclos de estudos internacionais, considerados como de referência na área. Na Universidade de Coimbra, este cenário causou a criação de ciclos de estudos ou mesmo de unidades curriculares, que, na teoria, seriam semelhantes às de referência internacional, mas que, na prática, não têm condições materiais/humanas para funcionar devidamente.
Consequentemente, algumas celeumas proliferam, um pouco por toda a instituição. Casos práticos como a ausência de ensino tutorial e horário de atendimento por parte dos docentes, in lato sensu; as poucas verbas para a internacionalização de estudantes – que, recorde-se, é um dos objectivo máximos apregoados por Bolonha - ou o excesso de carga horária para trabalhadores-estudantes são problemas transversais a quase todas as faculdades. Ainda, as consequências da aplicação do modelo de ECTS para medir trabalho do estudante, que, nem sempre, correspondem ao real esforço de horas dispendidas; a falta de flexibilidade dos curriculae, sem as variantes major/minor e transições feitas “em cima do joelho” foram outras das situações que, mesmo com o acompanhamento dos representantes do corpo estudantil, a UC não conseguiu evitar, com a implementação de Bolonha.
No que diz respeito ao mercado de trabalho, existe a necessidade real de avaliar as diferenças de valorização entre uma licenciatura pré-Bolonha e uma licenciatura ajustada ao modelo de uniformização europeu de ensino. Se, para alguns cursos – mais técnicos -, não é necessária a realização de um segundo ciclo especializante; noutros, maioritários, como são os casos das ciências da saúde, psicologia ou áreas relacionadas com o ensino, é impensável a não realização de um segundo ciclo, que é o que permite, em última instância, ambicionar um emprego qualificado na área de estudos de primeiro ciclo.
Agora, é a altura para reflectir, dois anos volvidos após a primeira reforma. A qualidade e excelência dos processos de ensino/aprendizagem devem ser compassos certos da actuação dos órgãos de governo responsáveis pela criação, adequação e manutenção dos ciclos de estudo. Neste sentido, emerge a importância do Sistema de Gestão de Qualidade Pedagógica e da nova Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, cuja criação está para breve, organismos que forneceriam dados estatísticos representativos, passíveis de serem organizados como vectores de actuação para a melhoria da qualidade.
Noutro prisma, a apreciação da justiça/injustiça do Processo de Bolonha deve, igualmente, ser feita, mantendo, no entanto, um papel dialogante, vigilante, construtivo e crítico, de forma a que os estudantes não sejam afastados do processo de resolução de problemas. Para este fim, os estudantes, em especial os que têm responsabilidades de representação, não devem escamotear a meta. Meta, essa, que é, exactamente, a luta por um Ensino Superior público, democrático, gratuito e de qualidade, tal como a história da Associação Académica de Coimbra não deixa esquecer. As metodologias para chegar a essa baliza podem variar, sem cairmos no maniqueísmo de abandonar seja a luta de gabinete e a intervenção forte e de qualidade nos órgãos de gestão, sejam os processos de luta de "rua", como as demonstrações e manifestações, quando for tempo disso. A meta é a mesma, por isso as metodologias devem ser utilizadas consoante a estratégia. Porém, mais importante que isso, irá sempre ser uma participação concertada, informada e reflectida, por parte dos estudantes, os únicos e sempre os únicos a serem o motor de luta pelos seus direitos.
Ana Beatriz Rodrigues e Nuno Almeida
(representantes do corpo discente no Conselho Directivo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)
terça-feira, outubro 21, 2008
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